Diante de uma notícia de abuso sexual de criança ou adolescente, não é raro surgirem comentários que apontam a vítima como sendo a responsável por aquele episódio abusivo em razão de ter “seduzido” ou “provocado” o adulto. Nesse sentido, alguns pontos precisam ser esclarecidos sobre esse assunto. 

Crianças e adolescentes estão em plena vivência de um longo processo de desenvolvimento da sexualidade. Nesse percurso, experimentam prazer sensorial em seu corpo, incluindo na região genital. Este prazer sexual está vinculado às descobertas do corpo e a se sentir bem com ele. A faculdade de sentir prazer é parte integrante da sexualidade infantil, contudo, ainda não existe uma maturidade, nem física nem psicológica, que possibilite interações sexuais como fazem os adultos. Essa imaturidade impede que crianças e adolescentes sejam considerados capazes de tomar decisões embasadas e responsáveis no campo da sexualidade.  

A crença de que a vítima seduziu e provocou o abuso muitas vezes é construída a partir de projeções dos próprios pensamentos sexuais do adulto na criança, atribuindo a ela estes conteúdos. Em outros casos, podem se tratar de distorções cognitivas, que são crenças disfuncionais e desadaptadas que podem estar relacionadas à visão que o indivíduo tem sobre as outras pessoas, sobre si mesmo, sobre o mundo etc. Tais distorções estão na base de pensamentos como: “a criança que provocou”, “ela que me fez fazer isso”, “ela gostou do abuso”. 

É preciso deixar claro que a responsabilidade de qualquer abuso sexual é sempre do adulto, ainda que uma criança, pré-adolescente ou adolescente demonstre ou declare que deseja ter algum tipo de contato sexual com ele. Além disso, caso uma situação como essa aconteça, um sinal de alerta deve ser ligado, pois pode indicar a existência de um abuso prévio. Uma criança vitimizada sexualmente pode agir com outros adultos de forma sedutora. Nesses casos, as suas relações interpessoais podem estar perturbadas, bem como sua capacidade de expressar afeto de uma forma não sexual. 

Em nenhuma hipótese o comportamento supostamente sedutor torna crianças e adolescentes responsáveis pelo comportamento do adulto de satisfação dos próprios desejos sexuais. Muitas vezes, por trás daquele comportamento interpretado como “sexual”, existe uma necessidade de cuidado emocional somada à imaturidade psíquica típica da idade. Portanto, cabe ao adulto estabelecer os limites apropriados no relacionamento com os mais jovens.

Silvia Pereira Guimarães