O abuso sexual é um fenômeno silencioso e, na maioria das vezes, sem testemunhas. Além disso, comumente as crianças e adolescentes vítimas de um abuso demoram a relatar a violência que estão sofrendo. A confusão de sentimentos, a vergonha, a culpa, o medo e as ameaças contribuem para que o abuso seja mantido em segredo por muito tempo. 

Apesar disso, a violência sexual, muitas vezes, é um tipo de acontecimento que deixa pistas. A criança ou adolescente vítima pode “comunicar”, na maioria das vezes de forma indireta, que está vivendo uma situação de sofrimento. Isso acontece de diversas formas, sendo as alterações no padrão de comportamento ou de humor, uma delas. 

Para ilustrar como seriam essas alterações, há casos em que criança era comunicativa e desinibida, e se torna mais retraída e desconfiada; como também casos em que a criança tinha um bom desempenho escolar e apresenta uma queda brusca de aproveitamento, chora na escola sem motivo aparente e se torna pouco sociável com os coleguinhas; outro exemplo é a adolescente que se torna agressiva com os familiares, foge de casa com frequência, começa a usar drogas etc. 

Estes exemplos apontam que algo está acontecendo na vida da criança/adolescente, algo está lhe trazendo sofrimento. Não é possível deduzir que essa seja uma situação de abuso sexual, uma vez que não existem sintomas típicos e exclusivos desse tipo de violência. De todo modo, as alterações citadas sinalizam a existência de algum tipo de situação de estresse. 

Diante disso, uma orientação importante é focar no estabelecimento de uma relação de proximidade e confiança, para que a criança/adolescente se sinta segura para relatar o que está lhe causando sofrimento. O diálogo é a base para que o adulto esclareça aquilo que de fato está acontecendo. 

Lembre-se de evitar qualquer abordagem invasiva ou direta questionando um suposto abuso sexual. Perguntas como: “Tem alguém abusando de você?”, “Fulano está mexendo com você?” não devem ser feitas. Esse tipo de abordagem sugestiona a fala da criança, pode produzir relatos não autênticos, provocam sofrimento e constrangimento. Pressionar ou insistir para que a criança ou adolescente revele um suposto abuso sexual configura um tipo de violência psicológica que traz prejuízos e pode fazer com que ela se feche ainda mais. 

A melhor forma de falar com a criança/adolescente é dizer que tem observado mudanças de comportamentos e que você se preocupa com ela. Pergunte se há algo difícil lhe acontecendo, algo ruim, e mostre disposição para escutar o que será falado. Alguns exemplos de como perguntar para a criança são: “Tenho observado que você anda triste nos últimos tempos. Quer conversar um pouco sobre isso?”; “Tem algo ruim ou difícil acontecendo com você? Gostaria de falar sobre isso?”; “Se algo ruim estiver acontecendo com você, pode se abrir comigo, quero te ajudar”. Essas abordagens ilustrativas demonstram que você percebe que algo está acontecendo, sem induzir ou indicar alguma hipótese específica. 

É importante que o adulto demonstre carinho e cuidado, e coloque-se disponível para conversar. Além disso, se mostre como uma pessoa disposta a ouvir e ajudar, de modo que a própria criança/adolescente, no tempo dela e da forma que sentir confortável, poderá falar o que está lhe acontecendo. Esse relato pode envolver a existência de algum tipo de abuso sexual, como também pode ser sobre qualquer outra questão, dúvida ou conflito que esteja causando sofrimento ou preocupação. 

Muitas vezes o estabelecimento de uma relação de confiança e diálogo é suficiente para diminuir as dúvidas e afastar a hipótese de abuso sexual. Outras vezes, o incômodo pode permanecer e as perguntas continuarão sem respostas. Nesses casos, vale a pena procurar uma ajuda especializada. 

Silvia Pereira Guimarães