Boa parte das pessoas se choca com o fato de que haja adultos capazes de abusar sexualmente de crianças e a dificuldade em lidar com essa possibilidade é tanta que muita gente nem mesmo pensa sobre esse assunto. Entretanto, negar a realidade não faz com que ela mude e se a gente quer mesmo proporcionar alguma segurança para as crianças que a gente ama, não tem jeito, é preciso enfrentar o problema.

Quanto ao que uma família pode fazer para proteger os seus, orientações em termos de prevenção da violência sexual são fundamentais. Mas como falar sobre isso sem assustar as crianças?

No que diz respeito à segurança delas, quantos assuntos já não tratamos de forma corriqueira, a partir de ações do dia a dia? Não é assim que introduzimos hábitos de higiene, orientamos sobre os cuidados necessários para atravessar a rua ou para evitar acidentes como choques ou queimaduras? Da mesma forma, a preocupação com os perigos do abuso sexual deve estar presente no nosso cotidiano. 

Vemos que, em geral, as orientações nesse sentido costumam se resumir à informação de que as crianças não devem conversar com estranhos. Mas como sempre falamos por aqui, a maioria dos atos de assédio parte de familiares ou de pessoas próximas à vítima, o que torna esse tipo de precaução praticamente inútil para evitar que o abuso aconteça. 

Estratégias efetivas de prevenção envolvem educação em sexualidade, ou seja, estímulo para que as crianças tenham autonomia sobre o próprio corpo, sejam validadas quanto aos próprios sentimentos, identifiquem situações prazerosas e desprazerosas, bem como desenvolvam estratégias de autoproteção no seu contato físico ou afetivo com os outros. 

Uma atitude simples, mas que ajuda muito, é ensinar, o quanto antes, a criança a nomear todas as partes do corpo. Além disso, desenvolver a ideia de que algumas dessas partes são íntimas e não devem ser tocadas senão em situações específicas, caso precisem de ajuda. Nessa lógica, ainda que a família utilize apelidos para se referir à vulva e ao pênis, por exemplo, é importante que se oriente quanto aos nomes mais técnicos, para que a criança possa ser compreendida, caso precise reportar alguma situação abusiva.

A noção de privacidade também é fundamental. É necessário orientar que algumas coisas ou momentos são íntimos e devem ser respeitados. Por isso, em público usamos roupas de banho, calcinha ou cueca e fechamos a porta quando estamos no banheiro, por exemplo.

Nesse ponto, cabe esclarecer que a curiosidade sobre a diferença entre meninos e meninas surge naturalmente por volta dos três anos de idade, quando as partes íntimas passam a chamar maior atenção. É a época das perguntas constrangedoras, bem como dos atos de manipulação dos genitais, que tanto assustam muitas famílias. Essa preocupação muitas vezes é infundada, haja visto que a estimulação da vulva ou do pênis é uma atividade típica da criança nessa época e tem natureza diversa do que conhecemos propriamente como masturbação. No caso das crianças, tal comportamento tem como base a curiosidade em conhecer o próprio corpo e em experimentar as sensações de bem estar que este pode proporcionar, sem o componente erótico que integra a experiência de masturbação na fase adulta. 

Nesse contexto, é importante trabalhar com os pequenos a ideia de que é natural que sinta algumas sensações quando toca aquela parte do corpo, mas que se trata de uma área sensível, com a qual precisa lidar com certos cuidados, como delicadeza e higiene. Fundamental é reforçar a noção de que se trata de uma parte íntima, que só deve ser tocada por ela e mais ninguém, com raras exceções. Ademais, também deve-se orientar que a automanipulação deve ocorrer de forma privativa e não à vista das demais pessoas.   Com o tempo, esse comportamento tende a perder a frequência para as atividades cognitivas que integram a fase posterior, quando a atenção da criança se volta para as relações de amizade e a aquisição de conhecimento.

Outra ação preventiva que pode ser feita no dia a dia da família é o estímulo ao diálogo e o estabelecimento de um vínculo de confiança com as crianças.  Isso pode ser feito a partir de perguntas rotineiras sobre os acontecimentos do dia e sobre seus sentimentos. Aqui, o importante é construir perguntas livres, de forma que se sintam interessadas em respondê-las. Além disso, cumpre dizer abertamente que podem pedir ajuda sempre que precisarem, pois serão invariavelmente apoiadas. Tudo isso pode ajudar muito para que nossos pequenos não se sintam desamparados diante dos problemas que vierem a surgir.

Juliana Borges Naves