Em todo o mundo, os estudos sobre abuso sexual de crianças e adolescentes são quase unânimes em apontar que o número de meninas vítimas é bastante maior do que o de meninos. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019, 71,8% de todas as notificações de violência sexual no Brasil nos anos de 2017 e 2018 compreendem crianças e adolescentes do sexo feminino na faixa etária entre 0 e 17 anos.

Essas estatísticas não devem levar à negligência por parte daqueles que apenas têm “filhos homens”, pois, o mesmo levantamento indicou que o auge da vitimização em meninos é mais precoce do que ocorre com meninas: neles, por volta de 7 anos; enquanto para elas, o índice de estupros é mais frequente aos 13 anos. Além disso, por questões culturais, no caso de crianças e adolescentes do sexo masculino, os crimes dessa ordem são ainda menos registrados do que já acontece com meninas e mulheres.

A subnotificação dos crimes de estupro contra meninos tem diversas causas. Sabe-se que esse tipo de ocorrência é cercado de preconceitos que recaem sobre as vítimas e que os deixam mais constrangidos em revelar o problema. Isso se dá, em primeiro lugar, porque é socialmente esperado que os meninos se comportem como conquistadores e como aqueles que iniciam um ato sexual. Nos casos de violência contra eles, quando são subjugados e forçados ao contato íntimo, é como se ocorresse uma inversão dessa expectativa. Em resposta, muitas vezes os garotos sofrem críticas e piadas sobre sua sexualidade, algo bastante delicado quando se considera a cultura homofóbica em que estamos inseridos. Diante desses conflitos, muitos deles optam por não denunciar a situação.  

Um outro fator que implica na subnotificação da violência sexual contra meninos e rapazes deve-se ao fato de que, nesses casos, o estupro muitas vezes é socialmente interpretado com uma forma de iniciação sexual. Como são culturalmente estimulados ao exercício da sexualidade desde muito novos, crianças e adolescentes do sexo masculino podem não atentar para o caráter nocivo das aproximações inadequadas de terceiros ou até mesmo alegar que aqueles atos foram consensuais.

Não se enganem: apesar dos tabus que cercam a violência sexual contra meninos, eles também sofrem bastante com o problema. São comuns os sentimentos de vergonha, dor e tristeza que as vítimas expressam, e há efeitos que podem impactar suas vidas durante um longo tempo, de modo similar ao que sabemos que acontece com meninas. 

Liliane Domingos Martins