Sempre que pensamos na proteção de crianças e adolescentes contra o abuso sexual, uma das principais estratégias envolve lhes deixar mais preparados para lidar com eventuais aproximações indevidas. Assim, programas de prevenção à violência usualmente se dedicam à elaboração dos melhores recursos para que os mais novos aprendam a se posicionar de forma eficiente contra o problema. Nessa direção, um sistema bastante interessante e didático de enfrentamento do abuso sexual é o que é chamado de 3 Rs, nos quais crianças e adolescentes são ensinados e avaliados quanto a suas capacidades para RECONHECER, REAGIR e RELATAR esse tipo de situação adversa.
As habilidades dos 3 Rs são desenvolvidas em sequência. A primeira delas, é a capacidade de RECONHECER, que reporta à compreensão que a criança ou adolescente tem acerca do que é o abuso sexual e das maneiras como ele acontece. Somos conscientes de que pode ser bem difícil para os adultos tratarem desse assunto, mas existem meios de educar seus filhos sobre isso sem sustos. Nessa etapa, deve-se ensinar, por exemplo, sobre as partes do corpo que são íntimas e privadas e que não podem ser tocadas por outras pessoas; ou sobre a forma como se dão o aliciamento e os abusos na internet. No Instagram e no blog do Instituto Alexis frequentemente damos dicas sobre os meios mais recomendados para abordar esses temas.
A capacidade de REAGIR abrange os comportamentos que crianças e adolescentes podem adotar de modo a esquivarem-se de ocasiões potencialmente abusivas. Aqui, eles devem ser ensinados, sobretudo, a saírem de perto de pessoas que lhes deixem desconfortáveis e a dizer “NÃO” se alguém tentar com eles qualquer tipo de contato inadequado. É claro que, nesse ponto, é importante ter em mente que a vitimização sexual comumente causa sensação de paralisia ou confusão, que pode dificultar que crianças e adolescentes ofereçam resistência aos agressores. Assim, exatamente porque a violência sexual é muito desorganizadora e impactante, as vítimas não devem ser exigidas ou responsabilizadas caso não consigam demonstrar oposição ao ato abusivo.
Por último, crianças e adolescentes devem ser orientados sobre os meios para RELATAR qualquer condição ruim a que sejam expostos, especialmente episódios de violência. Nesse sentido, eles devem ser estimulados a escolherem adultos em quem confiam para contar sobre os mais diversos acontecimentos de suas vidas e com os quais possam buscar aconselhamento quando estiverem com problemas, sejam quais forem. Caso a dificuldade em questão for referente a algum abuso sexual e aquele adulto não conseguir oferecer o auxílio necessário, as crianças e adolescentes devem saber que é importante procurarem por outras pessoas até que lhe garantam a devida proteção. Finalmente, é essencial que sejam informados sobre a rede de proteção e os órgãos em que podem oferecer denúncia por conta própria, caso se sintam desamparados. Aqui, também é necessário ter claro que a revelação de situações abusivas reflete um processo muito penoso e que é natural que muitas crianças e adolescentes tenham dificuldade em fazer isso, mesmo quando estimulados e acolhidos. Nesses casos, eles não devem ser culpabilizados pela demora em contar algo tão complicado, mas incentivados por finalmente terem tido coragem em fazê-lo.
O modelo dos 3Rs destaca-se como um recurso bastante útil para pensar e planejar uma intervenção preventiva contra abusos sexuais, auxiliando que crianças e adolescentes estejam mais atentos e prontos para se posicionarem contra o problema. Mesmo assim, é imprescindível reconhecer que crianças e adolescentes são pessoas com desenvolvimento incompleto e, portanto, em condições de vulnerabilidade. Isso significa que, ainda que sejam preparados para RECONHECER, REAGIR e RELATAR qualquer tipo de violência, eles não têm essa obrigação. Cabe à família, à sociedade e ao Estado o papel fundamental de proteção dos nossos pequenos.
Liliane Domingos Martins