Em denúncias de violência sexual, é comum que as vítimas sejam questionadas sobre as razões porque não apresentaram reação contra a aproximação indevida do agressor. Mesmo em casos de crianças e adolescentes, isso também acontece. Os mais novos são confrontados sobre as razões porque não correram, gritaram ou chamaram um dos pais, como se reagir aos abusos fosse fácil e esperado.

Sim, é verdade que boa parte daqueles que são expostos a essa ameaça tentam explicitar sua oposição ao ato, empurrando o agressor ou dizendo “NÃO”, por exemplo. Ensinar as crianças e adolescentes a reagirem nesses casos é importante e algo que até já discutimos por aqui. Mesmo assim, a literatura científica aponta que é também bastante frequente o número de pessoas que paralisa diante da sensação de medo intenso, ou seja, que ficam completamente incapacitadas de esboçar qualquer resposta à violência. 

Nos estudos da área, esse fenômeno é chamado de “imobilidade tônica”. Trata-se de um mecanismo biológico e evolutivo, que acompanha os seres humanos desde tempos remotos, quando, às vezes, era essencial ficar muito quieto para evitar o ataque de um predador. Como resquício disso, ainda atualmente é usual que as pessoas congelem em contextos aterrorizantes, como em casos de estupro. De acordo com algumas pesquisas, esse tipo de situação é extremamente traumática e pode ter impacto psicológico semelhante ao de vivenciar uma guerra. Nessa condição de desorganização emocional tão forte, como explicado, a vítima pode entrar em pânico e, instintivamente, deixar de oferecer resistência ao seu algoz.

A grande questão aqui é que a imobilidade tônica não significa que a vítima foi passiva quanto ao ato abusivo ou que consentiu com ele. É um equívoco tratar o problema dessa forma. A culpa por não ter conseguido evidenciar sua contrariedade com a situação já tende a ser pesada demais para essas pessoas e é preciso que sejam acolhidas quanto a essa dor. Confrontá-la não é útil nesses casos e é revitimizante, já que quem faz esse tipo de pressão se mostra ignorante quanto ao resultado de várias pesquisas sobre a naturalidade dos episódios de paralisia em eventos traumáticos.

Liliane Domingos Martins