Muito se fala da necessidade de haver justiça, quando uma criança ou um adolescente passa por um abuso sexual. Apesar dessa condição, pouco se fala da responsabilidade que cada um de nós temos para garantir isso. 

No contexto da violência sexual, uma das coisas mais importantes é o livre relato por parte da vítima, ou seja, que ela tenha a possibilidade de se expressar livremente ao contar o que lhe aconteceu e que esta fala seja respeitada e preservada, a ponto de servir como elemento probatório válido no contexto judicial.

Na maior parte das vezes, a fala da vítima é a única prova que se tem da violência, pois o abuso em geral ocorre sem testemunhas e não deixa indícios físicos, até mesmo em casos com penetração vaginal ou anal. Nesse sentido, o relato da criança ou do adolescente é um elemento imprescindível para a responsabilização do agressor.

Nesse sentido, a falta de cuidado com a preservação deste relato, seja no ambiente doméstico, seja durante os atendimentos posteriores à denúncia, pode ser extremamente danosa. Muitas vezes, perguntas equivocadas ou observações feitas pelos entrevistadores interferem tanto no discurso da vítima que o invalidam. 

Quanto menor a criança, mais sugestionável ela é, ou seja, mais sujeita a modificar suas impressões e descrições a partir do que entende que o outro espera ouvir. Isso significa que uma criança pode oferecer informações diferentes do que daria espontaneamente conforme o modo como é questionada, seja pela família, seja por algum profissional.

Vivemos em uma cultura adultocêntrica, na qual as crianças são ensinadas que não devem questionar os adultos, pois eles tudo sabem. Em razão disso, a depender do modo como os adultos agem, as crianças respondem, o que, no que tange ao relato do abuso, pode fazê-las oferecer respostas falsas, que imaginam esperadas pelo interlocutor.

Para evitar esse risco, é preciso deixar que a criança descreva conforme ela consegue o que lhe aconteceu, sem perguntas excessivas e sem ceder ao desespero ou à curiosidade sobre o que realmente aconteceu.

Uma dica simples é usar perguntas abertas, que são as questões que não comportam respostas “sim” ou “não”. Esse tipo de pergunta predispõe o oferecimento de relatos mais livres e detalhados sobre o que aconteceu. Um exemplo de pergunta aberta é: O que aconteceu? É possível observar que esse tipo de pergunta permite que a criança fale livremente, seguindo sua própria necessidade de expressão. 

Se precisar ouvir uma criança ou um adolescente, assuma uma postura acolhedora e mantenha a calma, tentando controlar a expressão de seus sentimentos. Os pronomes “o quê”, “quem”, “quando” e “como” podem ajudar. 

Se você for um professor ou um familiar, tenha em mente que o papel de investigar não cabe a você. Tente perguntar o mínimo para entender o que houve e encaminhe a situação. Caso haja suspeita de abuso, denuncie.

Juliana Borges Naves