13 de janeiro de 2021Comments are off for this post.

A importância do livre relato

Muito se fala da necessidade de haver justiça, quando uma criança ou um adolescente passa por um abuso sexual. Apesar dessa condição, pouco se fala da responsabilidade que cada um de nós temos para garantir isso. 

No contexto da violência sexual, uma das coisas mais importantes é o livre relato por parte da vítima, ou seja, que ela tenha a possibilidade de se expressar livremente ao contar o que lhe aconteceu e que esta fala seja respeitada e preservada, a ponto de servir como elemento probatório válido no contexto judicial.

Na maior parte das vezes, a fala da vítima é a única prova que se tem da violência, pois o abuso em geral ocorre sem testemunhas e não deixa indícios físicos, até mesmo em casos com penetração vaginal ou anal. Nesse sentido, o relato da criança ou do adolescente é um elemento imprescindível para a responsabilização do agressor.

Nesse sentido, a falta de cuidado com a preservação deste relato, seja no ambiente doméstico, seja durante os atendimentos posteriores à denúncia, pode ser extremamente danosa. Muitas vezes, perguntas equivocadas ou observações feitas pelos entrevistadores interferem tanto no discurso da vítima que o invalidam. 

Quanto menor a criança, mais sugestionável ela é, ou seja, mais sujeita a modificar suas impressões e descrições a partir do que entende que o outro espera ouvir. Isso significa que uma criança pode oferecer informações diferentes do que daria espontaneamente conforme o modo como é questionada, seja pela família, seja por algum profissional.

Vivemos em uma cultura adultocêntrica, na qual as crianças são ensinadas que não devem questionar os adultos, pois eles tudo sabem. Em razão disso, a depender do modo como os adultos agem, as crianças respondem, o que, no que tange ao relato do abuso, pode fazê-las oferecer respostas falsas, que imaginam esperadas pelo interlocutor.

Para evitar esse risco, é preciso deixar que a criança descreva conforme ela consegue o que lhe aconteceu, sem perguntas excessivas e sem ceder ao desespero ou à curiosidade sobre o que realmente aconteceu.

Uma dica simples é usar perguntas abertas, que são as questões que não comportam respostas “sim” ou “não”. Esse tipo de pergunta predispõe o oferecimento de relatos mais livres e detalhados sobre o que aconteceu. Um exemplo de pergunta aberta é: O que aconteceu? É possível observar que esse tipo de pergunta permite que a criança fale livremente, seguindo sua própria necessidade de expressão. 

Se precisar ouvir uma criança ou um adolescente, assuma uma postura acolhedora e mantenha a calma, tentando controlar a expressão de seus sentimentos. Os pronomes “o quê”, “quem”, “quando” e “como” podem ajudar. 

Se você for um professor ou um familiar, tenha em mente que o papel de investigar não cabe a você. Tente perguntar o mínimo para entender o que houve e encaminhe a situação. Caso haja suspeita de abuso, denuncie.

Juliana Borges Naves

6 de janeiro de 2021Comments are off for this post.

Como conversar com uma criança quando existe uma suspeita de abuso?

O abuso sexual é um fenômeno silencioso e, na maioria das vezes, sem testemunhas. Além disso, comumente as crianças e adolescentes vítimas de um abuso demoram a relatar a violência que estão sofrendo. A confusão de sentimentos, a vergonha, a culpa, o medo e as ameaças contribuem para que o abuso seja mantido em segredo por muito tempo. 

Apesar disso, a violência sexual, muitas vezes, é um tipo de acontecimento que deixa pistas. A criança ou adolescente vítima pode “comunicar”, na maioria das vezes de forma indireta, que está vivendo uma situação de sofrimento. Isso acontece de diversas formas, sendo as alterações no padrão de comportamento ou de humor, uma delas. 

Para ilustrar como seriam essas alterações, há casos em que criança era comunicativa e desinibida, e se torna mais retraída e desconfiada; como também casos em que a criança tinha um bom desempenho escolar e apresenta uma queda brusca de aproveitamento, chora na escola sem motivo aparente e se torna pouco sociável com os coleguinhas; outro exemplo é a adolescente que se torna agressiva com os familiares, foge de casa com frequência, começa a usar drogas etc. 

Estes exemplos apontam que algo está acontecendo na vida da criança/adolescente, algo está lhe trazendo sofrimento. Não é possível deduzir que essa seja uma situação de abuso sexual, uma vez que não existem sintomas típicos e exclusivos desse tipo de violência. De todo modo, as alterações citadas sinalizam a existência de algum tipo de situação de estresse. 

Diante disso, uma orientação importante é focar no estabelecimento de uma relação de proximidade e confiança, para que a criança/adolescente se sinta segura para relatar o que está lhe causando sofrimento. O diálogo é a base para que o adulto esclareça aquilo que de fato está acontecendo. 

Lembre-se de evitar qualquer abordagem invasiva ou direta questionando um suposto abuso sexual. Perguntas como: “Tem alguém abusando de você?”, “Fulano está mexendo com você?” não devem ser feitas. Esse tipo de abordagem sugestiona a fala da criança, pode produzir relatos não autênticos, provocam sofrimento e constrangimento. Pressionar ou insistir para que a criança ou adolescente revele um suposto abuso sexual configura um tipo de violência psicológica que traz prejuízos e pode fazer com que ela se feche ainda mais. 

A melhor forma de falar com a criança/adolescente é dizer que tem observado mudanças de comportamentos e que você se preocupa com ela. Pergunte se há algo difícil lhe acontecendo, algo ruim, e mostre disposição para escutar o que será falado. Alguns exemplos de como perguntar para a criança são: “Tenho observado que você anda triste nos últimos tempos. Quer conversar um pouco sobre isso?”; “Tem algo ruim ou difícil acontecendo com você? Gostaria de falar sobre isso?”; “Se algo ruim estiver acontecendo com você, pode se abrir comigo, quero te ajudar”. Essas abordagens ilustrativas demonstram que você percebe que algo está acontecendo, sem induzir ou indicar alguma hipótese específica. 

É importante que o adulto demonstre carinho e cuidado, e coloque-se disponível para conversar. Além disso, se mostre como uma pessoa disposta a ouvir e ajudar, de modo que a própria criança/adolescente, no tempo dela e da forma que sentir confortável, poderá falar o que está lhe acontecendo. Esse relato pode envolver a existência de algum tipo de abuso sexual, como também pode ser sobre qualquer outra questão, dúvida ou conflito que esteja causando sofrimento ou preocupação. 

Muitas vezes o estabelecimento de uma relação de confiança e diálogo é suficiente para diminuir as dúvidas e afastar a hipótese de abuso sexual. Outras vezes, o incômodo pode permanecer e as perguntas continuarão sem respostas. Nesses casos, vale a pena procurar uma ajuda especializada. 

Silvia Pereira Guimarães