11 de novembro de 2021Comments are off for this post.

O Abuso Sexual em Meninos

Em todo o mundo, os estudos sobre abuso sexual de crianças e adolescentes são quase unânimes em apontar que o número de meninas vítimas é bastante maior do que o de meninos. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019, 71,8% de todas as notificações de violência sexual no Brasil nos anos de 2017 e 2018 compreendem crianças e adolescentes do sexo feminino na faixa etária entre 0 e 17 anos.

Essas estatísticas não devem levar à negligência por parte daqueles que apenas têm “filhos homens”, pois, o mesmo levantamento indicou que o auge da vitimização em meninos é mais precoce do que ocorre com meninas: neles, por volta de 7 anos; enquanto para elas, o índice de estupros é mais frequente aos 13 anos. Além disso, por questões culturais, no caso de crianças e adolescentes do sexo masculino, os crimes dessa ordem são ainda menos registrados do que já acontece com meninas e mulheres.

A subnotificação dos crimes de estupro contra meninos tem diversas causas. Sabe-se que esse tipo de ocorrência é cercado de preconceitos que recaem sobre as vítimas e que os deixam mais constrangidos em revelar o problema. Isso se dá, em primeiro lugar, porque é socialmente esperado que os meninos se comportem como conquistadores e como aqueles que iniciam um ato sexual. Nos casos de violência contra eles, quando são subjugados e forçados ao contato íntimo, é como se ocorresse uma inversão dessa expectativa. Em resposta, muitas vezes os garotos sofrem críticas e piadas sobre sua sexualidade, algo bastante delicado quando se considera a cultura homofóbica em que estamos inseridos. Diante desses conflitos, muitos deles optam por não denunciar a situação.  

Um outro fator que implica na subnotificação da violência sexual contra meninos e rapazes deve-se ao fato de que, nesses casos, o estupro muitas vezes é socialmente interpretado com uma forma de iniciação sexual. Como são culturalmente estimulados ao exercício da sexualidade desde muito novos, crianças e adolescentes do sexo masculino podem não atentar para o caráter nocivo das aproximações inadequadas de terceiros ou até mesmo alegar que aqueles atos foram consensuais.

Não se enganem: apesar dos tabus que cercam a violência sexual contra meninos, eles também sofrem bastante com o problema. São comuns os sentimentos de vergonha, dor e tristeza que as vítimas expressam, e há efeitos que podem impactar suas vidas durante um longo tempo, de modo similar ao que sabemos que acontece com meninas. 

Liliane Domingos Martins

14 de julho de 2021Comments are off for this post.

Os dois pontos fundamentais da prevenção ao abuso sexual de crianças

Como já falamos aqui por várias vezes, o abuso sexual de crianças é uma realidade extremamente frequente em nossa sociedade. Os dados oficiais do governo, ainda que subnotificados, apontam para um número alarmante de meninas e meninos com idades inferiores a 14 anos vitimados. 

Diante desse quadro, ressaltamos que o conhecimento é o que propicia a adoção de posturas protetivas contra a violência sexual infantojuvenil. Existem dois pontos fundamentais nos quais se baseia o viés preventivo: a educação sexual da criança e o estabelecimento de vínculos de confiança. 

Mas o que isso quer dizer?

Isso quer dizer que é importante que crianças e adolescentes recebam educação sexual desde cedo, de forma adequada e em linguagem apropriada para sua faixa etária. Educação em sexualidade não é falar sobre sexo, mas sim falar sobre o corpo, sobre autocuidado e autoproteção. Quando são ensinados temas como consentimento, desenvolvimento e integridade corporal, a diferença entre toques agradáveis/permitidos e os toques desagradáveis/invasivos, as crianças e adolescentes se tornam menos vulneráveis a violações sexuais. 

Isso significa que tratar a sexualidade como tabu ou como assunto que não pode ser conversado dificulta a proteção dos mais jovens. Quando a criança não conhece o próprio corpo e não se apropria dele, apresenta maior dificuldade em reconhecer uma aproximação abusiva e impor limite. Quando ela conhece seu próprio corpo, tem mais chance de perceber quando sua privacidade está sendo violada e, a partir daí, buscar ajuda, relatar seu incômodo a um adulto de confiança, ou até mesmo reagir àquela situação. 

O segundo ponto fundamental da prevenção ao abuso sexual refere-se ao estabelecimento de vínculos de confiança. Isso aponta para a importância da construção de uma relação de amparo e liberdade entre a criança e o adulto de referência (que pode ser a mãe, o pai, algum familiar ou outra figura protetiva). Trata-se de um relacionamento em que a criança se sente segura para dizer abertamente o que está lhe incomodando, inclusive sobre temas da sexualidade, sabendo que aquele conteúdo será escutado e não castigado ou reprimido. 

Nesse tipo de ligação, o adulto tem a possibilidade de acompanhar o desenvolvimento da criança, podendo identificar, por exemplo, quando ela está vivendo um momento de angústia e sofrimento. A partir daí, é possível estabelecer um diálogo que lhe permita falar, relatar o que está acontecendo. Cabe ao adulto aprender a escutar a criança sem repreendê-la ou humilhá-la, mas entendendo que aquilo que ela expressa é algo relevante para ela. 

É importante lembrar que, com relativa frequência, abusos sexuais acontecem de forma gradativa, em um crescente de avanços sexuais. Quando a criança tem uma figura de referência a quem ela consegue dividir os acontecimentos do dia a dia e suas dificuldades, em uma situação de uma aproximação inadequada, ela poderá compartilhar seu incômodo mais precocemente, possibilitando que sejam tomadas as providências que irão afastar um provável abusador. Quando a criança não tem um adulto de sua confiança a quem recorrer, ela se torna mais vulnerável a aproximações abusivas.

Por fim, temos que entender que a chave para a proteção das crianças e adolescentes contra as violações sexuais está nas mãos dos adultos. As melhores estratégias preventivas encontram-se na educação sexual que será oferecida à criança e na construção de uma relação de confiança. A via da proteção não é fácil, nem rápida, mas é fundamental. Ela requer conhecimento e sensibilidade. Ela exige tempo e paciência. Ela demanda constância e amor. 

Silvia Pereira Guimarães

23 de junho de 2021Comments are off for this post.

Comportamentos sexuais “normais” e “anormais” em crianças

Ao longo do desenvolvimento, crianças e adolescentes apresentarão comportamentos que expressam sua sexualidade ainda em desenvolvimento. Tratam-se de expressões de uma sexualidade infantil, bastante diferente daquelas observadas em adultos, e que estão relacionadas às descobertas referentes ao corpo (próprio e dos demais) e às sensações corporais de uma forma geral. 

Nesse sentido, a compreensão sobre o que é esperado em cada etapa do desenvolvimento infantil e quais são os comportamentos sexuais típicos, ou seja, considerados “normais” ou comuns à maioria das crianças, auxilia a pais e filhos lidarem com esse aspecto da vida de uma forma mais natural e tranquila. Além disso, tal conhecimento é fundamental para a identificação de condutas sexuais que fogem do esperado para aquela faixa etária e podem ser indicativos de algum tipo de abuso sexual. 

São exemplos de comportamentos sexuais típicos entre 0 e 4 anos de idade: auto-exploração; auto-estimulação; tocar os genitais; linguagem infantil para falar das partes do corpo; ter curiosidade em relação ao corpo de outras pessoas; exibir os genitais; interesse em atividades no banheiro; brincadeiras de faz-de-conta (“papai e mamãe”, “médico”) etc. Por outro lado, são comportamentos considerados atípicos e que devem chamar a atenção dos pais: usar linguagem sexualmente explícita; forçar o contato sexual com outras crianças; mostrar conhecimento sexual semelhante ao de um adulto; esfregar-se sexualmente em outras pessoas; tocar os genitais de maneira compulsiva, dentre outros. 

Já na faixa etária que vai de 5 a 12 anos de idade, são considerados comportamentos sexuais típicos: aumento das interações experimentais consensuais com outras crianças (no sentido de perceber diferenças e exercitar curiosidade); masturbar-se em particular (esporádico); beijo; toque; exibição; sentir-se enojada ou atraída pelo sexo oposto; fazer perguntas sobre menstruação, gravidez, comportamento sexual; falar mais sobre sexo; aumentar a linguagem sexual ou obscena; simular relações sexuais; relações sexuais digitais ou vaginais em pré-adolescentes, dentre outros. Entretanto, são considerados comportamentos sexuais atípicos nessas idades: masturbar-se em público ou de forma compulsiva; insistir em interações sexuais não consensuais com outras crianças; comportamento ou conhecimento sexual semelhante ao de um adulto; conhecer textura, sabor e cheiro de sêmen; relacionar-se com adultos e crianças de forma sexual, etc.   

Na faixa etária entre os 13 e 16 anos de idade, são exemplos de comportamentos sexuais típicos: fazer perguntas sobre relacionamento e comportamento sexual; usar linguagem sexual; masturbar-se em local privado; experimentação sexual e consensual com outros adolescentes de mesma idade; carícias; algumas vezes, relações sexuais consensuais etc. Todavia, são exemplos de comportamentos sexuais atípicos: masturbar-se em público; ter contato sexual com crianças bem mais novas; levar crianças bem mais novas para “lugares secretos” ou passar tempo incomum em sua companhia; mostrar material sexual para crianças mais novas; ver pornografia infantil na internet; expor os genitais para crianças mais novas; intimidar crianças a manter segredo, dentre outros. 

Condutas sexuais atípicas ou “anormais” em crianças e adolescentes devem sempre ser investigadas, uma vez que podem indicar que foram vítimas de um abuso sexual ou que estão abusando sexualmente de outras crianças. Sabemos que cada caso é um caso, mas, comportamentos sexuais que se mostram muito distantes daquilo que é esperado em determinada faixa etária e que tendem a ser persistentes são um importante sinal de alerta e devem ser foco de investigação.  

Silvia Pereira Guimarães

14 de abril de 2021Comments are off for this post.

Violência Institucional

Sempre falamos sobre a violência sexual, do quanto ela é frequente e de como pode ser traumática. Entretanto, existe outro tipo de violência à qual as vítimas de abuso estão sujeitas: a violência institucional. 

Violência institucional, também conhecida por revitimização ou vitimização secundária, compreende o sofrimento imposto à vítima a partir dos encaminhamentos e procedimentos relativos à formalização da denúncia. Acontece por meio de abordagens inapropriadas que partem de alguns profissionais que atendem o caso, seja no sistema de saúde, de proteção ou de justiça.

Antes de tudo, precisamos ter em mente o quanto é custoso para alguém que sofreu um abuso sexual tratar desse assunto. Em geral, esse tipo de violência provoca muita angústia, além de sentimentos de vergonha, culpa e medo, o que faz da própria revelação um passo difícil a ser tomado. 

Para darmos uma dimensão bem ínfima sobre o contexto que a vítima encontra, imagine que alguém desconhecido te peça para relatar algo de sua vida sexual, publicamente e com detalhes, principalmente se for um momento sexual desagradável ou constrangedor. Descrever onde estava, o que aconteceu, o que o outro fez, como você se sentiu, enquanto vai gravando ou anotando tudo o que você disser. Constrangedor? Suponha então, se tivesse que narrar uma situação de violência mesmo, de alguém que te tocou de uma forma invasiva ou violou seu corpo.

É fundamental que os profissionais que atendem vítimas de violência sexual tenham formação adequada e específica sobre esse assunto. Como se trata de um problema a ser trabalhado em rede, seja no âmbito da proteção da vítima, seja na via da responsabilização do agressor, cada qual deve estar ciente do seu papel dentro do sistema e executá-lo de maneira eficiente e acolhedora. Para isso, tanto profissionais da rede de saúde, como enfermeiros e médicos, quanto profissionais da rede de atenção e proteção, sejam conselheiros tutelares ou profissionais das equipes multidisciplinares de órgãos como CREAS e CRAS, devem buscar conhecimento científico sobre o fenômeno do abuso sexual. Importante também é a adequada formação dos educadores, a quem muitas crianças e adolescentes oferecem os primeiros relatos sobre a violência que sofreram.

Para evitar a revitimização, é preciso que cada profissional compreenda as possibilidade e limites de sua atuação, abordando as possíveis vítimas com práticas adequadas, respeitosas e efetivas. 

Cabe ressaltar que a violência institucional pode ser mais nociva e traumática que a própria violência sexual. No que se refere ao problema do abuso, muitos dos atos de revitimização partem de abordagem inadequadas e enviesadas pelos preconceitos dos profissionais que atendem as vítimas. Nesse sentido, faz-se imprescindível distinguir as próprias opiniões, bem como o que circula no senso comum, do conhecimento real e científico necessário na atuação junto aos casos concretos de abuso. 

Juliana Borges Naves