Sempre falamos dos 3 Rs da autoproteção, ou seja, da importância de ensinar  crianças e adolescentes a Reconhecer, Reagir e Relatar situações suspeitas. Essa é uma boa estratégia de prevenção do abuso sexual, mas cujo sucesso depende da aquisição de algumas noções importantes, que podem ser desenvolvidas desde muito cedo com nossas crianças.

Quando se trata de violência sexual, não é fácil reconhecer situações de risco, já que esses riscos raramente são muito claros. Primeiro porque a maioria dos agressores é alguém próximo da criança, que conta com a confiança tanto dela quanto da família. Depois, porque nem sempre o abuso ocorre de maneira a gerar desconforto. Muitos agressores iniciam suas práticas com toques sutis e agradáveis, inseridos em ações corriqueiras de cuidado ou em brincadeiras, que vão evoluindo para contatos mais sexualizados com o passar do tempo. Além disso, o fato de que as crianças são geralmente ensinadas a respeitar e obedecer sem questionamento os adultos favorece a ação desses agressores.

A tarefa de proteger nossos pequenos deve ser constante, assim como é o risco de que se tornem vítimas desse crime tão terrível. É um trabalho amplo, que vai além de explicar para a criança que existem abusadores e que ela deve reagir e relatar, se for abordada por algum deles.

É por isso que hoje vamos trabalhar três pontos fundamentais, não só para a prevenção da violência sexual, como também para o desenvolvimento de habilidades emocionais e sociais úteis em qualquer situação. 

Para que uma criança possa de fato reconhecer situações abusivas, é interessante que ela desenvolva de maneira efetiva as noções de Intimidade, Privacidade e Autonomia. Nosso convite é para que esses elementos, naturalmente presentes de um modo ou outro na educação corriqueira das crianças, sejam abordados pelos cuidadores, pais ou responsáveis de forma consciente, em toda sua potencialidade.

O primeiro desses conceitos, Intimidade, se refere à percepção de que certas coisas são particulares e só devem ser divididas com poucas pessoas, em momentos especiais. Na construção da ideia de Intimidade, algo importante é ensinar as crianças a identificarem e nomearem cada parte do próprio corpo, entendendo que algumas delas são diferenciadas. Nesse sentido, a concepção de partes íntimas pode ser trazida desde muito cedo, aliada à informação de que essas partes devem ser resguardadas e não podem ser tocadas por outras pessoas, a menos que a criança precise de algum cuidado específico, de higiene ou médico, por exemplo. 

Vale dizer que o conceito de Intimidade não se limita a demarcar algumas partes particulares no corpo da criança. Nessa lógica, é importante que a criança seja resguardada não só com relação ao seu corpo, mas também numa perspectiva subjetiva. Respeitar a intimidade da criança envolve também escutá-la com atenção, valorizar suas dúvidas, buscando esclarecê-las, considerar suas emoções e validar seus sentimentos. 

Se observarmos com atenção, veremos que essa não é a postura tomada pela maioria dos adultos. Tanto que, o que mais ocorre quando uma criança cai e chora, é encontrar um adulto que lhe diga para se levantar logo, que não foi nada e nem doeu. Embora pareça uma bobagem, esse tipo de conduta transmite para a criança a percepção de que a dor que ela de fato sente talvez nem seja verdade, pois não é validada pelo outro. Aqui, o adulto não só se coloca como quem sabe mais do que a criança, mas também como quem é incapaz de entender e acolher seu sofrimento ou dificuldade.

O conceito de Privacidade amplia, de certa forma, a ideia de Intimidade. Privacidade é a concepção de um espaço pessoal, muitas vezes concreto, onde se pode experimentar momentos particulares ou condutas que, socialmente, se dão fora da vista das outras pessoas. Nesse ponto, entra a noção de pudor e a percepção de que algumas coisas são socialmente aceitas, quando são públicas, enquanto outras não são tão adequadas e devem ser resguardadas. É a partir desse entendimento que a criança será capaz de identificar o espaço dela e o espaço do outro e compreender que é preciso pedir ou conceder permissão para o acesso a determinados ambientes. 

Aqui, precisamos fazer a distinção entre privacidade e segredo. Privacidade tem a ver com coisas que são sabidas e adequadas, mas não devem ser socializadas, como os momentos de higiene ou de exploração íntima e natural do próprio corpo. Segredo pode envolver condutas vergonhosas ou inadequadas, que não são divididas por medo ou constrangimento.

Finalmente, chegamos à questão da Autonomia, postura que deve ser cultivada e incentivada desde muito cedo. Quanto mais independente for uma criança, tanto com relação aos cuidados com o próprio corpo, tanto em termos de formular seus próprios pensamentos e dúvidas, tendo a tranquilidade de expor isso sem medo, menos chance ela terá de ser vítima de abuso.

A noção de Intimidade, a concepção de Privacidade e o desenvolvimento da Autonomia são fortes aliados na prevenção da violência sexual, além de ferramentas valiosas para o bom relacionamento da crianças consigo mesma e com o mundo.

Juliana Borges Naves