Uma preocupação recorrente quando nos deparamos com uma suspeita de violência sexual é quanto à possibilidade de se tratar de um engano. Sabemos que o estupro é um crime grave e acusar alguém injustamente pode ser terrível. 

Diante desse risco, quando uma criança narra uma interação aparentemente sexual com um adulto, muita gente minimiza a situação, argumentando que deve ter havido algum equívoco. Isso é especialmente complicado porque a maior parte dos assédios vem de parentes ou de amigos da família. Nesse contexto, frente ao relato da criança, é comum que muitas perguntas sujam, além de vários argumentos:

  • E se ela estiver mentindo? 
  • E se for uma fantasia da cabeça dela?
  • Não é possível que isso tenha acontecido, pois a criança vivia perto dessa pessoa, não tinha raiva nem nada…
  • Mas uma pessoa tão séria e trabalhadora, que eu conheço a vida inteira... não ia jamais fazer algo assim...
  • Se o abuso tivesse mesmo acontecido, alguém teria visto, eles nunca ficavam sozinhos…

Então, dentre a angústia em ter que lidar com o abuso e a dificuldade de imaginar que há um agressor dentro da família, o cuidado com a vítima pode ficar em segundo plano.

Nesse ponto, cabe esclarecer que, embora haja denúncias falsas, essa não é a situação mais comum. Mesmo que crianças tenham capacidade de mentir ou fantasiar, o habitual é que as histórias inventadas por elas tenham como repertório vivências corriqueiras da infância. Mentir que já tomou banho, que escovou os dentes, já terminou a tarefa de casa ou que foi o irmão quem rabiscou a parede é muito diferente de falar que algum adulto tocou em seus genitais. Relatos de cenas sexuais não são típicos na infância e devem sempre ser tomados como um sinal de alerta. 

Conforme a literatura especializada, de 1,5 a 6% das denúncias são inverídicas, ou seja , a grande maioria dos relatos são verdadeiros. O que vemos, na prática, é que é muito mais fácil uma criança mentir negando ou minimizando a violência sexual pela qual passou do que fazer uma falsa alegação de abuso.

É preciso que se saiba que a tarefa de responder se houve ou não houve violência sexual não é da família, nem da escola, nem da rede de apoio daquela criança. Para isso, existe toda uma estrutura de investigação e justiça, com profissionais capacitados.

Na dúvida, a denúncia é o único jeito de entender o que houve. Denunciar não é culpar ninguém. É sim dar a chance para que a situação seja esclarecida, o que é mais justo para ambos os lados.

Juliana Borges Naves