25 de novembro de 2020Comments are off for this post.

Criança não namora

É bastante comum em nosso dia a dia observarmos adultos que, buscando um momento de interação divertida, falam para a criança: “Ele é seu namoradinho?” ou “Vai lá, pega na mão da sua namorada”. Há também as ocasiões em que os adultos riem e acham bonitinho quando a criança comenta que está namorando ou que seus coleguinhas namoram. 

Essas situações, aparentemente inocentes e inofensivas, acabam por desviar a atenção da criança de temas típicos de seu universo infantil para direcioná-la a um tema que não combina com sua idade. Existe um momento específico para vivenciar cada etapa da vida. A criança encontra-se em franco processo de desenvolvimento no qual seu tempo deve ser dedicado a brincar, estudar, aprender a se relacionar, lidar com regras e limites, dentre inúmeras outras coisas. 

As crianças, quando brincam juntas, dividem um lanche, pegam na mão ou se abraçam, não estão estabelecendo uma relação de namoro, mas uma relação de amizade com alguém que gostam. Nesse sentido, é importante que o adulto nomeie de forma correta esse tipo de interação. 

Não se trata de brigar com a criança ou de reprimi-la quando ela fala que tem um(uma) namorado(namorada). Procure não julgar ou se assustar com aquilo que a criança está dizendo, e aproveite a oportunidade para estabelecer um diálogo cuidadoso, acolhedor e orientador. Desse modo, se a criança diz que tem um namorado, converse a respeito e pergunte com quem ela está namorando, como ela namora. Busque compreender aquilo que a criança está comunicando. Em seguida, oriente e explique que, quando ela gosta ficar perto de um coleguinha e brincar com ele, significa que ela é amiga dele. Crianças têm amigos, não namorados. Apenas adultos namoram.  

Os pequenos observam os adultos e aprendem por modelo. É possível que a criança, vendo os pais se beijarem e tendo comportamentos de intimidade, eventualmente, queira imitar. Não é preciso esconder da criança as expressões de afeto. Não é nada disso. Ao contrário, esse é um momento oportuno para explicar que existem coisas que crianças fazem e coisas que adultos fazem. 

É importante que a criança entenda que namoro é “coisa de adulto”. Essa é uma postura que busca evitar a erotização precoce e possibilita que a criança ache estranho, caso seja abordada de uma maneira “romântica” ou “sedutora” por um adulto. Quando essa regra é internalizada pela criança, ela fica mais protegida. 

Silvia Pereira Guimarães

18 de novembro de 2020Comments are off for this post.

Reconhecer, Reagir e Relatar: os 3 Rs da autoproteção de crianças e adolescentes contra o abuso sexual

Sempre que pensamos na proteção de crianças e adolescentes contra o abuso sexual, uma das principais estratégias envolve lhes deixar mais preparados para lidar com eventuais aproximações indevidas. Assim, programas de prevenção à violência usualmente se dedicam à elaboração dos melhores recursos para que os mais novos aprendam a se posicionar de forma eficiente contra o problema. Nessa direção, um sistema bastante interessante e didático de enfrentamento do abuso sexual é o que é chamado de 3 Rs, nos quais crianças e adolescentes são ensinados e avaliados quanto a suas capacidades para RECONHECER, REAGIR e RELATAR esse tipo de situação adversa.

As habilidades dos 3 Rs são desenvolvidas em sequência. A primeira delas, é a capacidade de RECONHECER, que reporta à compreensão que a criança ou adolescente tem acerca do que é o abuso sexual e das maneiras como ele acontece. Somos conscientes de que pode ser bem difícil para os adultos tratarem desse assunto, mas existem meios de educar seus filhos sobre isso sem sustos. Nessa etapa, deve-se ensinar, por exemplo, sobre as partes do corpo que são íntimas e privadas e que não podem ser tocadas por outras pessoas; ou sobre a forma como se dão o aliciamento e os abusos na internet. No Instagram e no blog do Instituto Alexis frequentemente damos dicas sobre os meios mais recomendados para abordar esses temas.

A capacidade de REAGIR abrange os comportamentos que crianças e adolescentes podem adotar de modo a esquivarem-se de ocasiões potencialmente abusivas. Aqui, eles devem ser ensinados, sobretudo, a saírem de perto de pessoas que lhes deixem desconfortáveis e a dizer “NÃO” se alguém tentar com eles qualquer tipo de contato inadequado. É claro que, nesse ponto, é importante ter em mente que a vitimização sexual comumente causa sensação de paralisia ou confusão, que pode dificultar que crianças e adolescentes ofereçam resistência aos agressores. Assim, exatamente porque a violência sexual é muito desorganizadora e impactante, as vítimas não devem ser exigidas ou responsabilizadas caso não consigam demonstrar oposição ao ato abusivo. 

Por último, crianças e adolescentes devem ser orientados sobre os meios para RELATAR qualquer condição ruim a que sejam expostos, especialmente episódios de violência. Nesse sentido, eles devem ser estimulados a escolherem adultos em quem confiam para contar sobre os mais diversos acontecimentos de suas vidas e com os quais possam buscar aconselhamento quando estiverem com problemas, sejam quais forem. Caso a dificuldade em questão for referente a algum abuso sexual e aquele adulto não conseguir oferecer o auxílio necessário, as crianças e adolescentes devem saber que é importante procurarem por outras pessoas até que lhe garantam a devida proteção. Finalmente, é essencial que sejam informados sobre a rede de proteção e os órgãos em que podem oferecer denúncia por conta própria, caso se sintam desamparados. Aqui, também é necessário ter claro que a revelação de situações abusivas reflete um processo muito penoso e que é natural que muitas crianças e adolescentes tenham dificuldade em fazer isso, mesmo quando estimulados e acolhidos. Nesses casos, eles não devem ser culpabilizados pela demora em contar algo tão complicado, mas incentivados por finalmente terem tido coragem em fazê-lo.

O modelo dos 3Rs destaca-se como um recurso bastante útil para pensar e planejar uma intervenção preventiva contra abusos sexuais, auxiliando que crianças e adolescentes estejam mais atentos e prontos para se posicionarem contra o problema. Mesmo assim, é imprescindível reconhecer que crianças e adolescentes são pessoas com desenvolvimento incompleto e, portanto, em condições de vulnerabilidade. Isso significa que, ainda que sejam preparados para RECONHECER, REAGIR e RELATAR qualquer tipo de violência, eles não têm essa obrigação. Cabe à família, à sociedade e ao Estado o papel fundamental de proteção dos nossos pequenos.   

Liliane Domingos Martins

11 de novembro de 2020Comments are off for this post.

Difícil, mas importante: muitos famosos sofreram violência sexual

A gente sabe que revelar um abuso sexual é uma tarefa complicada. Vergonha, culpa, constrangimento, além do medo de ser julgada ou ridicularizada fazem com que muita gente mantenha a vitimização em segredo por anos, senão por toda a vida. O sentimento de injustiça e solidão acompanha muitas das vítimas, que podem se ver marcadas de forma definitiva pelo sofrimento. 

Em meio a essas dificuldades, as revelações de celebridades quanto a terem sido molestadas na infância podem ser importantes exemplos para outras vítimas. Saber que o abuso não é capaz, por si só, de destruir a vida de alguém faz com que outras pessoas que também passaram pelo problema se sintam aptas a superá-lo e estimuladas a dividirem sua dor.

Gente como Xuxa, Luana Piovani, Marcelo Adnet, Marilyn Monroe, Axl Rose, Oprah Winfrey, Queen Latifah, Rita Lee, Luiza Brunet, Joanna Maranhão, Cláudia Jimenez, Pamela Anderson, José de Abreu, Pitty, Monique Evans, Letícia Sabatela, Sinead O’Connor, Cindy Lauper, Ashley Judd, Annalynne McCord, Samantha Morton, Vanessa Williams, Teri Hatcher, Hellen Mirren, Dylan Allen e Fiona Apple revelaram ter sofrido violência sexual na infância. Já Madonna e Lady Gaga foram vitimizadas quando adultas. 

São relatos difíceis, mas que escancaram o problema da violência sexual e incentivam muitos a não mais sofrerem calados. Da nossa experiência junto a casos concretos, vemos que muitas vítimas se fortalecem e ganham coragem para a denúncia vendo esse assunto na mídia, seja no depoimento de alguém famoso, seja quando séries ou novelas retratam esse tema.

Nesse sentido, campanhas online ou movimentos que visam conscientizar sobre o abuso sexual e estimular a troca de experiências como o “Me Too”, “Meu Amigo Secreto”, “Meu Primeiro Assédio”, “Mexeu com Uma, Mexeu com Todas”, dentre outros, também são importantes para mostrar a dimensão dessa questão e trazer apoio às vítimas.

Pouco a pouco, a sociedade tem construído um olhar mais realista sobre a violência sexual, um problema comum que atinge cerca de 20% das meninas e 10% dos meninos. Cada vez menos cabe culpabilizar a vítima pela violência, o que, venhamos e convenhamos, não faz o menor sentido. Ninguém ousa dizer que alguém merece ser roubado porque sai com um veículo caro na rua ou que tudo bem alguém tomar seu sanduíche no shopping porque estava com fome. Quando se diz que uma vítima mereceu a violência em razão de seu comportamento, de sua vestimenta ou de sua inocência, é esse tipo de explicação absurda que se tenta dar. Em qualquer contexto, esse é um raciocínio que não se aplica. Quem age contra os bens, contra o corpo ou contra a honra de alguém pode e deve ser responsabilizado, de forma pessoal e exclusiva, pelo seu ato.

Juliana Borges Naves

4 de novembro de 2020Comments are off for this post.

Por que é tão difícil acreditar que crianças podem ser abusadas sexualmente?

Falar sobre abuso sexual de crianças e adolescentes é sempre algo muito delicado e que envolve uma série de dúvidas, angústias e medos. Às vezes sentimos um incômodo, um certo mal-estar, ou ainda uma vontade grande de mudar de assunto. Isso fica ainda pior quando falamos de abuso sexual praticado por alguém da família ou envolvendo crianças muito pequenas.

Como esse assunto é desconfortável e, por vezes, assustador, uma reação comum das pessoas é tentar afastar a ideia e pensar que isso só acontece “com os outros”, “na família dos outros” ou ainda que é algo que “acontece pouco”, já que raramente ficamos sabendo de uma criança que foi molestada sexualmente em nosso meio. Ou seja, é como se esse assunto tão difícil ativasse uma defesa psicológica diante de algo que pode causar grande sofrimento.

Além disso, na nossa sociedade existem uma série de mitos e crenças erradas que trazem informações que não são verdadeiras, reforçando a reação psicológica de afastar as ideias que incomodam. Fazem parte desses mitos acreditar que os abusos sexuais de crianças raramente acontecem; que abusos sexuais acontecem somente em “famílias desestruturadas” ou que convivem com “coisas erradas”; que apenas crianças pobres ou sem família sofrem violações sexuais, etc.

Apesar das pesquisas e da literatura da área mostrarem que essas crenças não correspondem à realidade, muitas dessas ideias continuam existindo. É importante saber que abusos sexuais são comuns e frequentes (as estatísticas variam segundo a fonte), contudo, se trata de um tema tabu que é pouco falado, pouco denunciado e que pode permanecer guardado com a vítima por muito tempo. Além disso, as violações sexuais não acontecem apenas em alguns tipos de comunidades, culturas ou classes sociais. Também não acontecem apenas em “famílias desestruturadas”. Na verdade, os abusadores sexuais são espertos e podem estar em qualquer espaço social, muitas vezes se tornam amigos dos pais e das crianças, circulam em ambientes respeitáveis e podem ter comportamentos acima de qualquer suspeita.

Enquanto ficamos presos na ideia de que as crianças próximas a nós estão fora de perigo e que abuso sexual é coisa rara porque quase não é falada, acabamos por ignorar os riscos e as vulnerabilidades existentes na nossa própria comunidade e família. Desfazer desse tipo de crença é importante para se obter informações em fontes seguras e que, de fato, ajudem a proteger as crianças. Para isso, é necessário enfrentar o desconforto causado pelo assunto e buscar informações sérias, que não reforcem o sensacionalismo e o medo.

Silvia Pereira Guimarães

21 de outubro de 2020Comments are off for this post.

Respeito aos mais velhos SIM. Respeito aos mais novos TAMBÉM!

Toda criança é ensinada a respeitar aos mais velhos, o que é mesmo algo muito importante. Talvez seja complicado aceitar, mas, dentro do assunto, você precisa entender que o respeito aos adultos não deve ser incondicional ou a criança pode ficar mais suscetível a abusos. Vamos te explicar a razão disso!

A criança que é educada a sempre obedecer os adultos, torna-se um alvo fácil para molestadores, pois, percebe-se obrigada a se submeter a qualquer coisa que ele lhe mandar fazer. Nesses casos, é mais difícil a vítima reagir ou avisar para alguém se uma pessoa mais velha pedir para que tire a roupa, mande fotos pelada, lhe faça carícias, entre outros exemplos. Ela não foi preparada para reconhecer que adultos também fazem coisas indevidas e que pode dizer “NÃO” a essas situações.

Para que seu filho não se torne passivo como nesse exemplo, incentivamos a educá-lo para se manifestar sempre que se sentir desconfortável com qualquer pessoa. A ideia não é que ele seja mal educado, mas, que seja capacitado para explicar ou negar quando um adulto lhe faz carinhos de que não goste por serem excessivos, dolorosos ou porque lhe deixam com vergonha.    

É certo que, no geral, os adultos são aqueles que auxiliam os nossos pequenos com os problemas cotidianos, mas as crianças devem ser ensinadas de que todo mundo merece respeito e com elas isso não pode ser diferente. O respeito deve funcionar em uma via de mão dupla e não é por ser mais nova que ela pode ser tratada com menos consideração. 

Liliane Domingos Martins