O abuso sexual é um tema complexo, que gera angústia e desconforto. Por isso, muitos profissionais se sentem inaptos para lidar com esse tema, acreditando que são incapazes de atender vítimas de violência sexual. Entretanto, se você é um profissional da área de saúde, muito possivelmente já recebeu em seu consultório algumas delas.

 Infelizmente, a violência sexual é muito presente em nossa sociedade e é bem improvável que esse problema não tenha batido à sua porta. Então, se você acha que nunca atendeu uma vítima de abuso, provavelmente é porque não soube identificar os sinais que seu paciente trouxe.

Além disso, também pode ter acontecido de um paciente chegar diretamente com essa queixa, sendo que você explicou não ser sua área e encaminhou a caso.

Sabemos que há profissionais dedicados a pesquisar profundamente o tema do abuso sexual, especialmente quando trabalham constantemente com vítimas ou agressores. De todo modo, ainda que não seja esse o seu caso, se você recebe pessoas em tratamento, principalmente se lida com público infantil, você precisa adquirir algumas informações sobre esse assunto, para que possa conduzir adequadamente os tratamentos e melhor orientar pacientes e familiares.

Alguns profissionais se apavoram quando recebem casos de abuso e se apressam em pesquisar para onde devem encaminhar aquele paciente. Sobre isso, é preciso que você tenha clareza do seu papel diante da situação e sobre as condutas que lhe cabem ou não. Explico:

Vejamos o seguinte contexto: um psicólogo que atende crianças e recebe um paciente vindo por suspeita de abuso. Será que ele deve encaminhar essa criança para um terapeuta especialista em violência sexual? Não necessariamente.

Claro que o psicólogo pode ter ressalvas pessoais com relação ao tema e melhor faria em repassar o caso para alguém que se sinta mais confortável em tratar a criança. Do contrário, tal profissional pode receber esse paciente lidando com o sofrimento e as consequências da vitimização como resultado de um conflito como qualquer outro. Nesse sentido, a mesma técnica psicoterapêutica empregada para atender aos outros casos pode ser usada com as vítimas de abuso.

Por outro lado, é preciso que esse psicólogo tenha conhecimento sobre o fenômeno da violência sexual, para que mantenha sua escuta clínica livre de crenças ou preconceitos do senso comum, que podem atrapalhar no acolhimento do paciente e na condução do tratamento. Saber sobre como se dá o processo de aliciamento e a síndrome do segredo e da adição, estar avisado da possibilidade de retratação, ter noções sobre sugestionabilidade e de como se estruturam as falsas memórias, por exemplo, possibilita o sucesso do processo psicoterapêutico e evita a revitimização.

Outro ponto importante para esse profissional é distinguir sua atuação como psicólogo clínico do papel de outros profissionais que podem vir a atender a criança, como psicólogos ligados à assistência social ou à área da justiça. Isso é fundamental tanto para evitar mal entendidos, quanto para lidar de maneira genuína e adequada com as expectativas de pais e familiares da criança. A sobreposição de atribuições é extremamente danosa ao acompanhamento adequado da vítima e pode, inclusive, ser prejudicial ao esclarecimento da denúncia e à responsabilização do possível agressor.

Juliana Borges Naves