É um equívoco considerar que o abuso sexual só ocorre em famílias com menor poder aquisitivo ou naquelas em que os conflitos são cotidianos. É claro que a pobreza pode sim representar um complicador para esse tipo de violência quando se pensa, por exemplo, que a estrutura física das casas muitas vezes não favorece a privacidade, com ambientes sem porta, ou com várias pessoas coabitando em um mesmo local. Do mesmo modo, familiares que brigam com frequência e se desrespeitam demonstram propensão a desconsiderar as necessidades de seus pares, tornando o contexto mais suscetível a atitudes indevidas uns contra os outros e, deste modo, mais suscetível a abusos.
Apesar dessas condições, sabe-se que a violência sexual contra crianças e adolescentes é comum mesmo em famílias que demonstram ser bastante organizadas e funcionais. O problema alcança mesmo aqueles grupos familiares que parecem acima de qualquer suspeita, que se mostram bem integrados à sociedade, que vão à igreja, são educados com todos, em que os pais são bem sucedidos e queridos na vizinhança, etc.
De forma geral, os casos de violência doméstica, incluindo o abuso sexual, costumam aumentar ante a crises sociais e econômicas. Isso foi confirmado pelas notícias desse ano de 2020, quando o problema aumentou em função da pandemia do corona vírus, com a necessidade de isolamento, instabilidade salarial e nos altos índices de desemprego. Além disso, fatores psicológicos, psiquiátricos, educação adultocêntrica e machista, além de certas dinâmicas das relações familiares também podem aumentar os riscos de violência sexual. Sobre esse conjunto de fatores, nenhuma família está necessariamente imune porque tem boas condições financeiras ou porque seus membros são sempre cordiais entre si.
É preciso estar alerta, portanto, para o fato de que o alcance desse tipo de crime muitas vezes se estende a contextos improváveis. Abusos sexuais podem ocorrer em qualquer lugar e, quando você está ciente sobre isso, dificilmente vai ser pego de surpresa, pois, se prepara melhor para identificar o problema e educa o seu filho para saber como perceber e reagir a qualquer situação desconfortável.
Liliane Domingos Martins