É comum uma vítima passar um longo tempo, até mesmo anos, escondendo que foi abusada sexualmente. Isso acontece especialmente quando o abuso sexual é praticado por uma pessoa da família, de modo que a violência se torna um segredo, algo a ser silenciado e escondido. Esse processo de ocultamento ou negação da violência sexual intrafamiliar é chamado de síndrome do segredo.
Quando uma violência sexual é praticada por um familiar (seja um pai, um padrasto, um avô, um irmão, primo, ou ainda uma mãe, uma tia etc.), a revelação do abuso coloca em jogo uma série de fatores, dentre eles, ameaça a harmonia existente dentro da família.
A vítima, mesmo entendendo que aquilo é errado e querendo que os abusos parem, sabe que a revelação dessa violência poderá causar um “rebuliço” ou uma crise. Nos casos em que o agressor é o provedor da casa, essa situação fica ainda mais difícil, pois a vítima percebe-se dependente financeiramente.
Um outro aspecto que contribui para que a síndrome do segredo se instale é que, muitas vezes, a criança ou adolescente vítima de um abuso sexual intrafamiliar nutre afeto e uma relação de carinho com o agressor. É possível que, nos momentos em que o abuso não está acontecendo, o abusador seja uma pessoa atenciosa, cuidadosa, que ajuda e dá suporte afetivo. Desse modo, constrói-se uma situação muito complexa para a criança/adolescente: a vítima gosta do agressor, mas não gosta dos abusos e deseja que a violência pare.
Um outro ponto que ajuda na manutenção do segredo é que a vítima teme que seus familiares não acreditem no seu relato. A criança/adolescente, em razão da relação desigual de poder entre ela e o adulto, comumente pensa que as outras pessoas não acreditarão ou que não darão importância para o que ela está falando. Em essência, a vítima teme ser desacreditada, castigada e não protegida.
O segredo sobre a violência sexual também pode ser mantido por meio de ameaças feitas pelo abusador de forma indireta, a partir das quais a vítima é convencida de que, se revelar o abuso, será responsável pela destruição da família e pela prisão do autor, quando passarão por necessidades financeiras e a culpa será dela. Há ainda os casos em que o agressor faz ameaças abertas de atentar contra a vida dela ou de seus familiares.
Além disso, a ocorrência da violência sexual desperta na vítima uma série de sentimentos confusos e complexos que envolvem medo, culpa, vergonha e que fazem com que a situação de abuso sexual demore muito tempo para ser revelada.Uma das piores consequências da síndrome do segredo é a continuação da violência. Uma vez que os abusos não são revelados, a criança ou o adolescente pode continuar sendo molestado sexualmente, dentro de um quadro perverso de silêncio e sem ter a quem recorrer. Por medo, as vítimas protelam ao máximo o relato, podendo inclusive nunca revelar o abuso, sofrendo sozinhas o peso desse problema.
Silvia Pereira Guimarães