É bastante comum que uma criança leve anos para contar que passou por algum episódio de violência sexual, isso quando não mantém esse segredo por toda a vida. Em razão dessa demora, alguns adultos se sentem revoltados, sem entender o porquê de ela não ter pedido ajuda antes. Tal situação surge da ideia equivocada de que é simples para a vítima falar sobre o abuso e buscar uma solução para seu problema.

Embora a violência sexual provoque muito sofrimento, na situação real, muitos fatores podem levar uma vítima a manter a violência em segredo. Na verdade, o contexto da maioria dos casos é bastante desfavorável para a revelação.

Em geral, as crianças não têm a menor ideia do que é o abuso sexual e não são orientadas sobre a possibilidade de abordagens inadequadas. Muitas delas não têm informações mínimas sobre o próprio corpo, nem consciência de que algumas partes são íntimas e ñão devem ser tocadas por outras pessoas, a não ser em situações pontuais, como em consultas ou em alguma atividade de higiene para a qual ainda precisem de ajuda. Por essa razão, muitos toques abusivos não são prontamente identificados pela criança, que só percebe a natureza do abuso quando este passa a atos eróticos mais complexos ou já está estabelecido como uma prática recorrente. Nesse ponto, pode ocorrer da vítima se sentir responsável ou culpada pelo abuso, considerando que permanecia próxima ao abusador até então. 

Precisamos saber que nem sempre uma criança tem confiança para contar sobre seus problemas para os pais, por medo de bronca ou castigo. Nessa lógica, recorrer à violência física ou a castigos rígidos como forma de educar os filhos, além de inapropriado, pode ser prejudicial à segurança deles. 

Outra dificuldade da criança para buscar ajuda é que, na maioria das vezes, o agressor é alguém com quem ela convive e que conta com a confiança da família dela. Isso cria um conflito entre o desejo de que a violência pare e as prováveis consequências da revelação. Entre a palavra dela e a do abusador, em quem irão acreditar? Será que ele vai ser preso? Nesse caso, como a família vai ficar? 

As ameaças comumente feitas pelos agressores também agem para manter o abuso em segredo. Alguns instigam na criança medos que já são esperados, como de que não irão acreditar nela, de que os pais vão ficar bravos e ela vai apanhar, de que a família vai passar necessidade, se ele for preso, ou de que a criança vai ter que sair de casa ou ir para um abrigo. Outros, são mais claramente violentos, prometendo que vão matar a criança ou pessoas próximas à ela. Por isso, é preciso que a vítima se sinta muito amparada e protegida pela família para que consiga superar o medo e buscar ajuda.

Para além das várias dificuldades que uma criança encontra antes de decidir revelar sobre o abuso sexual, são comuns os casos de vítimas que tentam buscar auxílio e não são compreendidas. No contato com as vítimas, no contexto da denúncia, é comum ouvirmos que já haviam tentado comunicar o problema antes, sem que nada tenha sido feito.

Possivelmente por isso, é frequente que relatos de abuso surjam no contexto escolar, muitas vezes motivados por alguma oportunidade propícia ou conteúdo correlato trabalhado em aula.

Considerando todo esse contexto, é fundamental dar às crianças elementos para que identifiquem o quanto antes situações sexualmente abusivas, além de condições para que consigam buscar ajuda. Ao mesmo tempo, tanto os pais, como os responsáveis e também os educadores devem compreender a dinâmica da violência sexual, saber identificar riscos e agir de forma adequada diante de situações suspeitas.

Juliana Borges Naves