A virgindade é um conceito construído socialmente em torno da primeira experiência sexual. Para as pessoas do sexo feminino, a ideia de “perder a virgindade” usualmente está atrelada ao hímen, que é uma membrana que recobre parcialmente a área interna da genitália feminina e que, supostamente, se rompe com a penetração sexual.  

Baseado nesse entendimento, é comum que crianças e adolescentes sob suspeita de vitimização sexual sejam encaminhados para exames dedicados a avaliar se foram submetidas à penetração. Tais exames consistem na inspeção do órgão genital de meninas para verificar, a partir da aparência das estruturas dessa região corporal, se há anormalidades do hímen, como lacerações, cicatrizes, perfuração, alargamento do canal ou outros tipos de lesões resultantes de violação íntima.

Na nossa experiência, é comum observar que, ante a uma denúncia de abuso sexual contra uma criança ou adolescente, a família se sinta tranquilizada pelo resultado desse tipo de exame quando não são encontrados indícios físicos que confirmem a violência. Acreditam que isso significa que a criança ou adolescente não foi molestado, o que normalmente não condiz com a realidade.

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a violência sexual contra crianças e adolescentes nem sempre envolve contato físico e, nessas condições, obviamente não será possível identificar qualquer sinal corporal que evidencie o abuso. Além disso, a literatura científica tem apontado problemas com os exames acima referidos. Uma série de estudos recentes tem demonstrado que, mesmo quando a vítima alega que a violência ocorreu com a penetração de dedo ou pênis em sua vagina ou ânus, são enormemente frequentes os casos em que nenhum indício do estupro aparece. Isso se dá por vários fatores, como pela rápida capacidade de regeneração das mucosas em crianças e adolescentes e, especialmente, porque há tantas variações na constituição himenal que é muito difícil discriminar suas variações anatômicas.

Em 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) se posicionou contrária às avaliações médicas que envolvem análise da integridade do hímen para conclusões sobre virgindade, isso mesmo em casos de violência sexual. Além de considerar as questões já postas por esse texto, a entidade acrescenta que esses exames são invasivos, de forma que têm efeito revitimizante sobre vítimas de violência sexual e constituem-se em violações aos direitos humanos. Ao exposto, coloca ainda que, a despeito da insuficiência das conclusões que oferecem, os exames de virgindade tendem a ser amplamente aceitos pelos tribunais, em detrimento da palavra da vítima e em favor do agressor, que muitas vezes se mantém impune.

De modo geral, existe um movimento global para a abolição dos exames de virgindade, fortemente apoiado pela comunidade científica. Não há razão para que esse tipo de prática continue a ser empregada e, sendo assim, é importante que pais e profissionais estejam cientes acerca de suas limitações para evitar conclusões sobre denúncias de abuso tão somente com base nessas avaliações. 

Liliane Domingos Martins