O dia 18 de maio foi instituído oficialmente como o Dia Nacional de Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Essa é uma data muito importante, pois vários órgãos se unem e se mobilizam para chamar a atenção para esse problema e para promover a reflexão em toda a sociedade sobre as formas de combatê-lo. 

A escolha do dia 18 de maio não se deu por acaso. Essa data marcou a morte da menina Araceli Cabrera Sánchez Crespo, em 1973, na cidade de Vitória-ES. A criança foi sequestrada, violentada sexualmente e assassinada quando tinha apenas 8 anos de idade. Os suspeitos, pessoas influentes da sociedade naquela época, foram absolvidos e ninguém pagou por esse crime, de forma que não houve justiça para o ocorrido. Apesar de impactante, o “caso Araceli” é apenas um dentre os inúmeros episódios de vitimização de crianças e adolescentes em nosso país, de forma que ele se tornou emblemático para lembrar os outros que o sucederam.

As estatísticas atuais nos mostram que não se trata de uma problemática do passado ou de uma questão menos relevante com o passar do tempo. Muito pelo contrário. Os dados oficiais indicam que o número de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual no Brasil continuam extremanente elevados. Além disso, a pandemia aponta para um cenário que tornou o quadro mais complicado, ainda que não se tenha o exato dimensionamento do impacto dos abusos no país em função do isolamento e da crise social. 

Segundo os dados mais recentes do Anuário Brasileiro da Segurança Pública, no primeiro semestre de 2020, durante o início da pandemia do novo coronavirus, caíram os registros em delegacia de casos envolvendo violência doméstica e violência contra as mulheres. Por outro lado, houve um aumento no número de feminicídios e homicídios dolosos contra mulheres, se comparado com o mesmo período do ano anterior. Essa diferença nos dados sinaliza que, muito provavelmente, houve uma diminuição no número de denúncias oficiais de casos envolvendo violência doméstica, mas que isso não reflete uma diminuição da violência. 

Conforme o texto do Anuário Brasileiro, pode ter havido um aumento na subnotificação de alguns tipos de crimes, tendo em vista que o distanciamento social impõe dificuldades para que vítimas de violência doméstica denunciem esse problema. Sendo assim, observou-se queda nos registros dos crimes que dependem, principalmente, da presença física da vítima nas delegacias, em especial os casos de estupro, que demandam também exame pericial.

Especificamente sobre os números relacionados à violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, os dados completos mais recentes constam de 2019. Sabemos que esse tipo de crime é extremamente subnotificado, em razão das diversas complexidades que o envolvem (na maioria das vezes acontece dentro do contexto familiar; vítimas de pouca idade; comumente sem indícios físicos, etc.). Ainda assim, as estatísticas nacionais são assustadoras: em 2019 foram registrados 66.348 vítimas de estupro e estupro de vulnerável, o que corresponde a 1 estupro a cada 8 minutos em nosso país. Desse número, 58,8% das vítimas tinham no máximo 13 anos, o que corresponde a 39.012 casos registrados. Do total de vítimas, 85,7% eram do sexo feminino, o que confirma que a violência sexual continua se dando principalmente contra crianças e adolescentes do sexo feminino. 

Diante desse quadro, o cenário da pandemia parece impor um desafio ainda maior no enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes e todas as ações de conscientização sobre essas questões são mais pertinentes do que nunca.

O mês de maio é, portanto, um momento de mobilização, de unir esforços, o que não nos exime de continuarmos a nossa luta em todos os demais dias do ano. A violência sexual é um tipo de crime bárbaro, impactante, e de difícil enfrentamento. Por isso, todos: pais, professores, profissionais de saúde, profissionais da assistência social, profissionais do direito, gestores públicos, profissionais da rede de proteção e a sociedade de modo geral, estão convidados a se unirem a nós nessa causa. 

Silvia Pereira Guimarães