O Atlas da Violência 2021 foi lançado recentemente, no final de agosto deste ano. O documento, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, reúne dados nacionais que retratam como se deram as situações de violência em grupos diversos de nosso país durante 2019. Isso é essencial para conhecermos as realidades inerentes à nossa população, e ainda, para a elaboração de políticas públicas dedicadas a minorar os problemas identificados.
Em um recorte particular dessa pesquisa temos um relevante ponto de discussão que remete aos abusos cometidos contra pessoas com necessidades especiais. Notou-se que, por exemplo, os casos de violência física ou psicológica mais genéricos são mais frequentes contra a população adulta ou idosa desse grupo. Em contraponto, quando o enfoque envolve a violência sexual, chama a atenção que as principais faixas etárias atingidas destacam crianças, adolescentes e jovens. Os dados dão conta de que 47% dos registros desses abusos são contra indivíduos com necessidades especiais na faixa etária entre 10 e 19 anos e 28% entre as crianças de 0 a 9 anos. Além disso, repetindo tendências de estudos similares, tem-se que meninas e mulheres são as principais vítimas, respondendo por 63,8% dos casos de violência sexual contra deficientes.
A suscetibilidade de pessoas com necessidades especiais a abusos se deve a dois fatores principais. Em primeiro lugar, apesar da ampla variabilidade das deficiências, é comum que apresentem maior dificuldade para perceber e compreender as situações de violência. Para algumas dessas vítimas, aquelas com limitações intelectuais, pode ser mais complicado assimilar as intenções e gestos das demais pessoas e, portanto, tende a ser improvável que identifiquem abordagens sexualmente indevidas. Nos casos de outras delas, dependem de auxílio de terceiros para atividades cotidianas e os abusos podem ser confundidos com ações de carinho ou de cuidado. Isso tudo é ainda mais problemático quando se acrescenta que a educação sexual usualmente é negligenciada para crianças e adolescentes com deficiências. Para esse grupo costuma haver um amplo receio de que tenham contato com a própria sexualidade ou que a exercitem de forma ativa, de modo que muitos cuidadores optam por omitir informações sobre esse campo da vida. Em consequência, é também comum que estejam mais expostas a riscos.
Um segundo elemento que pode influenciar para que crianças e adolescentes com necessidades especiais estejam mais suscetíveis a abusos pode envolver dificuldades de comunicação ou acesso em relação a órgãos oficiais devido às suas limitações físicas ou intelectuais. Em casos de comprometimentos sensoriais, por exemplo, pode haver menor capacidade para produzir relatos, oferecer detalhes ou para serem compreendidas quanto a situações abusivas; em casos de comprometimentos motores, é provável que a pessoa não consiga se deslocar para registrar uma violência intrafamiliar. Essas vulnerabilidades fazem com que crianças e adolescentes com necessidades especiais se tornem alvos mais fáceis para possíveis agressores e é um dos fatores que justifica os números apresentados pelo Atlas da Violência.
É preciso estar alerta a essas questões para garantir a segurança desse público contra a violência sexual. Existem programas especializados em educação sexual baseados na oferta de conteúdos de forma simplificada e objetiva, adaptados para facilitar o entendimento sobre temas diversos na área, incluindo os riscos de abuso. Também é preciso incentivar e ampliar os recursos de comunicação dessas crianças e adolescentes, para que encontrem meios para partilhar e serem compreendidos em suas vivências mais diversas. Finalmente, enfatizamos que incentivar a autonomia de crianças e adolescentes, com necessidades especiais ou não, é uma das principais maneiras de favorecer a proteção deles para a vida em sociedade.
Liliane Domingos Martins
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