A violência sexual, quando praticada por um adolescente ou até mesmo por uma criança, é um assunto complexo e bastante desafiador, uma vez que os limites entre vítima e agressor, muitas vezes, se mostram pouco claros. Ainda assim, estima-se que abusos sexuais praticados por adolescentes correspondem a 30% do total de casos.

Uma das grandes dificuldades nas situações dessa natureza refere-se à necessidade de diferenciar as relações abusivas das atividades sexuais consensuais e exploratórias comuns dessa fase de desenvolvimento. Nesse sentido, as análises devem sempre considerar a situação em particular e diversos pontos devem ser ponderados: a diferença de idade entre os envolvidos, a diferença de poder entre eles, a sofisticação da atividade sexual, o consentimento ou concordância, a existência de violência aberta ou ameaça de violência, dentre outros.

A adolescência é o período de transição entre a infância e a vida adulta. Trata-se de uma etapa do desenvolvimento biopsicossocial do sujeito, marcado por grandes transformações, não apenas físicas/biológicas, mas também por processos de mudanças e adaptações psicológicas, familiares e sociais. Assim, o adolescente é um sujeito em franco processo de desenvolvimento e, do ponto de vista legal, é um “sujeito de direitos”. Isso significa dizer que os adolescentes gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana e lhes devem ser asseguradas todas as oportunidades e facilidades a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. 

É importante deixar claro que, ainda que sejam sujeitos de direitos, os adolescentes respondem por seus atos na ocasião em que cometem um crime. No caso de adolescentes, afirma-se que foi cometido um “ato infracional”. Nessas situações, poderão ser aplicadas medidas sócio-educativas diversas: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação em estabelecimento educacional.

Entendendo que o adolescente que pratica um abuso sexual pode responder legalmente por seus atos, o grande desafio é caracterizar esse tipo de violência. Para isso, o primeiro ponto que deve ser considerado é a diferença de idade entre os envolvidos. Entende-se que atividades exploratórias da sexualidade são comuns entre jovens da mesma faixa etária, contudo, quando nos deparamos com grandes diferenças de idade (um adolescente e uma criança mais jovem), existe uma maior probabilidade de que a prática não seja uma atividade consensual. Isso também acontece quando verificamos significativa diferença de poder entre as duas partes, ou seja, quando o adolescente tem um status de ser o cuidador dos menores ou possui certa responsabilidade sobre os demais, há grande probabilidade de que a atividade sexual seja de natureza abusiva. 

Outro aspecto a ser considerado é o nível de sofisticação da prática sexual. Atividades exploratórias tendem a ser mais simples, pueris, ingênuas, sugerindo desconhecimento com relação à sexualidade. Já as atividades abusivas tendem a ser mais elaboradas, indicando certo conhecimento sexual. Além disso, vale observar a persistência dos atos. A experimentação sexual da fase da descoberta tende a ser esporádica, eventual. Por outro lado, a repetição e a alta frequência da atividade aparece com maior incidência em práticas de abuso sexual. 

Vale observar ainda como as partes se posicionam frente aquela atividade. É importante entender até que ponto ambos consentiram naquela atividade e levar em conta se houve algum tipo de coação ou ameaça. Ademais, a existência de atos de violência aberta (como agressão física que inflige dor) pode ser indicativa de abuso sexual. 

Deve ser levado em consideração também a experiência da vítima com relação à atividade sexual, ou seja, se seu sentimento acerca do encontro sexual aponta para um abuso, provavelmente não houve consentimento. Além disso, a forma como a atividade foi revelada pode dar pistas sobre o evento. Um exemplo disso são casos que são descobertos porque a vítima apresentou significativas mudanças indicativas de vivência traumática e sofrimento. 

As situações de violência sexual que envolvem adolescentes como agressores devem sempre ser observadas caso a caso, fugindo de conclusões simplistas. Além das dificuldades em delimitar o que configura um abuso, existe a possibilidade de que o jovem agressor seja também uma vítima de violência. Ainda que seja difícil mensurar, alguns estudos apontam que, com frequência, adolescentes agressores sexuais foram vítimas de abusos sexuais, físicos e emocionais. Entender a complexidade da situação é fundamental para a responsabilização adequada, como também para que intervenções e tratamentos sejam administrados, tanto voltados para a vítima quanto para o agressor.  

Silvia Pereira Guimarães