É sabido que, diante de um relato ou com uma situação indicativa de violência sexual contra uma criança ou adolescente, é nosso dever denunciar. Contudo, muitas pessoas não sabem o que acontece depois que isso é feito e esse desconhecimento gera insegurança na hora da tomada de decisão. Portanto, vale a pena entender o caminho percorrido pela denúncia para que você se sinta mais seguro na hora de fazer o que é certo.
O primeiro passo após perceber que uma criança ou adolescente foi ou está sendo vítima de abuso sexual é procurar algum dos diversos canais oficiais que recebem denúncias de violações dos direitos de crianças e adolescentes e registrar um boletim de ocorrência, ou seja, formalizar uma denúncia.
A denúncia, além de ser uma obrigação legal, é fundamental para que a suposta violência sexual seja investigada. É preciso deixar claro que não se trata de uma acusação ou uma condenação. A notificação da situação para as autoridades competentes é a forma de buscar esclarecimento e de verificar o que de fato está acontecendo. A denúncia possibilita a investigação, interrompe o ciclo de violência, ajuda a proteger a vítima de outros abusos (já que a maioria dos casos de abuso acontece mais de uma vez), permite o acesso da criança/adolescente aos tratamentos necessários e possibilita a responsabilização do agressor. Por isso tudo, fazer a denúncia é tão importante.
São vários os canais disponíveis para denúncia: você pode ligar para o Disque 100 ou procurar o Conselho Tutelar mais próximo ao seu bairro. É possível também buscar o Ministério Público do seu Estado ou se dirigir diretamente a uma delegacia de polícia. Se na sua cidade existir uma delegacia especializada na área da infância, melhor ainda.
De todo modo, o mais importante é reunir os dados e informações pertinentes e procurar uma dessas entidades. Nesses locais, os profissionais darão as orientações apropriadas ao caso e farão os encaminhamentos, visando, prioritariamente, a proteção da criança. Cabe esclarecer que o órgão responsável especificamente pela parte de investigação do possível crime é a delegacia de polícia.
Desde 2017 existe no Brasil a Lei 13.431, que estabelece o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente e determina a implantação da Escuta Especializada e do Depoimento Especial para toda criança ou adolescente testemunha ou vítima de violência, principalmente a violência sexual. A Lei estabelece que todos os municípios brasileiros devem instituir a rede de proteção especializada e integrada. Contudo, na prática, existem Estados que estão mais adiantados nesse processo e outros que ainda enfrentam grandes desafios.
Segundo essa Lei, os diversos órgãos da rede de proteção (Conselhos Tutelares, escolas, CRAS, CREAS, hospitais e postos de saúde, delegacias de polícia, Ministério Público etc.) devem atuar de forma integrada, a fim de evitar que, ao longo do processo, a criança/adolescente vítima tenha que relatar diversas vezes sobre a violência que sofreu.
Para ilustrar o caminho percorrido pela denúncia, vamos supor que ela foi formalizada em uma delegacia especializada, da infância e adolescência. Logo em seguida, a suposta vítima será chamada para relatar o ocorrido. De acordo com a lei 13.431/2017, a condução desse depoimento deve ser feita por profissionais capacitados e em ambiente acolhedor, para evitar o processo de revitimização.
Após a coleta dos testemunhos, a criança ou adolescente pode ser encaminhada para receber atendimento preventivo de gravidez ou ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) em um centro de saúde e para a realização de exames periciais no Instituto Médico Legal (IML), com foco na avaliação e coleta de vestígios físicos e material genético. Além disso, a vítima poderá ser encaminhada para atendimento psicossocial na rede de assistência social do município (que pode ser oferecido pelo CREAS ou CRAS, por exemplo).
Paralelamente a esses cuidados à vítima, será instaurado um inquérito policial com o objetivo de averiguar a denúncia de violência sexual. Assim, caberá às investigações policiais o levantamento das provas do suposto crime.
Ao fim do inquérito policial, uma comunicação é encaminhada ao Ministério Público, que faz uma análise do caso. Cabe ao Promotor de Justiça analisar as informações levantadas, pedir novas diligências à polícia, se entender necessário, e decidir se o procedimento deve seguir adiante, com uma denúncia encaminhada ao Tribunal de Justiça, onde pode se tornar um Processo Judicial.
A partir daí, o processo judicial pode demorar muito tempo, até anos, para ser concluído. De todo modo, independentemente do tempo para a conclusão do processo, a Lei 13.431/2017 determina que a criança ou adolescente vítima seja escutada o quanto antes, através de um único depoimento, chamado de Depoimento Especial, em regime de antecipação de prova. Isso quer dizer que a vítima será escutada por uma pessoa capacitada, treinada, em um ambiente adequado, com uso de protocolo específico e sem contato visual com o suposto agressor.
Vale esclarecer que, a seu tempo, o suposto agressor terá a oportunidade de apresentar sua defesa, tanto na delegacia quanto diante do juiz, caso seja aberto um processo judicial. Em seu auxílio, poderá contar com um advogado contratado, ou, caso não tenha condições para isso, com um defensor público ou um advogado nomeado pelo juiz, indicado para atuar de forma gratuita. Ao final do processo, o acusado poderá ser inocentado pelo juiz ou considerado culpado, a partir do que terá determinada uma pena. Caso condenado, o réu pode cumprir a pena ou recorrer de sua sentença.
Apesar de parecer complexo, é importante ressaltar que hoje existe no Brasil uma legislação que busca proteger a criança/adolescente durante todo esse processo. O papel individual de cada um é realizar a denúncia quando uma situação de violência existir e acompanhar seus desdobramentos. A todos nós, enquanto sociedade, cabe exigir dos gestores públicos que a legislação seja cumprida, que os órgãos de proteção atuem de forma integrada e que as vítimas sejam protegidas.
Silvia Pereira Guimarães
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