4 de agosto de 2021Comments are off for this post.

Como acontece o aliciamento e abuso sexual on-line

As crianças e adolescentes de hoje comumente são chamados de nativos digitais, uma vez que, desde que nasceram, as tecnologias digitais estão presentes em sua vida. Desse modo, desde muito cedo esses jovens frequentam o imenso espaço público social chamado internet. 

Apesar da grande familiaridade com as diversas ferramentas tecnológicas, não se pode considerar que os nativos digitais tenham essa mesma habilidade para avaliar e gerenciar os riscos existentes nestes espaços. O domínio tecnológico não anda de mãos dadas com a capacidade crítica, estas são habilidades/aptidões distintas. Nesse sentido, é importante que adultos entendam os riscos e saibam como orientar seus filhos a respeito disso. 

Sendo a internet um espaço democrático e livre, existem pessoas que fazem uso disso para enganar, seduzir ou induzir crianças e adolescentes a acessar conteúdos inadequados, como por exemplo a pornografia. Além disso, algumas vezes esses jovens são encorajados a enviar fotos e informações pessoais com propósitos duvidosos. Em alguns casos, são incitados até mesmo a encontros presenciais. 

Em geral, os abusadores sexuais usam ferramentas de bate-papo como os chats de jogos on line, as redes sociais, ou aplicativos de troca de mensagens para se aproximarem dos jovens. Ali, se aproveitando do anonimato, essas pessoas podem se passar por adolescentes, por crianças da mesma idade ou um pouco mais velhas, para atrair o interesse com assuntos que agradam suas vítimas potenciais. 

De modo geral, a abordagem pela internet costuma ser sutil e disfarçada. Os abusadores gastam um longo tempo na seleção, abordagem e no envolvimento da vítima, colocando em ação um processo chamado de aliciamento. A partir daí, constroem uma amizade, pautada em conversas sobre assuntos de interesse da criança/adolescente (jogos, esportes, personagens infantis, artistas de interesse do adolescente, etc), elogios, encorajamento para conversas mais privadas. Muitas vezes, os abusadores seduzem com promessas que parecem tentadoras às vítimas (por exemplo, apresentar algum famoso ou alguém que possibilita a realização do sonho do jovem; presentear com coisas materiais, como compra de itens/acessórios para jogos online, etc).

Quando já existe uma relação de amizade estabelecida, o abusador passa a focar no aumento da intimidade com a vítima e na introdução gradativa de material sexual. Tudo começa com perguntas inocentes como “você já foi beijada?”, “você tem namorado?”. Em alguns casos, pode se tornar um conselheiro amoroso/sexual. 

Com o passar do tempo, o abusador envia fotos pornográficas para estimular a fantasia e a curiosidade da criança, assim como diminuir sua inibição. O passo seguinte é pedir que a criança/adolescente produza fotos ou vídeos mostrando partes do corpo ou simulando alguma cena sexual. 

Assim, o conteúdo sexual que inicialmente era moderado, aos poucos se torna mais explícito. Existem casos em que o abusador ensina a criança a se masturbar ou tenta progredir para um encontro pessoal e contato sexual real. Todas as etapas envolvem muitos elogios, encorajamento positivo e clima de descontração e amizade. O objetivo é não causar medo na vítima, para que ela não revele o segredo.

É comum que, em determinada etapa dessa aproximação, a vítima se sinta desconfortável e queira parar o contato ou se negue a enviar algum material íntimo. Nessas situações, muitos abusadores mudam a estratégia e passam a utilizar as imagens que possuem para chantagear as vítimas em busca de mais fotos/vídeos ou de encontros, sob ameaça de divulgação. 

Sentindo-se culpada e com vergonha por ter tirado fotos/vídeos, comumente a vítima não tem coragem de buscar ajuda, especialmente dos pais. Não querendo que outras pessoas tenham acesso àquele material íntimo, alguns jovens se tornam reféns do abusador que passa a chantagear e ameaçar a criança e a sua família. 

Esse é um dos principais e mais comuns cenários de abuso sexual on-line. E o que fazer diante disso? Conversar e orientar os filhos sobre esse tipo de risco é um dos primeiros passos. Pesquise e aprenda sobre segurança na internet e formas de orientar crianças e adolescentes sobre o assunto. Estabeleça uma relação de confiança que permita esse tipo de conversa e lembre-se: conhecimento é proteção. 

Silvia Pereira Guimarães

28 de julho de 2021Comments are off for this post.

Como falar de violência sexual sem assustar as crianças

Boa parte das pessoas se choca com o fato de que haja adultos capazes de abusar sexualmente de crianças e a dificuldade em lidar com essa possibilidade é tanta que muita gente nem mesmo pensa sobre esse assunto. Entretanto, negar a realidade não faz com que ela mude e se a gente quer mesmo proporcionar alguma segurança para as crianças que a gente ama, não tem jeito, é preciso enfrentar o problema.

Quanto ao que uma família pode fazer para proteger os seus, orientações em termos de prevenção da violência sexual são fundamentais. Mas como falar sobre isso sem assustar as crianças?

No que diz respeito à segurança delas, quantos assuntos já não tratamos de forma corriqueira, a partir de ações do dia a dia? Não é assim que introduzimos hábitos de higiene, orientamos sobre os cuidados necessários para atravessar a rua ou para evitar acidentes como choques ou queimaduras? Da mesma forma, a preocupação com os perigos do abuso sexual deve estar presente no nosso cotidiano. 

Vemos que, em geral, as orientações nesse sentido costumam se resumir à informação de que as crianças não devem conversar com estranhos. Mas como sempre falamos por aqui, a maioria dos atos de assédio parte de familiares ou de pessoas próximas à vítima, o que torna esse tipo de precaução praticamente inútil para evitar que o abuso aconteça. 

Estratégias efetivas de prevenção envolvem educação em sexualidade, ou seja, estímulo para que as crianças tenham autonomia sobre o próprio corpo, sejam validadas quanto aos próprios sentimentos, identifiquem situações prazerosas e desprazerosas, bem como desenvolvam estratégias de autoproteção no seu contato físico ou afetivo com os outros. 

Uma atitude simples, mas que ajuda muito, é ensinar, o quanto antes, a criança a nomear todas as partes do corpo. Além disso, desenvolver a ideia de que algumas dessas partes são íntimas e não devem ser tocadas senão em situações específicas, caso precisem de ajuda. Nessa lógica, ainda que a família utilize apelidos para se referir à vulva e ao pênis, por exemplo, é importante que se oriente quanto aos nomes mais técnicos, para que a criança possa ser compreendida, caso precise reportar alguma situação abusiva.

A noção de privacidade também é fundamental. É necessário orientar que algumas coisas ou momentos são íntimos e devem ser respeitados. Por isso, em público usamos roupas de banho, calcinha ou cueca e fechamos a porta quando estamos no banheiro, por exemplo.

Nesse ponto, cabe esclarecer que a curiosidade sobre a diferença entre meninos e meninas surge naturalmente por volta dos três anos de idade, quando as partes íntimas passam a chamar maior atenção. É a época das perguntas constrangedoras, bem como dos atos de manipulação dos genitais, que tanto assustam muitas famílias. Essa preocupação muitas vezes é infundada, haja visto que a estimulação da vulva ou do pênis é uma atividade típica da criança nessa época e tem natureza diversa do que conhecemos propriamente como masturbação. No caso das crianças, tal comportamento tem como base a curiosidade em conhecer o próprio corpo e em experimentar as sensações de bem estar que este pode proporcionar, sem o componente erótico que integra a experiência de masturbação na fase adulta. 

Nesse contexto, é importante trabalhar com os pequenos a ideia de que é natural que sinta algumas sensações quando toca aquela parte do corpo, mas que se trata de uma área sensível, com a qual precisa lidar com certos cuidados, como delicadeza e higiene. Fundamental é reforçar a noção de que se trata de uma parte íntima, que só deve ser tocada por ela e mais ninguém, com raras exceções. Ademais, também deve-se orientar que a automanipulação deve ocorrer de forma privativa e não à vista das demais pessoas.   Com o tempo, esse comportamento tende a perder a frequência para as atividades cognitivas que integram a fase posterior, quando a atenção da criança se volta para as relações de amizade e a aquisição de conhecimento.

Outra ação preventiva que pode ser feita no dia a dia da família é o estímulo ao diálogo e o estabelecimento de um vínculo de confiança com as crianças.  Isso pode ser feito a partir de perguntas rotineiras sobre os acontecimentos do dia e sobre seus sentimentos. Aqui, o importante é construir perguntas livres, de forma que se sintam interessadas em respondê-las. Além disso, cumpre dizer abertamente que podem pedir ajuda sempre que precisarem, pois serão invariavelmente apoiadas. Tudo isso pode ajudar muito para que nossos pequenos não se sintam desamparados diante dos problemas que vierem a surgir.

Juliana Borges Naves

21 de julho de 2021Comments are off for this post.

Problemas dos Testes de Virgindade

A virgindade é um conceito construído socialmente em torno da primeira experiência sexual. Para as pessoas do sexo feminino, a ideia de “perder a virgindade” usualmente está atrelada ao hímen, que é uma membrana que recobre parcialmente a área interna da genitália feminina e que, supostamente, se rompe com a penetração sexual.  

Baseado nesse entendimento, é comum que crianças e adolescentes sob suspeita de vitimização sexual sejam encaminhados para exames dedicados a avaliar se foram submetidas à penetração. Tais exames consistem na inspeção do órgão genital de meninas para verificar, a partir da aparência das estruturas dessa região corporal, se há anormalidades do hímen, como lacerações, cicatrizes, perfuração, alargamento do canal ou outros tipos de lesões resultantes de violação íntima.

Na nossa experiência, é comum observar que, ante a uma denúncia de abuso sexual contra uma criança ou adolescente, a família se sinta tranquilizada pelo resultado desse tipo de exame quando não são encontrados indícios físicos que confirmem a violência. Acreditam que isso significa que a criança ou adolescente não foi molestado, o que normalmente não condiz com a realidade.

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a violência sexual contra crianças e adolescentes nem sempre envolve contato físico e, nessas condições, obviamente não será possível identificar qualquer sinal corporal que evidencie o abuso. Além disso, a literatura científica tem apontado problemas com os exames acima referidos. Uma série de estudos recentes tem demonstrado que, mesmo quando a vítima alega que a violência ocorreu com a penetração de dedo ou pênis em sua vagina ou ânus, são enormemente frequentes os casos em que nenhum indício do estupro aparece. Isso se dá por vários fatores, como pela rápida capacidade de regeneração das mucosas em crianças e adolescentes e, especialmente, porque há tantas variações na constituição himenal que é muito difícil discriminar suas variações anatômicas.

Em 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) se posicionou contrária às avaliações médicas que envolvem análise da integridade do hímen para conclusões sobre virgindade, isso mesmo em casos de violência sexual. Além de considerar as questões já postas por esse texto, a entidade acrescenta que esses exames são invasivos, de forma que têm efeito revitimizante sobre vítimas de violência sexual e constituem-se em violações aos direitos humanos. Ao exposto, coloca ainda que, a despeito da insuficiência das conclusões que oferecem, os exames de virgindade tendem a ser amplamente aceitos pelos tribunais, em detrimento da palavra da vítima e em favor do agressor, que muitas vezes se mantém impune.

De modo geral, existe um movimento global para a abolição dos exames de virgindade, fortemente apoiado pela comunidade científica. Não há razão para que esse tipo de prática continue a ser empregada e, sendo assim, é importante que pais e profissionais estejam cientes acerca de suas limitações para evitar conclusões sobre denúncias de abuso tão somente com base nessas avaliações. 

Liliane Domingos Martins

14 de julho de 2021Comments are off for this post.

Os dois pontos fundamentais da prevenção ao abuso sexual de crianças

Como já falamos aqui por várias vezes, o abuso sexual de crianças é uma realidade extremamente frequente em nossa sociedade. Os dados oficiais do governo, ainda que subnotificados, apontam para um número alarmante de meninas e meninos com idades inferiores a 14 anos vitimados. 

Diante desse quadro, ressaltamos que o conhecimento é o que propicia a adoção de posturas protetivas contra a violência sexual infantojuvenil. Existem dois pontos fundamentais nos quais se baseia o viés preventivo: a educação sexual da criança e o estabelecimento de vínculos de confiança. 

Mas o que isso quer dizer?

Isso quer dizer que é importante que crianças e adolescentes recebam educação sexual desde cedo, de forma adequada e em linguagem apropriada para sua faixa etária. Educação em sexualidade não é falar sobre sexo, mas sim falar sobre o corpo, sobre autocuidado e autoproteção. Quando são ensinados temas como consentimento, desenvolvimento e integridade corporal, a diferença entre toques agradáveis/permitidos e os toques desagradáveis/invasivos, as crianças e adolescentes se tornam menos vulneráveis a violações sexuais. 

Isso significa que tratar a sexualidade como tabu ou como assunto que não pode ser conversado dificulta a proteção dos mais jovens. Quando a criança não conhece o próprio corpo e não se apropria dele, apresenta maior dificuldade em reconhecer uma aproximação abusiva e impor limite. Quando ela conhece seu próprio corpo, tem mais chance de perceber quando sua privacidade está sendo violada e, a partir daí, buscar ajuda, relatar seu incômodo a um adulto de confiança, ou até mesmo reagir àquela situação. 

O segundo ponto fundamental da prevenção ao abuso sexual refere-se ao estabelecimento de vínculos de confiança. Isso aponta para a importância da construção de uma relação de amparo e liberdade entre a criança e o adulto de referência (que pode ser a mãe, o pai, algum familiar ou outra figura protetiva). Trata-se de um relacionamento em que a criança se sente segura para dizer abertamente o que está lhe incomodando, inclusive sobre temas da sexualidade, sabendo que aquele conteúdo será escutado e não castigado ou reprimido. 

Nesse tipo de ligação, o adulto tem a possibilidade de acompanhar o desenvolvimento da criança, podendo identificar, por exemplo, quando ela está vivendo um momento de angústia e sofrimento. A partir daí, é possível estabelecer um diálogo que lhe permita falar, relatar o que está acontecendo. Cabe ao adulto aprender a escutar a criança sem repreendê-la ou humilhá-la, mas entendendo que aquilo que ela expressa é algo relevante para ela. 

É importante lembrar que, com relativa frequência, abusos sexuais acontecem de forma gradativa, em um crescente de avanços sexuais. Quando a criança tem uma figura de referência a quem ela consegue dividir os acontecimentos do dia a dia e suas dificuldades, em uma situação de uma aproximação inadequada, ela poderá compartilhar seu incômodo mais precocemente, possibilitando que sejam tomadas as providências que irão afastar um provável abusador. Quando a criança não tem um adulto de sua confiança a quem recorrer, ela se torna mais vulnerável a aproximações abusivas.

Por fim, temos que entender que a chave para a proteção das crianças e adolescentes contra as violações sexuais está nas mãos dos adultos. As melhores estratégias preventivas encontram-se na educação sexual que será oferecida à criança e na construção de uma relação de confiança. A via da proteção não é fácil, nem rápida, mas é fundamental. Ela requer conhecimento e sensibilidade. Ela exige tempo e paciência. Ela demanda constância e amor. 

Silvia Pereira Guimarães

7 de julho de 2021Comments are off for this post.

Quem tem medo da educação sexual?

Atualmente, falar sobre educação sexual pode gerar polêmica, principalmente porque muita desinformação acabou contaminando esse tema tão importante, fundamental para o desenvolvimento e para a proteção de nossas crianças e adolescentes. 

Antes de mais nada, vale esclarecer que educação sexual ou educação em sexualidade nada tem a ver com tratar de assuntos eróticos com crianças, de estimulá-las ao sexo ou a influenciar quanto à orientação de gênero. Esse tipo de equívoco parte de um desconhecimento grave e muitas vezes preconceituoso sobre o assunto. 

Para começo de conversa, é preciso ter em mente que a sexualidade humana é bastante ampla e não se resume à atividade sexual propriamente dita, que é apenas uma das expressões possíveis da sexualidade na fase adulta. O que entendemos por sexualidade envolve a capacidade que cada ser humano tem de se relacionar afetivamente com o mundo e com os outros, na busca de prazer e de bem estar. 

A sexualidade está presente desde o nascimento e se manifesta, em cada fase, de uma maneira específica. A satisfação que um bebê tem ao ser aconchegado e alimentado, por exemplo, tem a ver com sexualidade, assim como o ciúme que a criança sente de seus brinquedos ou dos pais, a partir da chegada de um irmãozinho. A sexualidade compreende o estabelecimento de vínculos, o investimento de afeto e a busca de cada pessoa por evitar o desprazer.

Dizer que não só os adultos, mas também as crianças têm sexualidade é considerar que, desde bebês, temos um corpo completo, capaz de experimentar sensações variadas a partir dos estímulos externos. Assim, muito precocemente, o contato dos outros com nosso corpo, nos momentos de cuidado, por exemplo, gera efeitos, tanto no plano físico quanto no psíquico. 

Além disso, também compõe a sexualidade a relação de cada um consigo mesmo, a aquisição de uma imagem corporal e as marcas deixadas pelas experiências de satisfação e insatisfação. 

Cada fase da vida implica em uma expressão correspondente de sexualidade. A esse respeito, é importante conhecermos os interesses e comportamentos típicos de cada etapa de desenvolvimento, tanto para que possamos confirmar nossas crianças em experiências que para elas são importantes, quanto para sermos capazes de identificar sinais de conflito a partir de comportamentos atípicos.

Cabe ressaltar que a sexualidade infantil é bastante diferente da dos adultos. Assim, mesmo ações que por vezes são interpretadas como sexualizadas, como a manipulação dos genitais ou os jogos sexuais infantis, têm natureza diversa da masturbação e da relação sexual propriamente dita. Na criança, esses comportamentos costumam se dar a partir da curiosidade sobre o próprio corpo e sobre o corpo do outro, sem o componente erótico que compõe a sexualidade genital. Em razão disso, o contato de crianças com cenas de sexo explícito ou pornografia tende a ser traumático, pois tal conteúdo excede a capacidade delas de elaboração psíquica e emocional.

Entender a sexualidade infantil e compreender as peculiaridades da sexualidade na adolescência pode ajudar enormemente na orientação de nossos pequenos, no estabelecimento de um diálogo franco e na efetiva prevenção do abuso sexual.

Juliana Borges Naves

30 de junho de 2021Comments are off for this post.

Privacidade x Segredo: o que é cada um

Privacidade e segredo são duas coisas bem diferentes. Ambos fazem parte da vida das pessoas, mas é importante entender a distinção entre eles quando se busca cuidar de crianças e adolescentes contra abusos sexuais. 

A privacidade refere-se a certas experiências que os filhos têm sozinhos, mas que os pais sabem a respeito. Por exemplo, a maior parte das pessoas prefere ter privacidade ao usar o banheiro, seja para tomar banho ou usar o sanitário. Essas são situações em que nossas partes íntimas estão expostas e, como sabemos, o ideal é que terceiros não toquem ou vejam essas áreas do corpo dos outros. Sendo assim, as crianças são estimuladas desde novas a serem independentes quanto aos hábitos de higiene, de forma a dispensarem ajuda e a garantirem a própria privacidade nesses momentos.

No desenvolvimento da sexualidade, a exploração dos próprios genitais pela criança, no sentido da curiosidade e da geração de sensações,  é outro hábito natural, com os quais os pais não precisam se chocar. Caso não identifiquem anormalidades nessa prática, devem dar espaço para esclarecer as dúvidas dos filhos sobre o assunto e, principalmente, orientá-los de que tal comportamento deve ser sempre privado. Isso significa que os toques da criança em seus órgãos genitais devem ser realizados em locais isolados e sem contato com outras pessoas. Elas não podem, assim, fazer isso na escola, na frente de colegas ou de qualquer um mais velho.

Dessa maneira, a privacidade é assumida como algo bom, que permite ao indivíduo se conhecer melhor, a aprender sobre seus limites e sobre a importância de que respeitem seu espaço pessoal e momentos mais particulares, tudo isso feito de forma segura. De modo oposto, o segredo não costuma ser algo positivo, já que  ele surge de situações em que as crianças e adolescentes estão amedrontados ou constrangidos demais para contar aos pais sobre o que se passou.

Crianças que temem seus genitores, que têm receio de apanhar ou de sofrerem castigos severos procuram guardar segredos de seus pais como meio de evitar tais punições. Do mesmo jeito, aquelas que não têm um diálogo próximo e fácil com os seus responsáveis podem se sentir desconfortáveis para esclarecer sobre situações que envolvam as próprias descobertas sexuais, as dúvidas quanto ao tema, ou mesmo, para comunicar sobre qualquer aproximação abusiva.

Nesses casos, o segredo representa uma ameaça à segurança das crianças ou adolescentes, pois eles ainda não têm capacidade suficiente para, sem ajuda, dimensionar os riscos de algumas circunstâncias a que são expostos. Os pais, por sua vez, quando desconhecem as situações vividas por seus filhos, não têm como avaliar os problemas que lhes acometem, de onde vêm ou o quanto são perigosos. Em consequência, também não conseguem tomar as providências necessárias para manter suas crianças mais protegidas quanto a essas experiências ruins. Tal quadro faz com que os infantes tornem-se alvos fáceis de pessoas mal intencionadas e que, inclusive, estimulam a manutenção de segredos em relação aos pais. Isso é algo frequente em episódios de violência sexual.

Participe ativamente da vida dos seus filhos, demonstre interesse pelo que fazem, converse com eles sobre atividades cotidianas e permitam também que tenham momentos a sós. Esse tipo de atitude fortalece a identidade e individualidade das crianças e adolescentes, e melhor ainda, fortalece os laços entre pais e filhos. Quando essa relação de proximidade, diálogo e confiança é construída, há menos espaço para segredos e é possível que todos permaneçam mais resguardados contra qualquer forma de violência.

Liliane Domingos Martins

23 de junho de 2021Comments are off for this post.

Comportamentos sexuais “normais” e “anormais” em crianças

Ao longo do desenvolvimento, crianças e adolescentes apresentarão comportamentos que expressam sua sexualidade ainda em desenvolvimento. Tratam-se de expressões de uma sexualidade infantil, bastante diferente daquelas observadas em adultos, e que estão relacionadas às descobertas referentes ao corpo (próprio e dos demais) e às sensações corporais de uma forma geral. 

Nesse sentido, a compreensão sobre o que é esperado em cada etapa do desenvolvimento infantil e quais são os comportamentos sexuais típicos, ou seja, considerados “normais” ou comuns à maioria das crianças, auxilia a pais e filhos lidarem com esse aspecto da vida de uma forma mais natural e tranquila. Além disso, tal conhecimento é fundamental para a identificação de condutas sexuais que fogem do esperado para aquela faixa etária e podem ser indicativos de algum tipo de abuso sexual. 

São exemplos de comportamentos sexuais típicos entre 0 e 4 anos de idade: auto-exploração; auto-estimulação; tocar os genitais; linguagem infantil para falar das partes do corpo; ter curiosidade em relação ao corpo de outras pessoas; exibir os genitais; interesse em atividades no banheiro; brincadeiras de faz-de-conta (“papai e mamãe”, “médico”) etc. Por outro lado, são comportamentos considerados atípicos e que devem chamar a atenção dos pais: usar linguagem sexualmente explícita; forçar o contato sexual com outras crianças; mostrar conhecimento sexual semelhante ao de um adulto; esfregar-se sexualmente em outras pessoas; tocar os genitais de maneira compulsiva, dentre outros. 

Já na faixa etária que vai de 5 a 12 anos de idade, são considerados comportamentos sexuais típicos: aumento das interações experimentais consensuais com outras crianças (no sentido de perceber diferenças e exercitar curiosidade); masturbar-se em particular (esporádico); beijo; toque; exibição; sentir-se enojada ou atraída pelo sexo oposto; fazer perguntas sobre menstruação, gravidez, comportamento sexual; falar mais sobre sexo; aumentar a linguagem sexual ou obscena; simular relações sexuais; relações sexuais digitais ou vaginais em pré-adolescentes, dentre outros. Entretanto, são considerados comportamentos sexuais atípicos nessas idades: masturbar-se em público ou de forma compulsiva; insistir em interações sexuais não consensuais com outras crianças; comportamento ou conhecimento sexual semelhante ao de um adulto; conhecer textura, sabor e cheiro de sêmen; relacionar-se com adultos e crianças de forma sexual, etc.   

Na faixa etária entre os 13 e 16 anos de idade, são exemplos de comportamentos sexuais típicos: fazer perguntas sobre relacionamento e comportamento sexual; usar linguagem sexual; masturbar-se em local privado; experimentação sexual e consensual com outros adolescentes de mesma idade; carícias; algumas vezes, relações sexuais consensuais etc. Todavia, são exemplos de comportamentos sexuais atípicos: masturbar-se em público; ter contato sexual com crianças bem mais novas; levar crianças bem mais novas para “lugares secretos” ou passar tempo incomum em sua companhia; mostrar material sexual para crianças mais novas; ver pornografia infantil na internet; expor os genitais para crianças mais novas; intimidar crianças a manter segredo, dentre outros. 

Condutas sexuais atípicas ou “anormais” em crianças e adolescentes devem sempre ser investigadas, uma vez que podem indicar que foram vítimas de um abuso sexual ou que estão abusando sexualmente de outras crianças. Sabemos que cada caso é um caso, mas, comportamentos sexuais que se mostram muito distantes daquilo que é esperado em determinada faixa etária e que tendem a ser persistentes são um importante sinal de alerta e devem ser foco de investigação.  

Silvia Pereira Guimarães

16 de junho de 2021Comments are off for this post.

Castração química: solução que não resolve

Na tentativa de solucionar o problema do abuso sexual, muito se fala da possibilidade de induzir a castração química do ofensor sexual. O procedimento de castração química é um método reversível, que consiste no uso de remédios que agem sobre a testosterona, diminuindo a libido. Quem faz essa proposta, parte da ideia de que, com menos desejo sexual ou sem a possibilidade de manter uma ereção, o agressor perderia o interesse ou os meios para cometer a violência sexual.

Infelizmente, tenho notícias nada animadoras para quem acredita nessa solução.

Quando se trata desse tipo de violência, devemos lembrar que a relação sexual é apenas um dos atos, dentre inúmeras condutas abusivas possíveis. Nesse sentido, mesmo sem condições de alcançar uma ereção, um agressor pode empreender uma infinidade de práticas, inclusive de penetração digital ou com o uso de objetos.

Há ainda que se considerar que o comportamento abusivo não deriva necessariamente de um interesse erótico por crianças. Para a maioria dos agressores, o abuso se dá por razões como: raiva, vingança, alívio de estresse, percepção de alguma oportunidade ou por uma espécie de exercício de poder sobre a vítima. Nesses casos, a castração química não teria qualquer ação contra a reincidência, já que agir sobre a libido desses indivíduos não teria impacto em outros tipos de motivação. 

Algumas das críticas feitas às propostas de castração química para ofensores sexuais levantam o problema da falta de um perfil comum a esses agressores. Médicos especialistas no assunto, como o Dr. Danilo Barbieri, Coordenador do Ambulatório de Transtornos de Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC, atestam a impossibilidade de encontrar um tratamento padrão que tenha ação efetiva para todos os agressores sexuais. Segundo ele, é preciso entender as particularidades de cada caso para traçar uma terapêutica individualizada. Conforme o profissional coloca, a maioria dos agressores pode se beneficiar de atendimento psicoterapêutico, muitos deles vão necessitar também de tratamento psiquiátrico, mas apenas uma minoria teria indicação médica para o procedimento de castração química, conhecido tecnicamente pelo nome de terapia antagonista da testosterona. 

Embora tanto psicólogos quanto psiquiatras tragam contrapontos a esse tipo de solução, alertando para a pouca efetividade dessa prática, diversos países permitem ou propõem a castração química de agressores sexuais. Em alguns lugares, esse é um tratamento que o agressor pode solicitar voluntariamente, enquanto em outros é pré-condição para a liberdade ou para a progressão da pena. A terapia antagonista da testosterona para ofensores sexuais é usada no Canadá, na Argentina, na Suécia, na Polônia, na Rússia, na Itália, na França, na Indonésia, na Dinamarca e no Oriente Médio, além de em alguns estados dos EUA. Na Califórnia, a castração cirúrgica também é indicada em alguns casos.

No Brasil, vários projetos de lei já tentaram instituir a aplicação da castração química a autores de violência sexual. Sobre isso, é bom que se saiba que os medicamentos com poucos efeitos colaterais administrados mensalmente nesses casos são bastante caros. Aplicar tal terapêutica a todos os ofensores, traria um custo alto, com pouca eficácia prática. Nesse sentido, outros programas de prevenção podem trazer melhores resultados com um menor investimento.

Juliana Borges Naves

9 de junho de 2021Comments are off for this post.

Estatísticas do Abuso Sexual de Crianças e Adolescentes

O abuso sexual de crianças e adolescentes é mais comum do que a maioria das pessoas imagina. Em um estudo global abrangendo 217 pesquisas realizadas entre os anos de 1980 a 2008, a conclusão foi de que a prevalência geral desse tipo de violência é de 11,8% na população. Além disso, os resultados detalham que o problema alcançou cerca de 18% das meninas e 7,6% dos meninos avaliados.    

No Brasil, o Disque Direitos Humanos (Disque 100) registrou mais de 17 mil denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes em 2019. Dessas, 45% aconteceu na própria casa da vítima e em 40% o agressor era seu pai ou padrasto. Além disso, 82% das ocorrências foram contra meninas. 

A visibilidade sobre o problema vem crescendo consideravelmente. Segundo dados do UNICEF, entre 2011 e 2017, houve um aumento de 83% nas notificações de estupros contra crianças e adolescentes. Tais dados permitem identificar um ciclo, já que esses números têm exigido o fortalecimento das políticas públicas e dos serviços de proteção infanto-juvenil, o que, por sua vez, tem favorecido a segurança das pessoas em denunciar com mais frequência. 

Apesar deste fator e da incidência assustadora aqui apresentada, os especialistas salientam que a realidade é bastante pior do que se vê pelos registros oficiais. Pesquisas estimam que apenas cerca de 7,5% a 10% dos casos cheguem às autoridades, de forma que as estatísticas sobre o assunto representam apenas uma pequena parcela de um problema muito maior. 

A subnotificação é um complicador importante para a adequada compreensão do fenômeno e tem várias causas. Algumas delas envolvem o medo de retaliação por parte do agressor, o receio acerca de julgamentos sociais e, em casos intrafamiliares, a intenção de resolver tudo sem a intervenção de terceiros. Não é incomum ainda, que as crianças sejam desacreditadas, vistas como fantasiosas ou mentirosas quando revelam a violência. Além disso, como normalmente não há testemunhas do crime, muitos adultos podem se sentir inseguros em levar adiante acusações tão sérias sobre outra pessoa e optam por não lidar com essa questão. 

Devemos lembrar que a denúncia é fundamental para a proteção das nossas crianças e adolescentes. Trata-se de uma obrigatoriedade legal, mesmo quando há apenas suspeita de violações contra esses indivíduos. Se você soube de um problema assim ou tem razões para acreditar que esse tipo de violência está acontecendo, não seja omisso: denuncie! 

Liliane Domingos Martins

2 de junho de 2021Comments are off for this post.

A prevenção do abuso sexual on-line

A internet tem um papel fundamental na vida de todos nós, inclusive na vida das crianças e adolescentes. É uma forma maravilhosa de informação, comunicação e diversão que facilita nossa vida e abre um mundo de possibilidades. Mas é preciso lembrar que a internet faz parte do mundo real e, consequentemente, traz consigo os perigos que existem no mundo real. 

Quando o assunto é abuso sexual, sabemos que existem pessoas que fazem uso da internet para enganar, seduzir ou induzir crianças e adolescentes a acessar conteúdos inadequados, principalmente pornografia (incluindo pornografia infantojuvenil). Além disso, é por meio da internet que os jovens são estimulados a enviar fotos, vídeos e informações pessoais que serão utilizados com propósitos duvidosos. Por meio de chats e salas de bate-papo presentes em aplicativos, sites e jogos on-line, os abusadores sexuais costumam se passar por crianças ou jovens e têm acesso a um vasto material sexual que as próprias crianças e adolescentes produzem e fornecem, seja mediante encorajamento amistoso ou chantagem violenta. 

E o que os pais podem fazer diante disso? 

Primeiramente, é preciso entender que a intimidade que as crianças e adolescentes têm com a internet e com a tecnologia não vem acompanhada de uma maturidade crítica sobre seu conteúdo. Ao crescerem no mundo das redes sociais e das selfies, os jovens não têm noção dos riscos que envolvem a exposição, uma vez que esta é uma questão natural para eles. 

Nesse sentido, conversar sobre abuso sexual on-line (veja outros textos sobre esse tema no blog) com crianças e adolescentes é mais importante do que impor proibições rígidas. Os jovens costumam não aceitar conselhos e sugestões que limitem as suas experiências on-line, assim como tendem a desafiar as regras e testar os limites impostos pelos pais. Assim, o grande desafio é a construção de um efetivo diálogo entre pais e filhos, onde as regras possam ser construídas e de fato aplicadas. 

Vale pontuar que o mesmo princípio geral da prevenção do abuso sexual pode ser utilizado também quando o assunto é o abuso sexual via internet. É necessário a construção de uma relação de confiança, onde o adulto se mostre efetivamente interessado na vida da criança/adolescente e nas questões do seu cotidiano. Esse tipo de relação faz com que o/a jovem se torne menos suscetível a cair em armadilhas advindas do mundo virtual. 

Sempre dizemos aqui que conhecimento é proteção, portanto, é fundamental que os adultos entendam mais sobre o universo on-line, saibam usar a internet e aprendam sobre suas possibilidades de uso. Sem entender como funciona a internet é difícil estabelecer um efetivo diálogo sobre esse assunto com os mais jovens. Portanto, aprenda sobre a internet, os riscos que a envolvem e os modos de promover uma navegação segura. Leia sobre o assunto, converse com amigos a respeito e acesse sites que falem sobre esse tema. 

Além disso, conheça os sites, aplicativos, redes sociais e jogos que seu pequeno costuma utilizar. Peça para que ele lhe mostre como funciona ou lhe ensine como jogar. É importante que esse interesse seja genuíno e destituído de preconceitos, de modo que seja possível construir um espaço de conversa franca sobre aquele universo. 

É importante que as crianças e os adolescentes sejam também instruídos a não divulgar dados pessoais como nome, endereço, telefone, fotografias, nome da escola etc. em locais públicos da internet, como salas de bate-papo e chats de jogos on-line ou sites de relacionamento. Além disso, os pais podem fazer uso de uma série de ferramentas que estão disponíveis para filtragem e monitoramento das atividades dos filhos na rede de internet. O Google Family Link e o Youtube Restrito são alguns exemplos de ferramentas que podem auxiliar os pais. De todo modo, o uso desse tipo de recurso deve ser feito sempre a partir de um diálogo familiar claro e voltado para um uso saudável da rede.  

Por fim, caso você identifique alguma situação suspeita ou que pode ser considerada abusiva contra uma criança ou adolescente, providências devem ser tomadas. Aliciar jovens pela internet, assim como expô-los a conteúdo sexual inapropriado é crime e deve ser denunciado. Portanto, nessas situações, acolha a criança/adolescente que foi vítima dessa situação e, em seguida, faça prints das conversas, recolha o máximo de dados possíveis acerca do abusador sexual (perfil na internet, site, endereço eletrônico de acesso à página etc) e denuncie. 

Silvia Pereira Guimarães