3 de novembro de 2021Comments are off for this post.

A vítima não chorou. Será que o que o relato é verdadeiro?

O abuso sexual de crianças e adolescentes é um tipo de violência grave, que tem impactos diversos sobre a vítima. Socialmente, é um crime cuja natureza causa repulsa e horror, e facilmente mobiliza as pessoas que escutam relatos sobre esse tipo de vitimização. 

Por se tratar de algo grave, comumente, as pessoas criam expectativas sobre aquilo que se espera de uma vítima de violência sexual. É corriqueiro que as pessoas desenvolvam crenças de que uma criança ou adolescente abusado(a), ao falar sobre o que vivenciou, irá chorar, se emocionar, se constranger e demonstrar grande sofrimento. Apesar de ser uma perspectiva socialmente comum e de fato ocorrer em muitos casos, nem sempre a vítima se comporta segundo esse padrão. 

Nessas situações de quebra de expectativas, é possível perceber algumas reações de estranhamento por parte das pessoas próximas e dos profissionais da área (sejam eles da área da saúde, operadores de direito, profissionais da rede de proteção, etc). Diante de vítimas que não exteriorizam o sofrimento ou que apresentam uma narrativa destituída de afetos, algumas pessoas podem colocar em xeque o relato da vítima. Em alguns casos, até mesmo expressam “ela não parece que foi vítima de violência”, “achei o relato estranho, nem parece que ela estava traumatizada”. 

Com relação a esse tipo de dúvida, vale destacar dois pontos. Em primeiro lugar, os impactos e consequências do abuso sexual são bastante particulares e variam de pessoa para pessoa. Cada vítima irá vivenciar aquele evento de uma forma única, podendo apresentar prejuízos e consequências mais ou menos graves. Os danos às vítimas variam de acordo com características da violência, como a gravidade, duração, utilização de força física, relação com o agressor etc; também com as caraterísticas pessoais da vítima, tais como sexo, idade, funcionamento psicológico anterior ao evento, antecendentes psicopatológicos, resiliência, etc. e com as consequências sociais após a revelação da violência (apoio de amigos e familiares, por exemplo).

Desse modo, é possível que uma vítima apresente, como seu modo de funcionamento psicológico para lidar com eventos traumáticos, justamente um relato indiferente, aparentemente neutro, sem expressão de afetos. Algumas pessoas desenvolvem modos defensivos de lidar com situações difíceis e traumáticas, de forma que, exteriormente, podem se portar como pessoas fortes e racionais, supostamente não afetadas pelo que lhes aconteceu. Além disso, outras pessoas podem vivenciar situações de violência sexual e, de fato, serem pouco afetadas (ao menos em curto prazo) por esses episódios. Nesses casos, o relato da vítima pode parecer “frio” ou racional ao ouvinte externo.  

Em segundo lugar, o processo de investigação de situações de violência sexual podem envolver várias etapas, muitas delas difíceis para a vítima. Apesar da existência de uma legislação que busca proteger as vítimas de desgastes e exposições, comumente, o processo pós denúncia envolve exames, depoimentos e relatos diversos sobre o evento ocorrido. Além disso, é usual que a vítima tenha que lidar com questionamentos, reações e preocupações de familiares e pessoas que lhe são próximas. Diante dessas circunstâncias, algumas vítimas podem adotar uma forma de narrativa neutra, como meio para enfrentar as várias etapas de evocação dessas lembranças desagradáveis. Ou seja, do mesmo modo que algumas vítimas irão demonstrar grande sofrimento a cada vez que a experiência da violência for evocada, outras podem, por exemplo, “ligar o modo automático” como mecanismo de autoproteção.  

Nesse sentido, é importante ressaltar que não existe relação direta entre veracidade de um relato e quantidade de emoção ou sofrimento exteriorizado pela vítima. Cada pessoa tem a sua singularidade e irá lidar com eventos traumáticos (incluindo ter que relatar esses fatos para outras pessoas) de modo único, pessoal, e esse modo deve encontrar validação por parte de quem escuta.

Silvia Pereira Guimarães

27 de outubro de 2021Comments are off for this post.

Criança mente sobre o abuso?

Essa pergunta é muito comum, a tal ponto que o argumento de que o relato não passa de uma fantasia é frequentemente usado pelos advogados de defesa no âmbito jurídico. Nesse contexto, a incapacidade da vítima para apresentar um relato cronologicamente ordenado e detalhado sobre a vitimização é encarada por advogados e magistrados como um indício de que ela estaria mentindo ou fantasiando sobre a situação abusiva.

Tal entendimento parte do desconhecimento acerca de características fundamentais e típicas da infância, bem como das etapas de desenvolvimento do processo cognitivo e da aquisição da memória. Em razão disso, muitos adultos esperam que crianças tenham capacidades similares às suas, de forma que incoerências e incongruências são tomadas por indicativos de falta de veracidade.

No que se refere às habilidades da infância, entre 4 e 5 anos de idade, uma criança já é capaz de distinguir verdade de mentira, como também de mentir intencionalmente para, por exemplo, fugir de um castigo, obter recompensa, agradar alguém ou proteger figura significativa. 

Já a capacidade de imaginar, de lançar mão de ideias fantasiosas para interpretar ou relatar algum acontecimento, é bastante comum e recorrente na infância. A imaginação e o jogo simbólico são processos normais e essenciais para o desenvolvimento integrado das crianças e possibilita que elas internalizem situações do dia a dia ou elaborem vivências traumáticas. É por meio da brincadeira e da imaginação que uma criança passa da posição de objeto, que deve obediência aos pais, professores, irmãos ou a alguma outra criança, para o lugar de quem manda, de quem sabe, de quem determina as regras. É brincando que a criança pode mudar de papel e se distanciar temporariamente da condição de dependência e impotência que ela experimenta em diversos momentos. 

Dito isso, nos cabe fazer a mea culpa. Adultos também mentem, e muito. Pode-se dizer, considerando as estatísticas, que mentem bem mais que as crianças. Ademais, também fantasiam. Fazem planos diante de um jogo da mega sena, ensaiam conversas antes de um encontro e repassam inúmeras respostas que não deram quando confrontados, por vezes em voz alta. Nesse sentido, pedem das crianças a maturidade e coerência que nem mesmo têm.

Mas, voltando à pergunta inicial: Crianças mentem que foram abusadas?

Embora fantasiem, crianças não vivem em um mundo de fantasia e, por volta de três anos e meio, conseguem distinguir fatos concretos da imaginação. Além disso, costumam fantasiar com elementos que lhes são apresentados. Por conta disso, as brincadeiras giram em torno de situações habituais, de fatos que aconteceram na família ou de temas movidos por histórias imaginárias: personagens de livros, desenhos ou jogos. Considerando que cenas eróticas não fazem parte de vivências corriqueiras na infância, seria bastante atípico que uma criança relatasse uma situação sexualmente abusiva a partir da própria criatividade. Ainda que sejam capazes de fantasiar, a maioria das crianças não possui conhecimento ou percepção suficientes para ter o que são, em essência, fantasias sexuais adultas.

Aqui, cabe a ressalva de que uma criança pode ter contato com cenas eróticas de modo incidental, pela internet ou manipulando o celular dos responsáveis, por exemplo. Sendo assim, não necessariamente o relato de uma situação aparentemente sexual é produto do assédio de algum adulto. Vale esclarecer, entretanto, que expor intencionalmente uma criança ou adolescente a uma cena de conteúdo erótico, seja pessoalmente, seja em vídeo, configura sim violência sexual.

Sobre a mentira, é difícil entender que tipo de motivação levaria uma criança a inventar uma acusação de abuso contra alguém. Raramente uma criança mente sobre isso, a menos que esteja sob influência de um terceiro que visa algum benefício com a denúncia. Mesmo assim, quando consideramos o contexto de litígio e de divórcio, tem-se que apenas 6% das denúncias de violência sexual são inverídicas.

Nesse sentido, é mais comum uma criança usar a capacidade de mentir para 

encobrir uma violência que aconteceu com ela, seja por ameaças, por receio das consequências do relato ou pela necessidade de proteger um agressor com quem tem laços afetivos.

Juliana Borges Naves

20 de outubro de 2021Comments are off for this post.

ABUSO SEXUAL EM PÚBLICO: isso acontece?

Parece impossível acreditar, mas há casos em que os abusadores sexuais de crianças e adolescentes são tão ousados que cometem esse crime mesmo na presença de outras pessoas, mesmo com outros adultos por perto.

Sobre esse assunto, vale lembrar que o abuso pode ocorrer sem contato físico e, nessa condição, é bem fácil que passe despercebido ainda que exista um grupo de pessoas reunidos no mesmo local. Por exemplo, o abusador pode falar obscenidades para uma criança ou sussurrar maliciosamente para um adolescente acerca de seu corpo e, se ninguém ouvir a conversa, acha que é uma interação inocente. Uma outra forma de agir, seria chamando a vítima para ver conteúdo pornográfico em seu celular, sentados de um jeito em que mais ninguém pudesse ver o que se passa na tela.

Abusos com contato físico também acontecem quando há outras pessoas próximas. Há agressores que conseguem tocar uma criança ou adolescente por baixo de um cobertor ou por trás de um móvel, enquanto alguém sai rapidamente do cômodo para ir ao banheiro ou quando os demais estão ocupados com uma tarefa, preparando uma refeição ou jogando cartas, por exemplo. Talvez você não se lembre, mas há algum tempo circulou um vídeo sobre isso, em que uma família estava reunida em uma lanchonete e um dos homens do grupo tinha uma menina em seu colo, sendo que ele manipulava a vagina da criança por baixo da saia, enquanto interagia com as demais pessoas. Na mesa, ninguém percebeu e a criança não demonstrou ter recursos para reagir, de forma que foram os demais frequentadores do local que alertaram sobre o abuso.

Outras situações podem ser criadas pelos agressores a partir de enganação da vítima ou das pessoas por perto. Nesses casos, alguns toques indevidos podem ser apresentados como uma brincadeira, como tocar o genital da criança enquanto a cumprimenta ou fazer cócegas nela de forma a tocar em seus seios. Outros desses toques inapropriados são realizados pelos abusadores de modo a parecerem um acidente, como quando um adulto esbarra propositalmente em alguma coisa, dando um jeitinho de encostar no bumbum da criança enquanto busca se reequilibrar. Tudo isso o agressor poderia fazer do lado do pai ou da mãe da vítima e, quem iria dizer que houve má intenção dele? 

Quando te contamos essas coisas, a ideia não é te deixar desconfiado de todas as pessoas ou super preocupado com os riscos. Recomendamos que sejam vividos bons momentos com familiares e amigos, inclusive, porque isso é positivo no desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes. O objetivo aqui é de te colocar mais atento e preparado sobre uma dificuldade real. Se você conhece o problema, está mais preparado para enfrentá-lo e seus filhos estão mais seguros. Lembre-se: conhecimento é proteção!

Liliane Domingos Martins

13 de outubro de 2021Comments are off for this post.

Síndrome do Segredo – Por que a vítima demora tanto tempo para revelar o abuso sexual?

É comum uma vítima passar um longo tempo, até mesmo anos, escondendo que foi abusada sexualmente. Isso acontece especialmente quando o abuso sexual é praticado por uma pessoa da família, de modo que a violência se torna um segredo, algo a ser silenciado e escondido. Esse processo de ocultamento ou negação da violência sexual intrafamiliar é chamado de síndrome do segredo.

Quando uma violência sexual é praticada por um familiar (seja um pai, um padrasto, um avô, um irmão, primo, ou ainda uma mãe, uma tia etc.), a revelação do abuso coloca em jogo uma série de fatores, dentre eles, ameaça a harmonia existente dentro da família. 

A vítima, mesmo entendendo que aquilo é errado e querendo que os abusos parem, sabe que a revelação dessa violência poderá causar um “rebuliço” ou uma crise. Nos casos em que o agressor é o provedor da casa, essa situação fica ainda mais difícil, pois a vítima percebe-se dependente financeiramente.  

Um outro aspecto que contribui para que a síndrome do segredo se instale é que, muitas vezes, a criança ou adolescente vítima de um abuso sexual intrafamiliar nutre afeto e uma relação de carinho com o agressor. É possível que, nos momentos em que o abuso não está acontecendo, o abusador seja uma pessoa atenciosa, cuidadosa, que ajuda e dá suporte afetivo. Desse modo, constrói-se uma situação muito complexa para a criança/adolescente: a vítima gosta do agressor, mas não gosta dos abusos e deseja que a violência pare.

Um outro ponto que ajuda na manutenção do segredo é que a vítima teme que seus familiares não acreditem no seu relato. A criança/adolescente, em razão da relação desigual de poder entre ela e o adulto, comumente pensa que as outras pessoas não acreditarão ou que não darão importância para o que ela está falando. Em essência, a vítima teme ser desacreditada, castigada e não protegida.

O segredo sobre a violência sexual também pode ser mantido por meio de ameaças feitas pelo abusador de forma indireta, a partir das quais a vítima é convencida de que, se revelar o abuso, será responsável pela destruição da família e pela prisão do autor, quando passarão por necessidades financeiras e a culpa será dela. Há ainda os casos em que o agressor faz ameaças abertas de atentar contra a vida dela ou de seus familiares. 

Além disso, a ocorrência da violência sexual desperta na vítima uma série de sentimentos confusos e complexos que envolvem medo, culpa, vergonha e que fazem com que a situação de abuso sexual demore muito tempo para ser revelada.Uma das piores consequências da síndrome do segredo é a continuação da violência. Uma vez que os abusos não são revelados, a criança ou o adolescente pode continuar sendo molestado sexualmente, dentro de um quadro perverso de silêncio e sem ter a quem recorrer. Por medo, as vítimas protelam ao máximo o relato, podendo inclusive nunca revelar o abuso, sofrendo sozinhas o peso desse problema.

Silvia Pereira Guimarães

6 de outubro de 2021Comments are off for this post.

Comportamento Público x Comportamento Privado

Diante de suspeitas de abuso que envolvem familiares ou amigos, é comum que se venha em defesa do acusado, alegando que se trata de alguém gentil, responsável no trabalho, caridoso com as pessoas, bem quisto na comunidade ou bastante religioso. Esse argumento se baseia em uma premissa equivocada, de que as pessoas apresentam em público uma versão estendida de sua vida privada, ou seja, de que alguém que se comporta de forma socialmente adequada seria incapaz de um ato desviante na sua esfera íntima. 

Precisamos ter em mente que boa parte do nosso comportamento público é resultado do processo educativo e leva em consideração os padrões aceitáveis de conduta em cada cultura. Por causa disso, o modo como nos portamos em público não é, necessariamente, um reflexo dos nossos pensamentos ou desejos pessoais. É com muito custo que uma criança, por exemplo, deixa de bater nos colegas, chupar o dedo ou comer algumas secreções e é de se pensar quantas delas não mantêm tais hábitos escondidos, fora da vista das outras pessoas. Também é pela insistência de quem nos educa que passamos a guardar comentários ofensivos ou constrangedores, entendendo que certas coisas não se deve falar em público. 

O fato é que, ao longo da vida, a partir de correções externas ou da própria experiência, acabamos por desenvolver uma personalidade social, que nos permite sermos mais aceitos pelos outros. Isso não significa que não guardemos, no íntimo, opiniões desagradáveis, ideias agressivas, sentimentos negativos ou vontades inconfessáveis, que não dividimos com ninguém.

E é nesse ponto que se conclui que o fato de alguém se portar de maneira socialmente adequada não garante sua inocência quando falamos de violência sexual. O comportamento abusivo é um evento da esfera íntima, relativo à sexualidade do agressor, âmbito que, por natureza, não costumamos expor. Além disso, o abuso também se relaciona a outras questões de ordem privada, como agressividade, necessidade de poder ou desejo de submeter os outros à própria lascívia. Em muitos casos, o ímpeto de abusar surge de forma impulsiva, sem que o agressor consiga compreender exatamente o que produz essa vontade. De uma forma ou de outra, o que todo agressor sabe é que esse é um comportamento socialmente reprovável, que causa ódio e repulsa na maioria das pessoas. Sendo assim, os abusadores procuram se manter a salvo de suspeitas, agindo de forma amável e inspirando confiança.

Outro estímulo ao bom comportamento dos agressores é o fato de que inspirar a confiança dos familiares facilita o acesso às vítimas e também dificulta que os abusos sejam descobertos. É muito mais complicado para uma vítima denunciar alguém que faz parte do seu círculo de convivência, seja pelos conflitos internos que surgem a partir do abuso, seja pelos conflitos externos que a revelação pode provocar na família.

Dito isso, cabe entender que ninguém está acima de qualquer suspeita, quando se trata de violência sexual. Mesmo pessoas de postura ilibada podem abusar de crianças e adolescentes, de forma que todas as suspeitas devem ser devidamente investigadas. 

Juliana Borges Naves

29 de setembro de 2021Comments are off for this post.

Sinais e Sintomas do Abuso Sexual de Crianças e Adolescentes

Quais os sintomas da violência sexual de crianças e adolescentes? Como eu sei que uma criança foi molestada? Que sinais a vítima dá quando sofreu um abuso sexual? Essas são algumas das perguntas mais comuns sobre o assunto e que afligem os pais que suspeitam que seus filhos passaram por esse tipo de situação.

A estratégia mais básica nesse sentido envolve procurar por condições físicas que possam comprovar a violência. Hematomas na pele, lesões genitais, presença de doenças sexualmente transmissíveis, corrimento, entre outros, são alguns dos fatores que aumentam a suspeita de um abuso. Mesmo assim, sabemos que a maior parte dos abusos sexuais não deixa evidências corporais e alguns deles ocorrem, inclusive, sem o toque na vítima, o que também não deixa marcas. Nessas condições, outros sinais e sintomas devem ser investigados.

De modo geral, crianças e adolescentes molestados dão algum indicativo de que estão vivendo um estresse complicado, com o qual não sabem lidar. Elas podem não conseguir verbalizar sobre essa dificuldade, mas os pais usualmente identificam que há algo errado a partir de alterações no comportamento e humor de seus filhos. Costumam dizer que “ele não era assim” quando percebem que suas crianças e adolescentes estão diferentes em função de algum problema.

As vítimas normalmente são descritas por estarem mais choronas, tristes, isoladas ou quietas. Tornam-se menos brincalhonas e participativas nos momentos em família. Algumas se mostram mais irritadas, agressivas, nervosas, rebeldes, desobedientes ou respondonas. No caso de crianças muito pequenas podem, por exemplo, voltar a fazer xixi na cama, enquanto as mais velhas podem se envolver em condutas autodestrutivas, como o abuso de drogas e bebidas ou a realização de cortes no próprio corpo. Quedas no rendimento escolar costumam ser frequentes e os professores muitas vezes também notam que aquele aluno está se comportando de forma inusual. Buscar informações com a escola, portanto, é recomendável.

Apesar da masturbação aparecer naturalmente em várias etapas da vida desde crianças muito pequenas, ela pode se tornar excessiva naquelas que foram abusadas. Pode ainda aparecer de forma inapropriada àquela idade, por exemplo, como quando a criança introduz objetos ou os dedos na vagina ou ânus.  

Disso tudo que foi dito, o principal é que não existe uma lista de sinais e sintomas que vão ser encontrados em todas as crianças/adolescentes que foram molestados. A maneira como cada vítima reage é muito diferente e o mais importante é que cada pai e mãe fique atento para quando o filho está agindo fora do que é habitual. Esse é o alerta!

Liliane Domingos Martins

15 de setembro de 2021Comments are off for this post.

Intimidade Privacidade e Autonomia: 3 aliados na luta contra o abuso sexual

Sempre falamos dos 3 Rs da autoproteção, ou seja, da importância de ensinar  crianças e adolescentes a Reconhecer, Reagir e Relatar situações suspeitas. Essa é uma boa estratégia de prevenção do abuso sexual, mas cujo sucesso depende da aquisição de algumas noções importantes, que podem ser desenvolvidas desde muito cedo com nossas crianças.

Quando se trata de violência sexual, não é fácil reconhecer situações de risco, já que esses riscos raramente são muito claros. Primeiro porque a maioria dos agressores é alguém próximo da criança, que conta com a confiança tanto dela quanto da família. Depois, porque nem sempre o abuso ocorre de maneira a gerar desconforto. Muitos agressores iniciam suas práticas com toques sutis e agradáveis, inseridos em ações corriqueiras de cuidado ou em brincadeiras, que vão evoluindo para contatos mais sexualizados com o passar do tempo. Além disso, o fato de que as crianças são geralmente ensinadas a respeitar e obedecer sem questionamento os adultos favorece a ação desses agressores.

A tarefa de proteger nossos pequenos deve ser constante, assim como é o risco de que se tornem vítimas desse crime tão terrível. É um trabalho amplo, que vai além de explicar para a criança que existem abusadores e que ela deve reagir e relatar, se for abordada por algum deles.

É por isso que hoje vamos trabalhar três pontos fundamentais, não só para a prevenção da violência sexual, como também para o desenvolvimento de habilidades emocionais e sociais úteis em qualquer situação. 

Para que uma criança possa de fato reconhecer situações abusivas, é interessante que ela desenvolva de maneira efetiva as noções de Intimidade, Privacidade e Autonomia. Nosso convite é para que esses elementos, naturalmente presentes de um modo ou outro na educação corriqueira das crianças, sejam abordados pelos cuidadores, pais ou responsáveis de forma consciente, em toda sua potencialidade.

O primeiro desses conceitos, Intimidade, se refere à percepção de que certas coisas são particulares e só devem ser divididas com poucas pessoas, em momentos especiais. Na construção da ideia de Intimidade, algo importante é ensinar as crianças a identificarem e nomearem cada parte do próprio corpo, entendendo que algumas delas são diferenciadas. Nesse sentido, a concepção de partes íntimas pode ser trazida desde muito cedo, aliada à informação de que essas partes devem ser resguardadas e não podem ser tocadas por outras pessoas, a menos que a criança precise de algum cuidado específico, de higiene ou médico, por exemplo. 

Vale dizer que o conceito de Intimidade não se limita a demarcar algumas partes particulares no corpo da criança. Nessa lógica, é importante que a criança seja resguardada não só com relação ao seu corpo, mas também numa perspectiva subjetiva. Respeitar a intimidade da criança envolve também escutá-la com atenção, valorizar suas dúvidas, buscando esclarecê-las, considerar suas emoções e validar seus sentimentos. 

Se observarmos com atenção, veremos que essa não é a postura tomada pela maioria dos adultos. Tanto que, o que mais ocorre quando uma criança cai e chora, é encontrar um adulto que lhe diga para se levantar logo, que não foi nada e nem doeu. Embora pareça uma bobagem, esse tipo de conduta transmite para a criança a percepção de que a dor que ela de fato sente talvez nem seja verdade, pois não é validada pelo outro. Aqui, o adulto não só se coloca como quem sabe mais do que a criança, mas também como quem é incapaz de entender e acolher seu sofrimento ou dificuldade.

O conceito de Privacidade amplia, de certa forma, a ideia de Intimidade. Privacidade é a concepção de um espaço pessoal, muitas vezes concreto, onde se pode experimentar momentos particulares ou condutas que, socialmente, se dão fora da vista das outras pessoas. Nesse ponto, entra a noção de pudor e a percepção de que algumas coisas são socialmente aceitas, quando são públicas, enquanto outras não são tão adequadas e devem ser resguardadas. É a partir desse entendimento que a criança será capaz de identificar o espaço dela e o espaço do outro e compreender que é preciso pedir ou conceder permissão para o acesso a determinados ambientes. 

Aqui, precisamos fazer a distinção entre privacidade e segredo. Privacidade tem a ver com coisas que são sabidas e adequadas, mas não devem ser socializadas, como os momentos de higiene ou de exploração íntima e natural do próprio corpo. Segredo pode envolver condutas vergonhosas ou inadequadas, que não são divididas por medo ou constrangimento.

Finalmente, chegamos à questão da Autonomia, postura que deve ser cultivada e incentivada desde muito cedo. Quanto mais independente for uma criança, tanto com relação aos cuidados com o próprio corpo, tanto em termos de formular seus próprios pensamentos e dúvidas, tendo a tranquilidade de expor isso sem medo, menos chance ela terá de ser vítima de abuso.

A noção de Intimidade, a concepção de Privacidade e o desenvolvimento da Autonomia são fortes aliados na prevenção da violência sexual, além de ferramentas valiosas para o bom relacionamento da crianças consigo mesma e com o mundo.

Juliana Borges Naves

2 de setembro de 2021Comments are off for this post.

Fatores socioculturais que aumentam o risco de vitimização

Já falamos inúmeras vezes que a violência sexual contra crianças e adolescentes não é um fenômeno que acontece exclusivamente em uma determinada classe socioeconômica ou em determinado tipo de estrutura familiar, grupo étnico, religioso, cultural ou orientação sexual. Ao contrário disso, a vitimização de crianças e adolescentes é uma realidade mais ampla, que abrange todos os perfis, tornando-se um problema global a ser enfrentado. 

Assim, o abuso sexual não acontece apenas em famílias pobres e “desestruturadas”, como muitas vezes o senso comum acredita ser. Trata-se de um tipo de evento suscetível de ocorrer igualmente nas famílias “bem estruturadas”, de alto padrão socioeconômico e vida religiosa ativa. Isso se dá porque os abusos são praticados por pessoas, e não grupos ou perfis sociais. 

Dito isso, vale analisar que o abuso sexual envolve situações particulares de dominação dentro de uma relação desigual de poder: um agressor exercendo seu poder sobre uma vítima. Nesse sentido, podemos pensar em situações mais amplas que reforçam e acentuam essa desigualdade de poder e assim, por uma via indireta, podem contribuir para um aumento do risco para a ocorrência de violações diversas, entre elas, a violência sexual infantojuvenil. 

As situações de crise financeira e econômica, principalmente aquelas que perduram por longo tempo, contribuem para a construção de um cenário de instabilidade, estresse e tensão social, aumentando a incidência de crimes e violência de modo geral. Nesse contexto de fragilidade social, a violência doméstica, especialmente aquela que vitimiza os mais vulneráveis (como as mulheres e crianças), aumenta significativamente. Junto a isso, verifica-se também uma tendência geral de aumento dos abusos sexuais praticados contra as crianças. 

Um exemplo de como a crise financeira e a instabilidade social aumentam os índices de violência pode ser observado atualmente com a pandemia da Covid 19 e as medidas de distanciamento social. Os dados preliminares apontam para um aumento nas ocorrências de violência contra a mulher, assim como um aumento dos abusos sexuais contra crianças e adolescentes. 

Outro ponto que pode implicar em um aumento nas taxas de vitimização são os ambientes sociais em que imperam um modelo machista de relação, onde a mulher é comumente objetificada, ou seja, desconsiderada enquanto sujeito. Modelos socioculturais de naturalização das diferenças entre homens e mulheres predispõe a relações abusivas de modo geral, entre elas, abusos de natureza sexual que atingem também as crianças e adolescentes. 

Do mesmo modo, sociedades adultocêntricas (como a nossa), onde o poder de escolha, liberdade e direitos concentra-se nos adultos, favorecem situações de vitimização dos mais jovens, uma vez que estes não são ouvidos ou suas opiniões e posicionamentos são considerados irrelevantes. Junto a isso, modelos “educacionais” violentos, que banalizam o uso da agressão física e a imposição da força e da vontade sobre o outro, reforçam a tendência de vitimização sexual infantojuvenil. 

Por fim, o implemento e a ampliação da virtualidade das relações, tem surgido como campo para o aumento da violência sexual por meios digitais. A naturalização das telas e o livre acesso dos jovens a dispositivos com acesso à internet amplia o alcance do conhecimento e traz inúmeros benefícios aos usuários. Contudo, também amplifica riscos diversos, tais como a exposição à pornografia, o aliciamento por parte de pedófilos, a indução ao sexting, os assédios sexuais, dentre outros.

Silvia Pereira Guimarães

25 de agosto de 2021Comments are off for this post.

Entre a culpa e a responsabilidade

É muito recorrente que vítimas de abuso sexual relatem sentir culpa pela violência que viveram. Esse sentimento, tão presente e forte, pode até mesmo impedir que muitas delas tomem coragem para colocar limites no abuso ou para revelarem a alguém sobre essa situação. 

Quando falamos em culpa, devemos levar em conta que ela compreende dois aspectos. Uma coisa é a culpa no sentido legal do termo, que se refere ao componente de responsabilidade pela agressão. Outra coisa é a culpa no sentido psicológico, expressa pelo afeto que surge a partir da interpretação particular da vítima sobre a experiência abusiva.

Feita essa diferenciação, cabe ressaltar que, em todas as situações de assédio, a culpa, no seu sentido legal, é sempre do agressor. Isso quer dizer que, em nenhuma hipótese, a vítima pode ser responsabilizada pela violência que sofreu. Isso porque a culpa, enquanto ligada à responsabilidade pela violência, é obviamente de quem comete o ato.

Infelizmente, isso nem sempre fica claro e é comum que quem sofreu a agressão seja responsabilizado pela própria vitimização, em razão de seus hábitos, comportamentos ou do modo de se vestir. Se soma a esse erro a ideia equivocada de que a vítima pode ter consentido com o abuso de alguma forma, como nos casos em que não conseguiu esboçar reação. 

No que se refere à culpa que muitas vítimas experimentam, entende-se que depende de aspectos individuais e pode se originar por inúmeras causas. Embora não tenha responsabilidade legal pelo abuso, a vítima pode sentir-se culpada, por exemplo, por manter afeto ou proximidade com o agressor. Pode ainda sentir-se mal por não ter percebido o caráter perverso da interação a tempo de se proteger ou por ter tido alguma sensação fisicamente agradável durante o abuso, a despeito do desconforto emocional que a situação lhe causou.

Vemos que, em muitos casos, esse tipo de culpa nasce da ideia de que seria possível fazer as coisas de forma totalmente diferente. Olhando em retrospectiva, a pessoa se imagina capaz de estar mais alerta, de reagir de outro modo e de se autoproteger. É preciso entender que tais hipóteses partem de uma análise posterior, feita com elementos que a pessoa não tinha antes da agressão e, nesse sentido, constituem uma fantasia que não seria viável na prática. 

Além disso, nem sempre o abuso envolve violência física e muitos agressores investem seus recursos em um longo processo de aliciamento, a partir do qual identificam os pontos fracos de seu alvo, bem como as condições mais favoráveis para agir. Diante disso, podem se mostrar extremamente gentis e amáveis, carinhosos e companheiros, atitude que cria um vínculo de confiança, diminui a resistência da vítima e confunde sua percepção, possibilitando a conclusão do ato abusivo.

É importante saber que a culpa sentida pela vítima não só amplifica seu sofrimento, mas também dificulta a elaboração do trauma gerado pela experiência abusiva. Esse sentimento merece o cuidado profissional e pode ser devidamente trabalhado dentro de um processo psicoterapêutico. 

No que diz respeito à culpa por parte do agressor, cabe a devida punição legal, a partir da qual ele pode quitar sua dívida com a sociedade.

Juliana Borges Naves

11 de agosto de 2021Comments are off for this post.

Silêncio sobre os Abusos: estratégias dos agressores para evitar a revelação da violência sexual

Garantir que uma vítima de abuso sexual permaneça em silêncio sobre a violência interessa enormemente ao agressor. Em primeiro lugar, a situação é vantajosa para ele porque a criança continua submetida a seus atos, oportunizando repetições dos episódios abusivos. Além do mais, quando a vítima não revela o problema vivenciado, é menor o risco de que o abusador seja exposto socialmente, denunciado e preso.

Por si só, os casos de violência sexual são difíceis de serem trazidos à tona pelas crianças e adolescentes. Tratam-se de ocorrências que provocam grande desorganização psicológica e que mobilizam sentimentos de medo, ansiedade, vergonha e culpa. Frente ao trauma, normalmente as pessoas evitam pensar sobre o evento adverso e, para as vítimas, é bastante complicado administrar o impacto emocional, encarar a necessidade de rememorar as cenas de violência e falar sobre elas para terceiros. Isso tudo costuma ser suficiente para que crianças e adolescentes submetidos a abusos demorem, ou até mesmo, nunca revelem sobre essa experiência. 

Não bastasse essa limitação para as vítimas contarem o problema, os agressores sexuais costumam usar de estratégias diversas para minimizar as possibilidades de que os abusos sejam explicitados. Uma de suas táticas mais frequentes para isso envolve a realização de ameaças à integridade física da criança/adolescente ou de pessoas que ela ama. Nesses casos, as vítimas são intimidadas por meio de frases como: “Se você contar para alguém, vou te dar uma surra”, “eu te mato” ou “eu mato a sua mãe”.

A chantagem emocional é outra maneira que alguns abusadores adotam para forçar a vítima a esconder sobre a violência. Nesses casos, a manipulação costuma funcionar quando há vínculo afetivo entre ele e a criança, ou ainda, quando a família depende financeiramente dele. Assim, o agressor alerta a vítima de que ele pode ser preso pelos abusos, sendo que será culpa dela se ele for afastado da convivência em casa ou se a mãe e os irmãos não tiverem recursos para se manterem.

Outra alternativa explorada pelos agressores para manter as crianças caladas sobre os abusos sofridos envolve a sedução de suas vítimas através de benefícios materiais. Aqui, eles negociam pelo segredo sobre a violência oferecendo presentes, dinheiro, doces ou outros tipos de itens que sejam atrativos aos pequenos. Podem, deste modo, usar barganhas como: “Não fala disso com ninguém e te dou um telefone celular”.

Além das inúmeras táticas já mencionadas, para garantir que a criança não revele um abuso, o agressor muitas vezes procura convencer a vítima de que, por ser adulto, ele tende a ter mais credibilidade que alguém mais novo. Tendo em vista que nossa cultura é adultocêntrica e que as crianças são ensinadas a sempre obedecerem aos mais velhos, é usual que as vítimas se sintam receosas em se posicionarem contra um adulto. Os abusadores se aproveitam desse temor e lhes dizem coisas, tais como: “Se você falar algo sobre isso, vão dizer que você é mentirosa” ou “Ninguém vai acreditar em você”.

É devido às circunstâncias aqui discutidas que estimulamos os pais a criarem um ambiente de diálogo permanente em casa. A confiança em seus genitores, o acolhimento recebido cotidianamente por parte deles e a compreensão de que eles são preparados para protegê-las, facilita com que as crianças exponham sobre suas experiências ruins, ainda que estejam sob pressão. Construído aos poucos, é esse tipo de suporte emocional que ajuda que situações abusivas sejam reveladas muito precocemente, eliminando o contexto de segredo e silêncio tão interessante aos agressores. 

Liliane Domingos Martins