Já falamos inúmeras vezes que a violência sexual contra crianças e adolescentes não é um fenômeno que acontece exclusivamente em uma determinada classe socioeconômica ou em determinado tipo de estrutura familiar, grupo étnico, religioso, cultural ou orientação sexual. Ao contrário disso, a vitimização de crianças e adolescentes é uma realidade mais ampla, que abrange todos os perfis, tornando-se um problema global a ser enfrentado. 

Assim, o abuso sexual não acontece apenas em famílias pobres e “desestruturadas”, como muitas vezes o senso comum acredita ser. Trata-se de um tipo de evento suscetível de ocorrer igualmente nas famílias “bem estruturadas”, de alto padrão socioeconômico e vida religiosa ativa. Isso se dá porque os abusos são praticados por pessoas, e não grupos ou perfis sociais. 

Dito isso, vale analisar que o abuso sexual envolve situações particulares de dominação dentro de uma relação desigual de poder: um agressor exercendo seu poder sobre uma vítima. Nesse sentido, podemos pensar em situações mais amplas que reforçam e acentuam essa desigualdade de poder e assim, por uma via indireta, podem contribuir para um aumento do risco para a ocorrência de violações diversas, entre elas, a violência sexual infantojuvenil. 

As situações de crise financeira e econômica, principalmente aquelas que perduram por longo tempo, contribuem para a construção de um cenário de instabilidade, estresse e tensão social, aumentando a incidência de crimes e violência de modo geral. Nesse contexto de fragilidade social, a violência doméstica, especialmente aquela que vitimiza os mais vulneráveis (como as mulheres e crianças), aumenta significativamente. Junto a isso, verifica-se também uma tendência geral de aumento dos abusos sexuais praticados contra as crianças. 

Um exemplo de como a crise financeira e a instabilidade social aumentam os índices de violência pode ser observado atualmente com a pandemia da Covid 19 e as medidas de distanciamento social. Os dados preliminares apontam para um aumento nas ocorrências de violência contra a mulher, assim como um aumento dos abusos sexuais contra crianças e adolescentes. 

Outro ponto que pode implicar em um aumento nas taxas de vitimização são os ambientes sociais em que imperam um modelo machista de relação, onde a mulher é comumente objetificada, ou seja, desconsiderada enquanto sujeito. Modelos socioculturais de naturalização das diferenças entre homens e mulheres predispõe a relações abusivas de modo geral, entre elas, abusos de natureza sexual que atingem também as crianças e adolescentes. 

Do mesmo modo, sociedades adultocêntricas (como a nossa), onde o poder de escolha, liberdade e direitos concentra-se nos adultos, favorecem situações de vitimização dos mais jovens, uma vez que estes não são ouvidos ou suas opiniões e posicionamentos são considerados irrelevantes. Junto a isso, modelos “educacionais” violentos, que banalizam o uso da agressão física e a imposição da força e da vontade sobre o outro, reforçam a tendência de vitimização sexual infantojuvenil. 

Por fim, o implemento e a ampliação da virtualidade das relações, tem surgido como campo para o aumento da violência sexual por meios digitais. A naturalização das telas e o livre acesso dos jovens a dispositivos com acesso à internet amplia o alcance do conhecimento e traz inúmeros benefícios aos usuários. Contudo, também amplifica riscos diversos, tais como a exposição à pornografia, o aliciamento por parte de pedófilos, a indução ao sexting, os assédios sexuais, dentre outros.

Silvia Pereira Guimarães