27 de julho de 2022Comments are off for this post.

A importância do boletim de ocorrência

No mundo inteiro, a violência sexual contra crianças e adolescentes é um crime subnotificado. Apesar dos dados sobre essas ocorrências assustarem, estima-se que representem apenas cerca de 10% do total de casos. Isso se dá, em partes, porque é bastante difícil para as vítimas terem coragem de falar sobre episódios abusivos que sofreram, de modo que a revelação muitas vezes não ocorre. Além disso, é frequente que as famílias optem por não registrar a denúncia quando o crime vem à tona, o que representa um importante problema.

Ao saberem que uma criança foi molestada, é comum que pais e mães decidam que não vão realizar um boletim de ocorrência por razões diversas. A ideia quase sempre é de evitar o desgaste do filho e de pessoas próximas com todos os trâmites do processo de investigação e com a necessidade constante de relembrar a violência nesse percurso. Nessas circunstâncias, acreditam que o sofrimento será menor se forem poupados da participação em depoimentos, oitivas e audiências, e que a criança pode até esquecer a experiência abusiva com algum tempo. Acreditam ainda que, com maior vigilância, a criança está a salvo de novos abusos por parte do agressor. Um equívoco, já que não é possível manter os filhos sob o olhar durante todo o tempo e porque o ofensor continua representando ameaça para aquela e outras crianças.

Em verdade, o silenciamento sobre a violência sexual é um desafio que precisa ser superado e a efetivação de denúncias é essencial para o levantamento do número de casos, das regiões em que mais acontecem, do perfil das crianças e adolescentes que sofrem com o problema, etc. São essas informações que permitem que os governantes ponderem sobre a maneira como os recursos serão destinados a cada comunidade e as ações mais interessantes para cada uma delas. 

Por exemplo, em regiões nas quais são mais elevados os índices de denúncia, é preciso que os profissionais de serviços de segurança e saúde estejam muito bem preparados para acolher as vítimas. Além disso, visando minimizar os riscos de novos abusos, pode-se pensar em programas de prevenção nas escolas, focando na faixa etária em que são maiores os números da violência. Finalmente, pode-se buscar entender sobre as razões porque as denúncias são maiores ali e replicar seu modelo para outras localidades, em que crianças e adolescentes molestados ainda mantêm a ocorrência em segredo.

Uma outra razão porque a denúncia é tão necessária envolve a ideia de responsabilização do agressor. A observância de que inúmeros casos de abuso acabam impunes faz com que muitos ofensores se sintam encorajados a iniciarem ou a manterem tais atos criminosos. Além disso, é comum que o mesmo abusador repita o crime quando percebe que a situação é deixada sem queixa.

Para as vítimas, por sua vez, a denúncia tende a desempenhar um duplo papel positivo. Em primeiro lugar, porque a notificação do caso costuma implicar em mais segurança para ela em relação àquele adulto que a violentou, de que não há mais razão para medo ou culpa, e de que estão sendo providenciados os mecanismos para a devida punição dele pelos atos contra ela. Em segundo lugar, a denúncia é importante para a vítima porque demonstra que acreditaram em sua palavra, que ela está cercada por outros adultos responsáveis e de confiança, que tomam providências quando a veem exposta a situações tão complicadas. 

Assim, diante da suspeita ou da comprovação de um episódio de abuso sexual contra a criança ou adolescente, recomenda-se o boletim de ocorrência. O registro do fato pode ser feito no Conselho Tutelar, delegacias, Ministério Público, Juizado da Infância e da Juventude ou mesmo por telefone, através do Disque 100.

Liliane Borges Domingos

26 de maio de 2021Comments are off for this post.

O medo da falsa denúncia

Uma preocupação recorrente quando nos deparamos com uma suspeita de violência sexual é quanto à possibilidade de se tratar de um engano. Sabemos que o estupro é um crime grave e acusar alguém injustamente pode ser terrível. 

Diante desse risco, quando uma criança narra uma interação aparentemente sexual com um adulto, muita gente minimiza a situação, argumentando que deve ter havido algum equívoco. Isso é especialmente complicado porque a maior parte dos assédios vem de parentes ou de amigos da família. Nesse contexto, frente ao relato da criança, é comum que muitas perguntas sujam, além de vários argumentos:

  • E se ela estiver mentindo? 
  • E se for uma fantasia da cabeça dela?
  • Não é possível que isso tenha acontecido, pois a criança vivia perto dessa pessoa, não tinha raiva nem nada…
  • Mas uma pessoa tão séria e trabalhadora, que eu conheço a vida inteira... não ia jamais fazer algo assim...
  • Se o abuso tivesse mesmo acontecido, alguém teria visto, eles nunca ficavam sozinhos…

Então, dentre a angústia em ter que lidar com o abuso e a dificuldade de imaginar que há um agressor dentro da família, o cuidado com a vítima pode ficar em segundo plano.

Nesse ponto, cabe esclarecer que, embora haja denúncias falsas, essa não é a situação mais comum. Mesmo que crianças tenham capacidade de mentir ou fantasiar, o habitual é que as histórias inventadas por elas tenham como repertório vivências corriqueiras da infância. Mentir que já tomou banho, que escovou os dentes, já terminou a tarefa de casa ou que foi o irmão quem rabiscou a parede é muito diferente de falar que algum adulto tocou em seus genitais. Relatos de cenas sexuais não são típicos na infância e devem sempre ser tomados como um sinal de alerta. 

Conforme a literatura especializada, de 1,5 a 6% das denúncias são inverídicas, ou seja , a grande maioria dos relatos são verdadeiros. O que vemos, na prática, é que é muito mais fácil uma criança mentir negando ou minimizando a violência sexual pela qual passou do que fazer uma falsa alegação de abuso.

É preciso que se saiba que a tarefa de responder se houve ou não houve violência sexual não é da família, nem da escola, nem da rede de apoio daquela criança. Para isso, existe toda uma estrutura de investigação e justiça, com profissionais capacitados.

Na dúvida, a denúncia é o único jeito de entender o que houve. Denunciar não é culpar ninguém. É sim dar a chance para que a situação seja esclarecida, o que é mais justo para ambos os lados.

Juliana Borges Naves