Muita gente acha que a violência sexual ocorre exclusivamente com meninas. Esse tipo de pensamento equivocado traz complicações importantes para as crianças do sexo masculino. Nesses casos, a educação para autoproteção deles costuma ser negligenciada e os garotos tendem a ficar mais desprotegidos, alvos fáceis de pessoas mal intencionadas. 

Em 2020, segundo os dados enunciados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2021, cerca de 13,1% dos casos de estupro e estupro de vulnerável em nosso país foram contra indivíduos do sexo masculino. Talvez esse índice não pareça tão alto para alguns leitores, mas é preocupante constatar que, no caso das crianças desse grupo, eles costumam ser vitimizados com mais frequência nos primeiros anos da infância, até os 9 anos, enquanto com as meninas e mulheres, a idade com maiores índices de vitimização é aos 13 anos. Trata-se de uma tendência que também é documentada por outros levantamentos estatísticos e que evidencia a necessidade de se estar atento para a educação sexual de meninos desde muito cedo. Isso significa que os meninos também devem aprender sobre as partes de seus corpos que não devem ser tocadas por terceiros, a reconhecerem contatos desconfortáveis, a reagirem a convites estranhos ou que lhes deixem envergonhados.

Além disso, apesar desses números, alguns dos motivos porque as pessoas não são tão conscientes sobre a violência contra meninos envolvem especificidades da nossa cultura. No geral, a virilidade masculina é estimulada e, por isso, certos abusos podem vir camuflados de iniciação sexual. É importante que isso seja compreendido pelos responsáveis por crianças do sexo masculino para mantê-los mais protegidos. Em educação sexual, cada conteúdo é pensado cuidadosamente e oferecido conforme a faixa etária do infante. Assim, está errado, por exemplo, se um tio mostra vídeos pornográficos para seu sobrinho alegando que ele precisa aprender o assunto. Basta pensar da seguinte forma: se fosse uma menina, a situação provavelmente escandalizaria os parentes. Do mesmo modo, portanto, é abusivo esse tipo de abordagem com crianças do sexo masculino.

Também é preciso reconhecer que os estereótipos de masculinidade dificultam a denúncia de casos de violência sexual contra homens e meninos. Mais uma vez, como eles são culturalmente estimulados ao exercício sexual, sentem-se bastante inibidos em assumir publicamente sobre quaisquer situações nas quais foram violados, forçados a atos sexuais. Tendo em vista que os homossexuais normalmente são discriminados e ridicularizados em muitas rodas masculinas, homens vítimas de abusos costumam temer que sua orientação sexual seja questionada por seus pares. Isso implica na subnotificação dos episódios abusivos contra pessoas do sexo masculino, o que faz com que o problema pareça menor do que realmente é. É essencial, deste modo, quebrar o tabu quanto a esta forma de silenciamento, abrindo espaço para que mais homens e meninos se encorajem a buscar ajuda.

Frente a tais pontos, é possível perceber que nossa sociedade carrega valores machistas e homofóbicos que levam à ampla desconsideração sobre a violência sexual contra indivídios do sexo masculino. Cada vez mais, a desconstrução desses conceitos vem sendo objeto de reflexão na orientação de nossas crianças, isto com o objetivo de maior igualdade entre os sexos. Tal estratégia pode ser fundamental para que meninos e homens se sintam mais acolhidos quando passam por uma situação de violência e para que se tornem menos propensos a se tornarem agressores. É fácil assumir que, desse modo, todos saem ganhando!

Liliane Domingos Martins