Por muitas vezes falamos aqui sobre a importância do estabelecimento de uma relação de confiança junto à criança como uma das mais importantes vias para a prevenção do abuso sexual infantil.

Mas, como construir uma relação de confiança com meu filho?

Essa é uma pergunta simultaneamente preciosa e difícil. 

“Preciosa” porque trata-se de um desejo legítimo de qualquer adulto que conhece os desafios que envolvem a prevenção do abuso sexual e entende a importância do estabelecimento de uma relação que transmita segurança e confiança para a criança.  

Quando há esse tipo de relação, a criança se sente segura para dizer de forma franca o que está lhe incomodando, inclusive sobre temas da sexualidade, sabendo que aquele conteúdo relatado será escutado com atenção e respeito, não sendo castigado ou reprimido. Isso possibilita ao adulto identificar as questões que envolvem angústia e sofrimento, e abre a possibilidade de se conversar sobre isso. Nesse sentido, aproximações inadequadas, abusivas ou com conotação sexual poderão ser identificadas precocemente, possibilitando a tomada de providências. 

Além de preciosa, a pergunta é também “difícil” porque não existe uma resposta pronta que a contemple. A formação de uma relação segura e íntima entre um adulto (pode ser a mãe, o pai, uma avó etc.) e uma criança envolve uma série de elementos subjetivos e íntimos que fogem a qualquer receita preestabelecida. 

As dificuldades ou facilidades encontradas pelo adulto na construção desse tipo de vínculo esbarram em fatores dos mais diversos, dentre eles a própria história de vida do adulto e da criança e as formas como se deram suas relações, o lugar da criança na vida desse adulto, seus próprios traumas e dificuldades pessoais, características de personalidade de ambos, etc. Assim, a forma como um adulto vai se relacionar com a criança que está sob seus cuidados será sempre única e particular, não sendo possível enquadrar em uma receita universal. 

Apesar disso, é possível pensar noções gerais que fundamentam a construção desse laço de proximidade. A primeira delas é que esse processo demanda tempo, por vezes uma vida inteira, portanto, não pode ser elaborado de um dia para o outro.  

Trata-se de uma construção gradual, lenta, por meio do diálogo cotidiano e das pequenas interações, onde o adulto se mostra aberto e disponível. Isso significa que, ainda que a criança tenha como assunto coisas banais do dia a dia, elementos de fantasia ou do seu brincar, cabe ao adulto escutar, se interessar efetivamente pelo que está sendo relatado. Ouvir não é o mesmo que conversar enquanto mexe no telefone celular ou cozinha. Trata-se de reservar momentos de troca, interação e, assim, maior aproximação. 

Além disso, cabe ao adulto procurar esses diálogos, construir o hábito de perguntar sobre o cotidiano da criança, como foi seu dia, o que ela fez ou como está se sentindo. Contudo, não como quem cumpre os itens de um questionário, mas como alguém que se interessa verdadeiramente pelas mini aventuras da vida daquela criança. 

Aqui, vale lembrar que é fundamental que o adulto adote uma postura de sincero respeito em relação ao conteúdo que lhe é apresentado. Isso significa não julgar ou minimizar sentimentos, assim como não ridicularizar o que está sendo dito. É importante que a criança sinta que o que ela diz é relevante, uma vez que isso é relevante para uma boa relação. 

Eventualmente, o adulto pode também compartilhar algum conteúdo seu, por exemplo, falar de forma franca como está se sentindo naquele dia ou em relação a determinada questão. Trata-se de uma postura que aproxima, que o desloca um pouco da posição hierarquicamente superior, e o traz para um contexto comum e mais próximo da criança. 

Por fim, vale ao adulto sinalizar verbalmente para a criança que ela pode confiar nele e lhe procurar sempre que sentir necessidade, pois ele estará aberto para escutar e ajudar no que for preciso. Ainda que essa mensagem esteja sendo transmitida ao longo do tempo nos comportamentos cotidianos, a verbalização dessa disponibilidade auxilia no entendimento por parte da criança. 

Silvia Pereira Guimarães