13 de abril de 2022Comments are off for this post.

O Adulto de Confiança

Para qualquer um, é importante ter amigos leais. São esses parceiros que convidamos para dividir momentos alegres, com quem contamos para desabafar e para nos apoiar em momentos difíceis da vida. Com as crianças e adolescentes, isso também é verdade. Elas precisam de colegas disponíveis para as brincadeiras e descobertas cotidianas. Mais do que isso, elas precisam de adultos de confiança, que as orientem e auxiliem ante a qualquer problema da vida.

O adulto de confiança é aquele que se dispõe a ouvir a criança sobre tudo aquilo que lhe acontece. O laço de credibilidade entre os dois se forma exatamente quando há interesse genuíno por parte da pessoa mais velha em saber o que acontece na vida do mais novo, sejam coisas boas ou ruins. Nesses casos, as conversas tornam-se um hábito e o adulto procura legitimar as vivências do pequeno com quem interage: não vai rir ou debochar do sentimento exposto, como se fosse mera “coisa de criança”. O adulto de confiança entende que são as experiências da vida que trazem aprendizado e, assim, reconhece que a realidade das crianças e adolescentes ainda está em construção. Ele respeita esse processo, explicando sobre o mundo e sobre as emoções que aparecem no dia-a-dia dos infantes. É essa atitude que faz com que crianças e adolescentes se sintam amparados e que voltem para falar de cada contratempo que lhes alcançar.

O adulto de confiança pode ser o pai, a mãe, um professor querido, um dos avós, uma tia… Que bom seria se cada criança tivesse muitas pessoas com quem falar daquilo que mais lhe importa. Com o que foi dito, fica fácil perceber que a ideia aqui é de que ela saiba exatamente aquele com quem se sentiria mais confortável para revelar, por exemplo, um episódio de abuso sexual. Contar sobre esse tipo de violência é complicado e é algo que muitas vítimas tendem a adiar por não saberem quem vai realmente ajudar. Ter um adulto de confiança elimina essa dúvida e essa angústia.   

Falamos na figura de um adulto porque é quem, pela maior maturidade, normalmente tem mais condições de avaliar a dimensão da adversidade enfrentada pela criança/adolescente e assumir as providências necessárias frente a tal questão. Em situações de abuso sexual, é mais provável que um adulto ofereça o devido acolhimento para a vítima, ajudando a resguardá-la de novos contatos com o agressor e a efetivar denúncia.

Fique atento! Crianças sem adultos de confiança são mais vulneráveis e tendem a crescer mais inseguras. Comece a criar esse vínculo com seu filho desde que ele é pequeno ou, se ele já se tornou adolescente, não é tarde para buscar maior aproximação. 

Liliane Domingos Martins

30 de março de 2022Comments are off for this post.

Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes com Necessidades Especiais

O Atlas da Violência 2021 foi lançado recentemente, no final de agosto deste ano. O documento, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, reúne dados nacionais que retratam como se deram as situações de violência em grupos diversos de nosso país durante 2019. Isso é essencial para conhecermos as realidades inerentes à nossa população, e ainda, para a elaboração de políticas públicas dedicadas a minorar os problemas identificados.

Em um recorte particular dessa pesquisa temos um relevante ponto de discussão que remete aos abusos cometidos contra pessoas com necessidades especiais. Notou-se que, por exemplo, os casos de violência física ou psicológica mais genéricos são mais frequentes contra a população adulta ou idosa desse grupo. Em contraponto, quando o enfoque envolve a violência sexual, chama a atenção que as principais faixas etárias atingidas destacam crianças, adolescentes e jovens. Os dados dão conta de que 47% dos registros desses abusos são contra indivíduos com necessidades especiais na faixa etária entre 10 e 19 anos e 28% entre as crianças de 0 a 9 anos. Além disso, repetindo tendências de estudos similares, tem-se que meninas e mulheres são as principais vítimas, respondendo por 63,8% dos casos de violência sexual contra deficientes.

A suscetibilidade de pessoas com necessidades especiais a abusos se deve a dois fatores principais. Em primeiro lugar, apesar da ampla variabilidade das deficiências, é comum que apresentem maior dificuldade para perceber e compreender as situações de violência. Para algumas dessas vítimas, aquelas com limitações intelectuais, pode ser mais complicado assimilar as intenções e gestos das demais pessoas e, portanto, tende a ser improvável que identifiquem abordagens sexualmente indevidas. Nos casos de outras delas, dependem de auxílio de terceiros para atividades cotidianas e os abusos podem ser confundidos com ações de carinho ou de cuidado. Isso tudo é ainda mais problemático quando se acrescenta que a educação sexual usualmente é negligenciada para crianças e adolescentes com deficiências. Para esse grupo costuma haver um amplo receio de que tenham contato com a própria sexualidade ou que a exercitem de forma ativa, de modo que muitos cuidadores optam por omitir informações sobre esse campo da vida. Em consequência, é também comum que estejam mais expostas a riscos. 

Um segundo elemento que pode influenciar para que crianças e adolescentes com necessidades especiais estejam mais suscetíveis a abusos pode envolver dificuldades de comunicação ou acesso em relação a órgãos oficiais devido às suas limitações físicas ou intelectuais. Em casos de comprometimentos sensoriais, por exemplo, pode haver menor capacidade para produzir relatos, oferecer detalhes ou para serem compreendidas quanto a situações abusivas; em casos de comprometimentos motores, é provável que a pessoa não consiga se deslocar para registrar uma violência intrafamiliar. Essas vulnerabilidades fazem com que crianças e adolescentes com necessidades especiais se tornem alvos mais fáceis para possíveis agressores e é um dos fatores que justifica os números apresentados pelo Atlas da Violência.

É preciso estar alerta a essas questões para garantir a segurança desse público contra a violência sexual. Existem programas especializados em educação sexual baseados na oferta de conteúdos de forma simplificada e objetiva, adaptados para facilitar o entendimento sobre temas diversos na área, incluindo os riscos de abuso. Também é preciso incentivar e ampliar os recursos de comunicação dessas crianças e adolescentes, para que encontrem meios para partilhar e serem compreendidos em suas vivências mais diversas. Finalmente, enfatizamos que incentivar a autonomia de crianças e adolescentes, com necessidades especiais ou não, é uma das principais maneiras de favorecer a proteção deles para a vida em sociedade.

Liliane Domingos Martins

2 de março de 2022Comments are off for this post.

A Rede de Proteção de Crianças e Adolescentes

O abuso sexual de crianças e adolescentes é um fenômeno complexo. Por exemplo, os sinais e sintomas se dão de forma variada e individualizada, o que significa que não se conclui que a violência ocorreu apenas pela análise da expressão sintomatológica de alguém. Outro exemplo se dá com a compreensão de que os agressores sexuais não têm um perfil específico, ou seja, não são tão facilmente identificados como muita gente pensa. Essas ilustrações demonstram que não há fórmulas prontas para se falar desse tipo de problema e, portanto, abordagens multidisciplinares são essenciais. É assim que começamos a entender sobre a importância do trabalho e das intervenções em rede.

A rede de proteção à criança e ao adolescente corresponde ao conjunto de órgãos governamentais e não-governamentais que atuam de forma integrada para garantir as melhores condições de atendimento e suporte para esse público. Ela contempla entidades de saúde, assistência social, educação, segurança pública e justiça, além de convocar à participação da sociedade civil, por meio das famílias, igrejas, centros comunitários, etc. A ideia é de que, dada a complexidade das situações de negligência e violência, classes profissionais ou serviços isolados são limitados para o adequado amparo que as vítimas necessitam, especialmente aquelas de desenvolvimento incompleto, consideradas vulneráveis. Assim, é necessária a articulação entre esses diversos atores para garantir todos os cuidados exigidos por uma criança ou adolescente vitimizado.

Isso significa que cada criança ou adolescente em nossa sociedade é sempre objeto de atenção por parte de inúmeros grupos profissionais, isso com objetivo de resguardar suas melhores condições de desenvolvimento, reconhecendo-os enquanto indivíduos e buscando mecanismos para mantê-los a salvo de todo desrespeito. Na prática, frente a uma denúncia de abuso sexual revelada na escola para um professor, por exemplo, diversos outros profissionais são acionados, como o diretor da instituição de ensino, um conselheiro tutelar para receber e encaminhar a denúncia, o delegado para investigar, o médico para avaliar as condições físicas daquela vítima e propor tratamento, o psicólogo para avaliar e lidar com as condições mentais da criança, etc. 

O Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) é o nome oficial da rede de proteção brasileira. Surgido em 2006 a partir da Resolução 113 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), esse sistema sustenta que os diversos atores que o compõem devem adotar práticas integrativas segundo três eixos específicos: o de defesa, o de promoção de direitos e o de controle social. 

O primeiro deles, o eixo de defesa, é voltado à viabilização do acesso à Justiça e à  adequada responsabilização de ofensores em situações de violação de direitos. Dedica-se, portanto, a exigir a aplicabilidade das leis e envolve órgãos como o conselho tutelar, as polícias militar e civil, as varas de infância, entre outras entidades. 

O eixo de promoção de direitos responsabiliza-se pela implementação de programas, políticas e serviços que assegurem os direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Seu foco, portanto, direciona-se a ações com vistas a garantir que crianças e adolescentes de determinada comunidade tenham amplo acesso à educação, saúde, segurança, lazer, etc. Seus atores envolvem as creches e escolas, postos de saúde, centros esportivos, CRAS e CREAS, entre outros.

O eixo de controle social prevê a avaliação, o acompanhamento e a fiscalização das estratégias anteriormente citadas. Abrange atividades com objetivo de verificar as condições de funcionamento das entidades destinadas à proteção integral de crianças e adolescentes, a formulação de resoluções, normas técnicas ou diretrizes para esses serviços e o monitoramento quanto à qualidade dos trabalhos que oferecem. Para tal, os conselhos de direitos assumem papel central. 

De modo geral, o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente fortalece os diversos órgãos de sua rede, o que significa melhorias relevantes na sociedade acerca de ameaças e violações contra nossos pequenos. É importante conhecer como os serviços funcionam em sua cidade, para indicá-los aos membros de sua comunidade que necessitam de apoio e para cobrar qualquer tipo de omissão pública. Fique atento!

Liliane Domingos Martins

9 de fevereiro de 2022Comments are off for this post.

Os impactos da subnotificação da violência sexual

Atualmente, estima-se que apenas 10% dos casos de violência sexual no Brasil são notificados, ou seja, passaram por algum tipo de registro ou denúncia em órgãos de polícia e/ou proteção. Isso significa que a maioria das situações que envolvem uma violência de natureza sexual fica restrita à própria vítima e, quando muito, a um problema a ser resolvido em contexto familiar. São comuns as soluções caseiras, onde busca-se afastar a vítima do agressor e dar suporte à vítima exclusivamente dentro do ambiente privado.

O baixo índice de denúncias sobre a violência sexual produz um grave efeito colateral: é como se a maior parte dessa realidade não existisse. Com dados oficiais incompletos e que não correspondem à realidade, temos acesso apenas à ponta do iceberg, e não conseguimos enxergar de fato seu tamanho real.

A subnotificação dos casos tem um impacto significativo no direcionamento que será dado às diversas políticas públicas relacionadas à violência, sejam elas voltadas para a prevenção ou para o combate a esse tipo de crime. O planejamento das ações governamentais se dá conforme dados e estatísticas oficiais e, sem essas informações ou com informações imprecisas, é como se as políticas fossem formuladas às cegas, comprometendo significativamente sua efetividade. 

A subnotificação da violência sexual faz com que esse problema social pareça menor do que ele realmente é e, consequentemente, que o investimento público nessa área seja igualmente reduzido. Assim, planos de prevenção à violência (nas escolas e comunidade), investimentos nos órgãos (estruturação, capacitação etc.) que atuam na responsabilização dos agressores, investimentos em políticas socioassistenciais de acompanhamento das famílias e de cuidados (médicos, psicológicos, jurídicos etc.) das vítimas, investimentos na estruturação de canais de informação e denúncia, ações de articulação dos diversos órgãos da rede de proteção, dentre outras ações, sofrem grande impacto em razão da subnotificação. 

Frente a isso, vale ressaltar a importância do acesso facilitado aos canais de denúncia de casos de violência. Diante de um crime de tamanho impacto pessoal e social, a facilidade em denunciar pode determinar a continuidade ou não da violência. Além disso, pode ser a diferença entre a vítima receber o adequado tratamento e a reparação dos danos causados pela violência ou não. Ademais, essa facilidade contribui para a construção de uma base de dados um pouco mais próxima da realidade e, consequentemente, ao planejamento de ações mais condizentes com o problema. 

Atualmente, a falta de dados e a imprecisão das informações reflete a pouca importância que se dá ao combate à violência sexual no Brasil e, ao mesmo tempo, contribui para a perpetuação dessa realidade. Trata-se de um ciclo difícil de ser rompido e que exige diálogo e mobilização coletiva para o seu enfrentamento. 

Silvia Pereira Guimarães

5 de janeiro de 2022Comments are off for this post.

O Carinho da Vítima pelo Agressor

Muita gente acha estranho que uma vítima de violência sexual possa ter bom vínculo com seu agressor. Há uma expectativa social de que uma pessoa submetida a abuso reaja com raiva, revolta, rejeição, medo ou qualquer outra emoção que explicite uma convivência problemática entre eles. Se isso não acontece, quase sempre a situação acaba desacreditada, mas a verdade é que mesmo nessas circunstâncias difíceis, é comum que exista uma relação positiva entre a criança e seu violador, sendo que as razões para isso merecem ser discutidas.

Em primeiro lugar, vale lembrar que a maior parte dos registros de abuso ocorre dentro de casa, cometido por um familiar da vítima. Nesses casos, há laços afetivos transmitidos para a criança desde muito cedo e que tendem a ser naturalmente assimilados por ela. Além disso, aquele que abusa costuma ser responsável por uma série de cuidados em relação à vítima, mesclando atos de carinho e atenção com os episódios de violência. Isso significa que apesar de todo o impacto emocional dos abusos, eles tendem a figurar como acontecimentos específicos em meio a outros muitos gestos afetivos do agressor. Ou seja, enquanto ele não abusa, ele brinca, faz a criança rir, cuida quando ela está doente, cobra as lições de casa, exige que coma frutas e verduras, etc. Com essas condições, a vítima pode até ter alguma confusão sobre como se sente em relação ao seu parente abusivo, mas, na maior parte do tempo, está tudo bem entre eles. 

Em segundo lugar, é usual que os agressores seduzam crianças e adolescentes com ganhos materiais ou emocionais que os colocam em uma posição de referência para suas vítimas. Essa é uma estratégia típica de abusadores, que criam uma “relação especial” com as crianças e jovens por meio de presentes, dinheiro, elogios e atenção, por exemplo. A manipulação que fazem os ajuda a serem bem queridos pelas crianças e adolescentes, pois o agressor se esforça e investe tempo para sustentar uma falsa atmosfera de amizade com a vítima. Assim, é ilustrativo pensar no caso de uma criança diabética, que tem restrições alimentares severas, mas que encontra um tio brincalhão e que “quebra as regras” dos demais adultos, oferecendo-lhe doces e guloseimas escondidas. Esse pode ser um passo do abusador para aproximações físicas sucessivas e contatos cada vez mais íntimos com sua vítima, que, de outro modo, lhe resguarda apreço e gosta de sua presença.

  Em terceiro lugar, a criança pode ter uma ligação positiva com seu agressor pelo simples fato de entender o abuso como uma forma de carinho, similar ao que experiencia quando ganha um beijo, um abraço ou um cafuné. Sim, o toque nas partes íntimas de crianças, assim como ocorre com os adultos, elicia sensações que são prazerosas e que podem fazer com que queiram mais desse contato. Sabendo disso, muitos agressores são cautelosos para não provocar dor em suas vítimas e para fazer com que elas internalizem aquela interação como uma demonstração afetiva típica. Crianças dificilmente compreendem o caráter erótico da situação a que estão sendo expostas nesses casos e, na verdade, costumam acreditar que os adultos sabem muito bem o que estão fazendo, afinal, são eles quem lhes orientam sobre o mundo. Essas são circunstâncias em que a vítima é levada a confundir a experiência do prazer fisiológico com gestos de carinho, sendo que é bastante comum que os abusos sejam revelados porque as crianças, principalmente aquelas mais novas, eventualmente pedem para que um outro cuidador brinque com ela da mesma forma que seu agressor faz: com um beijo molhado na perereca, manipulando o pipiu, etc. Aqui, é importante destacar que, ainda que esse tipo de contato seja vivenciado como prazeroso para a criança, ele  é prejudicial e tem potencial traumático para ela.

Tais pontos demonstram sobre como o abuso sexual e seu caráter ofensivo pode ser de difícil compreensão para a criança ou adolescente que, portanto, nem sempre reage ao evento como boa parte das pessoas espera. A violência sexual ocorre mesmo em contextos em que parece estar tudo bem. É preciso estarmos alerta para isso!

Liliane Domingos Martins

1 de dezembro de 2021Comments are off for this post.

Sobre a alegação de sexo consensual

Quando se trata de violência sexual contra adolescentes, um dos mais recorrentes argumentos apresentado pelo agressor consiste em apontar que a atividade sexual ou libidinosa ocorreu com o consentimento do/da jovem. Diante disso, surge o questionamento: por que esse tipo de argumento ainda tem tanta força mesmo existindo uma legislação atual que aponta que praticar conjunção carnal ou qualquer tipo de ato libidinoso com menor de 14 anos é estupro de vulnerável? 

Para começo de conversa, é preciso dizer que um dos aspectos fundamentais que caracterizam o abuso sexual infantojuvenil refere-se à diferença de maturidade entre o agressor e a vítima, o que pressupõe uma diferença de poder. E é justamente na tentativa de minimizar essa diferença de maturidade que os argumentos construídos defendendo um suposto consentimento se assentam. 

No âmbito social, é comum escutarmos pessoas apontando que aquela adolescente era “muito madura para a idade dela”, destacando seu corpo de moça, sua aparência de mulher e até mesmo experiências sexuais prévias, que supostamente a colocariam como alguém que está no mesmo patamar que um adulto. 

O que precisa ser salientado em termos de desenvolvimento é que uma aparente maturidade sexual de um/uma adolescente não implica em uma maturidade psíquica. Ainda que o/a jovem tenha os caracteres sexuais desenvolvidos (até mesmo semelhantes aos de um adulto), em termos de escolhas e tomadas de decisão, aquele sujeito não tem condições de discernir de maneira crítica a conveniência e as consequências de seus atos. Trata-se de um sujeito em franco processo de desenvolvimento, portanto, em condição de vulnerabilidade e que deve ser protegido.  

Na puberdade, apesar da explosão hormonal, o/a adolescente não possui condição de pleno gerenciamento de sua sexualidade. Ao contrário, nessa faixa etária, os jovens ignoram as repercussões de seus comportamentos e ainda estão aprendendo a lidar com os “instintos sexuais” que afloram na adolescência. Essa combinação biológica, aliada às alterações psicológicas características desse período, somada ainda à pouca experiência, coloca o/a jovem numa condição de vulnerabilidade bastante evidente. 

É intrigante pensarmos que o desenvolvimento de determinados caracteres sexuais faz com que as pessoas enxerguem a criança/adolescente como mais ou menos responsável pelo ato libidinoso que ele/ela sofreu. Ao que parece, no imaginário social existe uma ideia de infância diretamente relacionada à “pureza”, “inocência”, "aparência angelical e assexuada”. Assim, se a vítima não carrega consigo esses pressupostos, se a puberdade fez com que seu corpo adquirisse algumas formas sexuais mais nítidas e despertou seus primeiros interesses sexuais, ela teria condições de responder plenamente pelos seus atos. 

Esse tipo de entendimento é absurdo e carregado de preconceitos e desconhecimento. A condição de vulnerabilidade e imaturidade de um/uma jovem permanece, ainda que tenha uma aparência física precoce e/ou que tenha tido experiência sexual anterior (no caso de ter tido, por exemplo, um “namorado” também adolescente, ou ainda, ter vivenciado um abuso sexual prévio). Em uma interação entre um adulto e um/uma adolescente, existe uma assimetria de poder onde se evidencia a possibilidade de manipulação de vontade por parte daquele que encontra-se em estágio de desenvolvimento mais avançado. Portanto, nesse tipo de interação, a responsabilidade é sempre do adulto e o/a adolescente não tem condições de consentir de forma integral a uma aproximação sexual. 

Por isso, a legislação existe para proteger crianças e adolescentes, independentemente de suas condutas. Guarda-se o entendimento de que são sujeitos de direito e em desenvolvimento, que podem se envolver em situações diversas que extrapolam suas reais condições de avaliação. 

Silvia Pereira Guimarães