O beijo na boca entre pais e filhos é um tema que, de tempos em tempos, volta a ser palco de discussão. Independentemente da polêmica ou das questões morais que muitas vezes assumem o tom dessa questão, é importante estar atento aos aspectos psicológicos desse comportamento para a criança e dos riscos que ele traz. 

É comum que os pais, em suas expressões cotidianas de amor pelos filhos, nas demonstrações de carinho, deem beijos na boca da criança, que rapidamente são correspondidos por ela. A intenção, certamente, é de um comportamento amoroso e inocente, que expressa o vínculo existente entre eles. 

Contudo, é importante lembrar que, desde o momento do nascimento, somos seres em desenvolvimento. Assim, as noções de afeto e de sexualidade da criança são bastante distintas das do adulto e encontram-se em franco processo de amadurecimento. Aquilo que é percebido como carinho, como demonstração de afeto, como permitido ou não, vai sendo construído paulatinamente, a partir de suas primeiras relações.

Quando a criança aprende desde bebê a beijar os pais na boca, ela vai associando esse comportamento a algo bom, que se faz com pessoas que gosta. Desse modo, haverá uma forte tendência a reproduzir esse tipo de ação com outras pessoas que gosta: com os coleguinhas da escola, com a professora, com a babá, com outros adultos ao seu redor. 

Nesse sentido, a criança pode se tornar um alvo fácil para uma pessoa mal intencionada, que queira se aproveitar dessa conduta. Uma vez que o beijo na boca é algo natural para aquela criança, um abusador sexual buscará utilizar isso em benefício próprio, dessensibilizando a criança para atos cada vez mais erotizados. 

Por isso é tão importante que a criança aprenda desde muito cedo que há comportamentos que são de crianças e há comportamentos que são de adultos. Assim, fica claro que existem carinhos que são trocados apenas entre adultos. Beijo na boca é um comportamento de adulto, é algo que os adultos fazem quando se gostam, quando namoram etc. Já as crianças demonstram carinho abraçando, pegando na mão, dando beijos no rosto ou na bochecha.  

Eventualmente, esse tipo de regra pode parecer exagero, pois os pais têm certeza de que a criança está em um ambiente seguro, que está apenas “em família” e que “não tem maldade nenhuma” no beijo na boca que dão em seus filhos. 

Ainda assim, é preciso entender que a criança não tem esse limite claro, do que é seguro, na cabeça dela. Ao contrário, essas noções estão sendo construídas. Ainda que existam diferenças claras de significados entre um beijo na boca de um casal e um “selinho” de carinho, esses limites não estão bem estabelecidos nos anos iniciais da vida. Apenas em uma fase mais avançada de desenvolvimento a criança consegue ter uma compreensão global sobre isso.   

Um ponto que vale a pena lembrar é que a boca é uma zona erógena do corpo que provoca sensações de prazer. Então, sendo o beijo na boca um comportamento natural, com o tempo, algumas crianças podem passar a repetir esse gesto com várias outras pessoas, simplesmente porque é bom. 

Além disso, na nossa sociedade, o beijo na boca tem uma conotação sexual, pois é a forma como um casal que possui alguma ligação erótica demonstra o afeto. Aos poucos, na medida em que cresce, a criança vai percebendo o sentido que o beijo na boca tem para outras famílias ou grupos sociais. Esses limites entre o que tem conotação afetiva e o que tem conotação sexual pode se tornar uma fonte de confusão e angústia para ela. 

Silvia Pereira Guimarães