13 de outubro de 2021Comments are off for this post.

Síndrome do Segredo – Por que a vítima demora tanto tempo para revelar o abuso sexual?

É comum uma vítima passar um longo tempo, até mesmo anos, escondendo que foi abusada sexualmente. Isso acontece especialmente quando o abuso sexual é praticado por uma pessoa da família, de modo que a violência se torna um segredo, algo a ser silenciado e escondido. Esse processo de ocultamento ou negação da violência sexual intrafamiliar é chamado de síndrome do segredo.

Quando uma violência sexual é praticada por um familiar (seja um pai, um padrasto, um avô, um irmão, primo, ou ainda uma mãe, uma tia etc.), a revelação do abuso coloca em jogo uma série de fatores, dentre eles, ameaça a harmonia existente dentro da família. 

A vítima, mesmo entendendo que aquilo é errado e querendo que os abusos parem, sabe que a revelação dessa violência poderá causar um “rebuliço” ou uma crise. Nos casos em que o agressor é o provedor da casa, essa situação fica ainda mais difícil, pois a vítima percebe-se dependente financeiramente.  

Um outro aspecto que contribui para que a síndrome do segredo se instale é que, muitas vezes, a criança ou adolescente vítima de um abuso sexual intrafamiliar nutre afeto e uma relação de carinho com o agressor. É possível que, nos momentos em que o abuso não está acontecendo, o abusador seja uma pessoa atenciosa, cuidadosa, que ajuda e dá suporte afetivo. Desse modo, constrói-se uma situação muito complexa para a criança/adolescente: a vítima gosta do agressor, mas não gosta dos abusos e deseja que a violência pare.

Um outro ponto que ajuda na manutenção do segredo é que a vítima teme que seus familiares não acreditem no seu relato. A criança/adolescente, em razão da relação desigual de poder entre ela e o adulto, comumente pensa que as outras pessoas não acreditarão ou que não darão importância para o que ela está falando. Em essência, a vítima teme ser desacreditada, castigada e não protegida.

O segredo sobre a violência sexual também pode ser mantido por meio de ameaças feitas pelo abusador de forma indireta, a partir das quais a vítima é convencida de que, se revelar o abuso, será responsável pela destruição da família e pela prisão do autor, quando passarão por necessidades financeiras e a culpa será dela. Há ainda os casos em que o agressor faz ameaças abertas de atentar contra a vida dela ou de seus familiares. 

Além disso, a ocorrência da violência sexual desperta na vítima uma série de sentimentos confusos e complexos que envolvem medo, culpa, vergonha e que fazem com que a situação de abuso sexual demore muito tempo para ser revelada.Uma das piores consequências da síndrome do segredo é a continuação da violência. Uma vez que os abusos não são revelados, a criança ou o adolescente pode continuar sendo molestado sexualmente, dentro de um quadro perverso de silêncio e sem ter a quem recorrer. Por medo, as vítimas protelam ao máximo o relato, podendo inclusive nunca revelar o abuso, sofrendo sozinhas o peso desse problema.

Silvia Pereira Guimarães

30 de junho de 2021Comments are off for this post.

Privacidade x Segredo: o que é cada um

Privacidade e segredo são duas coisas bem diferentes. Ambos fazem parte da vida das pessoas, mas é importante entender a distinção entre eles quando se busca cuidar de crianças e adolescentes contra abusos sexuais. 

A privacidade refere-se a certas experiências que os filhos têm sozinhos, mas que os pais sabem a respeito. Por exemplo, a maior parte das pessoas prefere ter privacidade ao usar o banheiro, seja para tomar banho ou usar o sanitário. Essas são situações em que nossas partes íntimas estão expostas e, como sabemos, o ideal é que terceiros não toquem ou vejam essas áreas do corpo dos outros. Sendo assim, as crianças são estimuladas desde novas a serem independentes quanto aos hábitos de higiene, de forma a dispensarem ajuda e a garantirem a própria privacidade nesses momentos.

No desenvolvimento da sexualidade, a exploração dos próprios genitais pela criança, no sentido da curiosidade e da geração de sensações,  é outro hábito natural, com os quais os pais não precisam se chocar. Caso não identifiquem anormalidades nessa prática, devem dar espaço para esclarecer as dúvidas dos filhos sobre o assunto e, principalmente, orientá-los de que tal comportamento deve ser sempre privado. Isso significa que os toques da criança em seus órgãos genitais devem ser realizados em locais isolados e sem contato com outras pessoas. Elas não podem, assim, fazer isso na escola, na frente de colegas ou de qualquer um mais velho.

Dessa maneira, a privacidade é assumida como algo bom, que permite ao indivíduo se conhecer melhor, a aprender sobre seus limites e sobre a importância de que respeitem seu espaço pessoal e momentos mais particulares, tudo isso feito de forma segura. De modo oposto, o segredo não costuma ser algo positivo, já que  ele surge de situações em que as crianças e adolescentes estão amedrontados ou constrangidos demais para contar aos pais sobre o que se passou.

Crianças que temem seus genitores, que têm receio de apanhar ou de sofrerem castigos severos procuram guardar segredos de seus pais como meio de evitar tais punições. Do mesmo jeito, aquelas que não têm um diálogo próximo e fácil com os seus responsáveis podem se sentir desconfortáveis para esclarecer sobre situações que envolvam as próprias descobertas sexuais, as dúvidas quanto ao tema, ou mesmo, para comunicar sobre qualquer aproximação abusiva.

Nesses casos, o segredo representa uma ameaça à segurança das crianças ou adolescentes, pois eles ainda não têm capacidade suficiente para, sem ajuda, dimensionar os riscos de algumas circunstâncias a que são expostos. Os pais, por sua vez, quando desconhecem as situações vividas por seus filhos, não têm como avaliar os problemas que lhes acometem, de onde vêm ou o quanto são perigosos. Em consequência, também não conseguem tomar as providências necessárias para manter suas crianças mais protegidas quanto a essas experiências ruins. Tal quadro faz com que os infantes tornem-se alvos fáceis de pessoas mal intencionadas e que, inclusive, estimulam a manutenção de segredos em relação aos pais. Isso é algo frequente em episódios de violência sexual.

Participe ativamente da vida dos seus filhos, demonstre interesse pelo que fazem, converse com eles sobre atividades cotidianas e permitam também que tenham momentos a sós. Esse tipo de atitude fortalece a identidade e individualidade das crianças e adolescentes, e melhor ainda, fortalece os laços entre pais e filhos. Quando essa relação de proximidade, diálogo e confiança é construída, há menos espaço para segredos e é possível que todos permaneçam mais resguardados contra qualquer forma de violência.

Liliane Domingos Martins