São vários os motivos que podem trazer dúvida para a pessoa que escuta um relato envolvendo uma criança que foi sofreu abuso sexual. Cada caso é sempre particular, mas, ainda assim, podemos falar de alguns possíveis motivos para isso:
1 – Mecanismo de defesa: diante de uma informação muito difícil e que pode causar sofrimento, sem perceber ou mesmo sem querer, a pessoa que recebe a notícia tenta afastar aquela ideia e se convencer de que aquilo não existe. Isso pode acontecer com o adulto que está tendo contato com um relato de abuso sexual infantil. Assim, esse adulto pode criar diversos argumentos para se convencer de que aquilo que escutou não aconteceu, que é apenas uma confusão, fantasia ou mentira da criança, etc.
2 – Capacidade de relatar o abuso: a forma de contar uma situação de abuso sexual depende do nível de desenvolvimento da vítima. A evolução da linguagem, do pensamento e da memória variam de acordo com a idade. Além disso, fatores individuais e do ambiente influenciam muito na aquisição dessas habilidades, o que traz um potencial diferente em
cada criança e adolescente para entender como a situação abusiva aconteceu e relatá-la. Quando o adulto desconhece esses fatores de desenvolvimento, pode não acreditar no relato de uma criança/adolescente porque não entende que aquela é a forma de expressão possível para a vítima.
3 – Ausência de violência física: muitas vezes, o abuso sexual não envolve nenhum tipo de agressão e é praticado disfarçado de carinho ou brincadeira, ou ainda como se fosse algo natural que as pessoas fazem. Outras vezes, o abuso é praticado através de um convencimento ou manipulação sutis, uma espécie de “lavagem cerebral” da vítima. Então,
a própria criança ou adolescente pode ficar com dúvidas sobre como explicar o que aconteceu, o que pode tornar seu relato confuso para quem está ouvindo.
4 – Sentimentos de vergonha, culpa, medo: abuso sexual é um assunto bastante constrangedor para a criança/adolescente, muitas vezes gerando sentimentos de vergonha e culpa. Então, é comum a vítima ter dificuldade de explicar detalhes, falar o que de fato aconteceu, sentindo-se constrangida e não querendo falar mais sobre o assunto. Além disso, a vítima pode estar sofrendo ameaças, temendo as consequências da revelação e a reação
de quem está ouvindo, o que pode fazer com que seu relato pareça cheio de dúvidas ou com poucas explicações.
5 – Boa relação entre a vítima e o agressor: muitas pessoas acreditam que, quando acontece um abuso sexual, a criança ou adolescente passa a ter medo ou raiva do abusador, mas isso nem sempre é verdade. Muitas vezes, os abusos sexuais são praticados por pessoas da família, alguém que a vítima gosta e que é importante para ela. Desse modo, mesmo sendo
molestada, a vítima nem sempre sente medo ou raiva, podendo inclusive sentir afeto pelo agressor. Assim, alguns adultos podem duvidar do relato de uma criança ou adolescente, simplesmente porque a vítima tinha uma boa relação com o acusado.
6 – Crenças de que as crianças estão fantasiando ou mentindo: existe uma crença popular de que as crianças e adolescentes fantasiam muito e que inventam mentiras. É importante lembrar que crianças não têm conhecimento nem percepção sexual suficientes para fazer relatos de fantasias sexuais adultas. Além disso, falta às crianças conhecimento e
maturidade para elaborarem mentiras sobre abuso sexual, assim como uma motivação para isso. Esse tipo de crença é extremamente perigosa porque invalida e diminui os relatos das vítimas, as mantendo em situação de perigo.
Silvia Pereira Guimarães
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