29 de dezembro de 2021Comments are off for this post.

A criança gostou do abuso?

Muita angústia toma conta da família quando uma criança diz ter tido alguma sensação agradável durante o abuso. Principalmente crianças pequenas, que ainda não desenvolveram noções de vergonha e pudor, podem narrar situações sexualmente abusivas com muita tranquilidade e dar detalhes como de que sentiram “uma cosquinha gostosa” naquela hora. Esse tipo de situação, que causa horror nos adultos, tem explicação e é fundamental que entendamos o que se passa nesses casos para não corrermos o risco de sermos injustos com as vítimas.

Vemos que muitos pais se revoltam com os filhos, pois concluem que eles “gostaram de ser abusados”. Outros, chegam a castigar as crianças por isso, supondo que se trata de algum desvio de personalidade ou de uma participação voluntária e ativa na interação sexual com o agressor. Em todo caso, não é isso que ocorre.

O que precisa ficar claro é que a criança tem um corpo que reage de forma natural e fisiológica ao contato com o mundo. Assim como ocorre com os adultos, ela sente dor ante a um toque violento e desconforto em ambientes muito frios ou muito quentes. Da mesma forma, se tocada de maneira gentil e carinhosa, tende a ter sensações agradáveis. Quando abraçamos uma criança ou quando acariciamos seus cabelos, é comum que ela sinta isso como algo prazeroso e entenda esses gestos como expressões de afeto. 

Nesse ponto devemos lembrar que as partes íntimas são naturalmente sensíveis, cheias de terminações nervosas. É por isso que, tão logo uma criança deixa as fraldas, ela mesma descobre como é gostoso manipular essas partes. Por isso é comum perceber crianças pequenas manipulando os genitais em momentos de relaxamento e em qualquer ambiente. A reação dos adultos a isso costuma ser a pior possível, ante a conclusão de que aquela criança estaria se “masturbando”. O mais frequente é que esses adultos busquem reprimir tal comportamento, com o argumento de que seria algo inapropriado ou nojento. 

Precisamos entender que, para crianças pequenas, as partes íntimas não têm a conotação sexual que percebemos quando nos tornamos mais velhos. Para elas, a manipulação dessas partes apenas traz bem estar, assim como chupar o dedo ou torcer mechas de cabelo. Nesse sentido, a menos que sejam orientadas, podem não estranhar caso sejam tocadas nessas partes por algum molestador, especialmente se esse toque se dá de maneira delicada.

Obviamente, os agressores sabem disso e se aproveitam da confiança da vítima para inserir toques abusivos nas interações corriqueiras, muitas vezes como parte de brincadeiras ou travestidos de algum carinho normal entre adultos e crianças. Não é raro encontrar casos em que crianças abusadas desde tenra idade só descobrem que se trata de uma interação inapropriada muito mais tarde, quando conversam sobre isso com outras crianças ou passam por alguma orientação sobre prevenção de abuso na escola. Até aí, podem interpretar o abuso como uma relação especial, como uma descoberta mútua de sexualidade ou como algo que as outras crianças também passam. 

De todo modo, ainda que a criança possa fisicamente experimentar alguma sensação prazerosa diante do toque abusivo, isso não elimina o caráter nocivo, e por vezes traumático, do abuso.

Juliana Borges Naves

22 de dezembro de 2021Comments are off for this post.

Festividades de Dezembro e o Risco de Abuso Sexual

Quando o mês de dezembro começa, iniciam-se também os preparativos para várias celebrações deliciosas. Eventos e festas se multiplicam na agenda e é importante que os pais estejam atentos para a ameaça de abuso sexual sempre que há muita gente reunida. É claro que o carinho que damos e recebemos nessa época é bastante bem vindo, mas algum alerta costuma ser natural por parte de adultos responsáveis. Quando chegamos em uma confraternização na casa de alguém, avaliamos a falta de proteção na piscina, o alcance do fogo do churrasco ou a altura da janela de um apartamento, de maneira a evitar que as crianças sofram algum acidente. Do mesmo modo, é comum que os pais estejam ligados sobre como as pessoas interagem com seus filhos e como eles respondem a essas interações para evitar que os mais novos desrespeitem os mais velhos ou vice-versa.

São várias as condições que fazem com que os adultos se distraiam do risco de abuso nessas ocasiões festivas. Em primeiro lugar, existe uma crença popular de que a violência sexual ocorre sempre de forma privada, na ausência de terceiros. Sob esse raciocínio, crianças que estejam em uma festa encontram-se a salvo de abusos, mas isso não é verdade. Abusos são frequentes mesmo quando há outras pessoas presentes além da vítima e de seu violador. Isso ocorre, por exemplo, quando alguém mostra vídeos pornográficos para sobrinhos adolescentes no canto da sala ou quando a criança é tocada em suas partes íntimas por baixo de uma mesa.

Além disso, muitos pais se distraem sobre o risco de violência sexual porque confiam plenamente nas pessoas com quem estão confraternizando. Os laços afetivos são essenciais para todos e devemos muitos à nossa rede de suporte emocional quando enfrentamos qualquer problema. Entretanto, ainda que haja esse entendimento, os pais devem ser lembrados de que, segundo a literatura científica, a maior parte dos abusos é cometido por conhecidos e pessoas próximas da família da vítima. Assim, mesmo com um grupo muito próximo e querido, é preciso algum cuidado.

Vale acrescentar que o uso de álcool é um outro fator que influencia sobre essas situações. Para agressores, a ingestão de bebidas pode fazer com que fiquem mais desinibidos e impulsivos e, portanto, mais propensos a atos de violência. Para os pais, o consumo de cervejas, vinhos, drinks ou similares tende a deixá-los mais confortáveis no ambiente e tranquilos contra qualquer potencial perigo circundante.

Nosso lembrete fundamental aqui é de que as crianças e adolescentes são parte das razões porque festejamos a vida, os vínculos e a família. A necessidade de que sejam cuidadas e protegidas deve seguir ainda que seja dezembro, ainda que estejamos em festa. No mais, devemos sim comemorar o fim do ano de trabalho, confraternizar com amigos, reunir com parentes próximos e distantes, brindar o esperançoso início de um novo ciclo da vida. E que venham muitos motivos para isso!

Liliane Domingos Martins

15 de dezembro de 2021Comments are off for this post.

A Vítima Pode Esquecer um Abuso Sexual?

A mente humana pode funcionar de formas bem complexas, que às vezes são difíceis de entender e até de acreditar. Em situações perturbadoras e traumáticas como um abuso sexual, é especialmente comum que o cérebro ofereça respostas diferentes das que a gente conhece para que o indivíduo lide com o medo e sofrimento intensos. Sobre isso, um dos jeitos estranhos que nosso organismo tem para minimizar o estresse de circunstâncias extremas consiste em apagar as lembranças referentes ao episódio, um fenômeno chamado de amnésia. Isso significa que: sim, é possível que crianças e adolescentes molestados não se recordem da violência ou que tenham memórias incompletas sobre o ocorrido, sendo que o problema pode se iniciar tardiamente ou se estender até a idade adulta.

A amnésia pode ser decorrente de condições neurológicas ou toxicidade, que não é o que estamos abordando aqui. Nos casos de traumas por abusos, esse sintoma é descrito pela psiquiatria como uma forma de dissociação. A dissociação é uma perturbação severa do psiquismo, em que, para defesa psicológica, a pessoa se desconecta mentalmente da realidade assustadora que tem diante de si.

 A amnésia dissociativa pode se apresentar de três modos distintos. No mais comum, ela é classificada como localizada e as lacunas de memória aparecem restritas a um evento ou período limitado de tempo. No caso da amnésia seletiva, os lapsos abrangem recortes específicos de uma situação, ou seja, alguns detalhes da cena são recordados enquanto outros permanecem obscuros. Por último, a amnésia generalizada é rara e envolve a total perda de registros cognitivos sobre a identidade e história de vida de uma pessoa.

Curiosamente, a amnésia pode envolver o esquecimento de algo traumático mesmo depois de o indivíduo ter um período com lembranças nítidas sobre a adversidade vivida. Além do mais, a amnésia pode ser revertida entre alguns minutos ou depois de décadas desde seu início. Nesses casos, é importante que a vítima receba ampla atenção em saúde mental, pois, o apagão das memórias não se dá à toa e a retomada à mente dessas cenas originalmente tidas como intoleráveis pode expor a pessoa a uma condição de grande sofrimento, mesmo que já tenha se passado um longo período desde o ocorrido. Da mesma forma, a ausência de lembranças sobre uma situação também pode ser angustiante para outras pessoas, que relatam acreditar que algo ruim lhes aconteceu em dadas circunstâncias, mas não têm recordações que lhes permitam concluir sobre os fatos. Para todas essas condições, a psicoterapia é o melhor caminho.

Liliane Domingos Martins

3 de novembro de 2021Comments are off for this post.

A vítima não chorou. Será que o que o relato é verdadeiro?

O abuso sexual de crianças e adolescentes é um tipo de violência grave, que tem impactos diversos sobre a vítima. Socialmente, é um crime cuja natureza causa repulsa e horror, e facilmente mobiliza as pessoas que escutam relatos sobre esse tipo de vitimização. 

Por se tratar de algo grave, comumente, as pessoas criam expectativas sobre aquilo que se espera de uma vítima de violência sexual. É corriqueiro que as pessoas desenvolvam crenças de que uma criança ou adolescente abusado(a), ao falar sobre o que vivenciou, irá chorar, se emocionar, se constranger e demonstrar grande sofrimento. Apesar de ser uma perspectiva socialmente comum e de fato ocorrer em muitos casos, nem sempre a vítima se comporta segundo esse padrão. 

Nessas situações de quebra de expectativas, é possível perceber algumas reações de estranhamento por parte das pessoas próximas e dos profissionais da área (sejam eles da área da saúde, operadores de direito, profissionais da rede de proteção, etc). Diante de vítimas que não exteriorizam o sofrimento ou que apresentam uma narrativa destituída de afetos, algumas pessoas podem colocar em xeque o relato da vítima. Em alguns casos, até mesmo expressam “ela não parece que foi vítima de violência”, “achei o relato estranho, nem parece que ela estava traumatizada”. 

Com relação a esse tipo de dúvida, vale destacar dois pontos. Em primeiro lugar, os impactos e consequências do abuso sexual são bastante particulares e variam de pessoa para pessoa. Cada vítima irá vivenciar aquele evento de uma forma única, podendo apresentar prejuízos e consequências mais ou menos graves. Os danos às vítimas variam de acordo com características da violência, como a gravidade, duração, utilização de força física, relação com o agressor etc; também com as caraterísticas pessoais da vítima, tais como sexo, idade, funcionamento psicológico anterior ao evento, antecendentes psicopatológicos, resiliência, etc. e com as consequências sociais após a revelação da violência (apoio de amigos e familiares, por exemplo).

Desse modo, é possível que uma vítima apresente, como seu modo de funcionamento psicológico para lidar com eventos traumáticos, justamente um relato indiferente, aparentemente neutro, sem expressão de afetos. Algumas pessoas desenvolvem modos defensivos de lidar com situações difíceis e traumáticas, de forma que, exteriormente, podem se portar como pessoas fortes e racionais, supostamente não afetadas pelo que lhes aconteceu. Além disso, outras pessoas podem vivenciar situações de violência sexual e, de fato, serem pouco afetadas (ao menos em curto prazo) por esses episódios. Nesses casos, o relato da vítima pode parecer “frio” ou racional ao ouvinte externo.  

Em segundo lugar, o processo de investigação de situações de violência sexual podem envolver várias etapas, muitas delas difíceis para a vítima. Apesar da existência de uma legislação que busca proteger as vítimas de desgastes e exposições, comumente, o processo pós denúncia envolve exames, depoimentos e relatos diversos sobre o evento ocorrido. Além disso, é usual que a vítima tenha que lidar com questionamentos, reações e preocupações de familiares e pessoas que lhe são próximas. Diante dessas circunstâncias, algumas vítimas podem adotar uma forma de narrativa neutra, como meio para enfrentar as várias etapas de evocação dessas lembranças desagradáveis. Ou seja, do mesmo modo que algumas vítimas irão demonstrar grande sofrimento a cada vez que a experiência da violência for evocada, outras podem, por exemplo, “ligar o modo automático” como mecanismo de autoproteção.  

Nesse sentido, é importante ressaltar que não existe relação direta entre veracidade de um relato e quantidade de emoção ou sofrimento exteriorizado pela vítima. Cada pessoa tem a sua singularidade e irá lidar com eventos traumáticos (incluindo ter que relatar esses fatos para outras pessoas) de modo único, pessoal, e esse modo deve encontrar validação por parte de quem escuta.

Silvia Pereira Guimarães

27 de outubro de 2021Comments are off for this post.

Criança mente sobre o abuso?

Essa pergunta é muito comum, a tal ponto que o argumento de que o relato não passa de uma fantasia é frequentemente usado pelos advogados de defesa no âmbito jurídico. Nesse contexto, a incapacidade da vítima para apresentar um relato cronologicamente ordenado e detalhado sobre a vitimização é encarada por advogados e magistrados como um indício de que ela estaria mentindo ou fantasiando sobre a situação abusiva.

Tal entendimento parte do desconhecimento acerca de características fundamentais e típicas da infância, bem como das etapas de desenvolvimento do processo cognitivo e da aquisição da memória. Em razão disso, muitos adultos esperam que crianças tenham capacidades similares às suas, de forma que incoerências e incongruências são tomadas por indicativos de falta de veracidade.

No que se refere às habilidades da infância, entre 4 e 5 anos de idade, uma criança já é capaz de distinguir verdade de mentira, como também de mentir intencionalmente para, por exemplo, fugir de um castigo, obter recompensa, agradar alguém ou proteger figura significativa. 

Já a capacidade de imaginar, de lançar mão de ideias fantasiosas para interpretar ou relatar algum acontecimento, é bastante comum e recorrente na infância. A imaginação e o jogo simbólico são processos normais e essenciais para o desenvolvimento integrado das crianças e possibilita que elas internalizem situações do dia a dia ou elaborem vivências traumáticas. É por meio da brincadeira e da imaginação que uma criança passa da posição de objeto, que deve obediência aos pais, professores, irmãos ou a alguma outra criança, para o lugar de quem manda, de quem sabe, de quem determina as regras. É brincando que a criança pode mudar de papel e se distanciar temporariamente da condição de dependência e impotência que ela experimenta em diversos momentos. 

Dito isso, nos cabe fazer a mea culpa. Adultos também mentem, e muito. Pode-se dizer, considerando as estatísticas, que mentem bem mais que as crianças. Ademais, também fantasiam. Fazem planos diante de um jogo da mega sena, ensaiam conversas antes de um encontro e repassam inúmeras respostas que não deram quando confrontados, por vezes em voz alta. Nesse sentido, pedem das crianças a maturidade e coerência que nem mesmo têm.

Mas, voltando à pergunta inicial: Crianças mentem que foram abusadas?

Embora fantasiem, crianças não vivem em um mundo de fantasia e, por volta de três anos e meio, conseguem distinguir fatos concretos da imaginação. Além disso, costumam fantasiar com elementos que lhes são apresentados. Por conta disso, as brincadeiras giram em torno de situações habituais, de fatos que aconteceram na família ou de temas movidos por histórias imaginárias: personagens de livros, desenhos ou jogos. Considerando que cenas eróticas não fazem parte de vivências corriqueiras na infância, seria bastante atípico que uma criança relatasse uma situação sexualmente abusiva a partir da própria criatividade. Ainda que sejam capazes de fantasiar, a maioria das crianças não possui conhecimento ou percepção suficientes para ter o que são, em essência, fantasias sexuais adultas.

Aqui, cabe a ressalva de que uma criança pode ter contato com cenas eróticas de modo incidental, pela internet ou manipulando o celular dos responsáveis, por exemplo. Sendo assim, não necessariamente o relato de uma situação aparentemente sexual é produto do assédio de algum adulto. Vale esclarecer, entretanto, que expor intencionalmente uma criança ou adolescente a uma cena de conteúdo erótico, seja pessoalmente, seja em vídeo, configura sim violência sexual.

Sobre a mentira, é difícil entender que tipo de motivação levaria uma criança a inventar uma acusação de abuso contra alguém. Raramente uma criança mente sobre isso, a menos que esteja sob influência de um terceiro que visa algum benefício com a denúncia. Mesmo assim, quando consideramos o contexto de litígio e de divórcio, tem-se que apenas 6% das denúncias de violência sexual são inverídicas.

Nesse sentido, é mais comum uma criança usar a capacidade de mentir para 

encobrir uma violência que aconteceu com ela, seja por ameaças, por receio das consequências do relato ou pela necessidade de proteger um agressor com quem tem laços afetivos.

Juliana Borges Naves

6 de outubro de 2021Comments are off for this post.

Comportamento Público x Comportamento Privado

Diante de suspeitas de abuso que envolvem familiares ou amigos, é comum que se venha em defesa do acusado, alegando que se trata de alguém gentil, responsável no trabalho, caridoso com as pessoas, bem quisto na comunidade ou bastante religioso. Esse argumento se baseia em uma premissa equivocada, de que as pessoas apresentam em público uma versão estendida de sua vida privada, ou seja, de que alguém que se comporta de forma socialmente adequada seria incapaz de um ato desviante na sua esfera íntima. 

Precisamos ter em mente que boa parte do nosso comportamento público é resultado do processo educativo e leva em consideração os padrões aceitáveis de conduta em cada cultura. Por causa disso, o modo como nos portamos em público não é, necessariamente, um reflexo dos nossos pensamentos ou desejos pessoais. É com muito custo que uma criança, por exemplo, deixa de bater nos colegas, chupar o dedo ou comer algumas secreções e é de se pensar quantas delas não mantêm tais hábitos escondidos, fora da vista das outras pessoas. Também é pela insistência de quem nos educa que passamos a guardar comentários ofensivos ou constrangedores, entendendo que certas coisas não se deve falar em público. 

O fato é que, ao longo da vida, a partir de correções externas ou da própria experiência, acabamos por desenvolver uma personalidade social, que nos permite sermos mais aceitos pelos outros. Isso não significa que não guardemos, no íntimo, opiniões desagradáveis, ideias agressivas, sentimentos negativos ou vontades inconfessáveis, que não dividimos com ninguém.

E é nesse ponto que se conclui que o fato de alguém se portar de maneira socialmente adequada não garante sua inocência quando falamos de violência sexual. O comportamento abusivo é um evento da esfera íntima, relativo à sexualidade do agressor, âmbito que, por natureza, não costumamos expor. Além disso, o abuso também se relaciona a outras questões de ordem privada, como agressividade, necessidade de poder ou desejo de submeter os outros à própria lascívia. Em muitos casos, o ímpeto de abusar surge de forma impulsiva, sem que o agressor consiga compreender exatamente o que produz essa vontade. De uma forma ou de outra, o que todo agressor sabe é que esse é um comportamento socialmente reprovável, que causa ódio e repulsa na maioria das pessoas. Sendo assim, os abusadores procuram se manter a salvo de suspeitas, agindo de forma amável e inspirando confiança.

Outro estímulo ao bom comportamento dos agressores é o fato de que inspirar a confiança dos familiares facilita o acesso às vítimas e também dificulta que os abusos sejam descobertos. É muito mais complicado para uma vítima denunciar alguém que faz parte do seu círculo de convivência, seja pelos conflitos internos que surgem a partir do abuso, seja pelos conflitos externos que a revelação pode provocar na família.

Dito isso, cabe entender que ninguém está acima de qualquer suspeita, quando se trata de violência sexual. Mesmo pessoas de postura ilibada podem abusar de crianças e adolescentes, de forma que todas as suspeitas devem ser devidamente investigadas. 

Juliana Borges Naves

29 de setembro de 2021Comments are off for this post.

Sinais e Sintomas do Abuso Sexual de Crianças e Adolescentes

Quais os sintomas da violência sexual de crianças e adolescentes? Como eu sei que uma criança foi molestada? Que sinais a vítima dá quando sofreu um abuso sexual? Essas são algumas das perguntas mais comuns sobre o assunto e que afligem os pais que suspeitam que seus filhos passaram por esse tipo de situação.

A estratégia mais básica nesse sentido envolve procurar por condições físicas que possam comprovar a violência. Hematomas na pele, lesões genitais, presença de doenças sexualmente transmissíveis, corrimento, entre outros, são alguns dos fatores que aumentam a suspeita de um abuso. Mesmo assim, sabemos que a maior parte dos abusos sexuais não deixa evidências corporais e alguns deles ocorrem, inclusive, sem o toque na vítima, o que também não deixa marcas. Nessas condições, outros sinais e sintomas devem ser investigados.

De modo geral, crianças e adolescentes molestados dão algum indicativo de que estão vivendo um estresse complicado, com o qual não sabem lidar. Elas podem não conseguir verbalizar sobre essa dificuldade, mas os pais usualmente identificam que há algo errado a partir de alterações no comportamento e humor de seus filhos. Costumam dizer que “ele não era assim” quando percebem que suas crianças e adolescentes estão diferentes em função de algum problema.

As vítimas normalmente são descritas por estarem mais choronas, tristes, isoladas ou quietas. Tornam-se menos brincalhonas e participativas nos momentos em família. Algumas se mostram mais irritadas, agressivas, nervosas, rebeldes, desobedientes ou respondonas. No caso de crianças muito pequenas podem, por exemplo, voltar a fazer xixi na cama, enquanto as mais velhas podem se envolver em condutas autodestrutivas, como o abuso de drogas e bebidas ou a realização de cortes no próprio corpo. Quedas no rendimento escolar costumam ser frequentes e os professores muitas vezes também notam que aquele aluno está se comportando de forma inusual. Buscar informações com a escola, portanto, é recomendável.

Apesar da masturbação aparecer naturalmente em várias etapas da vida desde crianças muito pequenas, ela pode se tornar excessiva naquelas que foram abusadas. Pode ainda aparecer de forma inapropriada àquela idade, por exemplo, como quando a criança introduz objetos ou os dedos na vagina ou ânus.  

Disso tudo que foi dito, o principal é que não existe uma lista de sinais e sintomas que vão ser encontrados em todas as crianças/adolescentes que foram molestados. A maneira como cada vítima reage é muito diferente e o mais importante é que cada pai e mãe fique atento para quando o filho está agindo fora do que é habitual. Esse é o alerta!

Liliane Domingos Martins

8 de setembro de 2021Comments are off for this post.

Quando a vítima gosta do agressor: será que teve abuso sexual mesmo?

É comum as pessoas acharem que não houve abuso sexual quando a criança/adolescente continua demonstrando boa relação com o suposto agressor. Acreditam que toda vítima tem sentimentos de medo, raiva, repulsa, revolta ou outros afetos negativos sobre o abusador. Apesar disso parecer natural e ser esperado pela maioria, é bastante comum que o indivíduo molestado mantenha laços de carinho com o responsável pela violência, especialmente quando há um vínculo familiar entre eles.

Quando o abuso é cometido por um parente e mesmo assim há bom vínculo entre a vítima e seu agressor, é provável que a convivência entre eles seja feliz na maior parte do tempo e a violência se destaque como um dos poucos momentos desagradáveis que estabelecem. Nesses casos, a criança costuma gostar de estar perto do abusador, que se mostra um bom cuidador ou é divertido, brinca com ela e a faz se sentir especial de alguma maneira.

Nos casos de abusos fora da família, a ligação entre a vítima e o agressor pode ter sido intencionalmente criada por este último. Crianças e adolescentes são considerados seres vulneráveis e, por essa condição, costumam receber mais supervisão. Para um abusador conseguir se aproximar delas, portanto, quase sempre é necessário que ele se empenhe em promover uma fachada de simpatia, tornando-se um amigo querido e especial. Isso pode ser conseguido com elogios, presentes, dinheiro, doces ou outras estratégias de manipulação.   

O carinho que a criança muitas vezes sente pelo abusador pode ser usado por ele para conseguir que a vítima se submeta à violência e para garantir o seu silêncio. Isso é possível porque ela gosta dele, não quer vê-lo punido e pode até defendê-lo. Nessa situação, a vítima não quer se afastar do agressor, apenas torce para que os abusos parem. 

Saber dessas questões é importante para que você esteja mais alerta para os riscos referentes ao abuso sexual de crianças e adolescentes. Fica claro sobre o quanto é errado julgar que uma violência desse tipo não ocorreu simplesmente porque as pessoas apontadas como vítima e agressor continuam se dando bem. Esses casos são complicados mesmo e é preciso muito cuidado para analisar os fatos.

Liliane Domingos Martins

2 de setembro de 2021Comments are off for this post.

Fatores socioculturais que aumentam o risco de vitimização

Já falamos inúmeras vezes que a violência sexual contra crianças e adolescentes não é um fenômeno que acontece exclusivamente em uma determinada classe socioeconômica ou em determinado tipo de estrutura familiar, grupo étnico, religioso, cultural ou orientação sexual. Ao contrário disso, a vitimização de crianças e adolescentes é uma realidade mais ampla, que abrange todos os perfis, tornando-se um problema global a ser enfrentado. 

Assim, o abuso sexual não acontece apenas em famílias pobres e “desestruturadas”, como muitas vezes o senso comum acredita ser. Trata-se de um tipo de evento suscetível de ocorrer igualmente nas famílias “bem estruturadas”, de alto padrão socioeconômico e vida religiosa ativa. Isso se dá porque os abusos são praticados por pessoas, e não grupos ou perfis sociais. 

Dito isso, vale analisar que o abuso sexual envolve situações particulares de dominação dentro de uma relação desigual de poder: um agressor exercendo seu poder sobre uma vítima. Nesse sentido, podemos pensar em situações mais amplas que reforçam e acentuam essa desigualdade de poder e assim, por uma via indireta, podem contribuir para um aumento do risco para a ocorrência de violações diversas, entre elas, a violência sexual infantojuvenil. 

As situações de crise financeira e econômica, principalmente aquelas que perduram por longo tempo, contribuem para a construção de um cenário de instabilidade, estresse e tensão social, aumentando a incidência de crimes e violência de modo geral. Nesse contexto de fragilidade social, a violência doméstica, especialmente aquela que vitimiza os mais vulneráveis (como as mulheres e crianças), aumenta significativamente. Junto a isso, verifica-se também uma tendência geral de aumento dos abusos sexuais praticados contra as crianças. 

Um exemplo de como a crise financeira e a instabilidade social aumentam os índices de violência pode ser observado atualmente com a pandemia da Covid 19 e as medidas de distanciamento social. Os dados preliminares apontam para um aumento nas ocorrências de violência contra a mulher, assim como um aumento dos abusos sexuais contra crianças e adolescentes. 

Outro ponto que pode implicar em um aumento nas taxas de vitimização são os ambientes sociais em que imperam um modelo machista de relação, onde a mulher é comumente objetificada, ou seja, desconsiderada enquanto sujeito. Modelos socioculturais de naturalização das diferenças entre homens e mulheres predispõe a relações abusivas de modo geral, entre elas, abusos de natureza sexual que atingem também as crianças e adolescentes. 

Do mesmo modo, sociedades adultocêntricas (como a nossa), onde o poder de escolha, liberdade e direitos concentra-se nos adultos, favorecem situações de vitimização dos mais jovens, uma vez que estes não são ouvidos ou suas opiniões e posicionamentos são considerados irrelevantes. Junto a isso, modelos “educacionais” violentos, que banalizam o uso da agressão física e a imposição da força e da vontade sobre o outro, reforçam a tendência de vitimização sexual infantojuvenil. 

Por fim, o implemento e a ampliação da virtualidade das relações, tem surgido como campo para o aumento da violência sexual por meios digitais. A naturalização das telas e o livre acesso dos jovens a dispositivos com acesso à internet amplia o alcance do conhecimento e traz inúmeros benefícios aos usuários. Contudo, também amplifica riscos diversos, tais como a exposição à pornografia, o aliciamento por parte de pedófilos, a indução ao sexting, os assédios sexuais, dentre outros.

Silvia Pereira Guimarães

25 de agosto de 2021Comments are off for this post.

Entre a culpa e a responsabilidade

É muito recorrente que vítimas de abuso sexual relatem sentir culpa pela violência que viveram. Esse sentimento, tão presente e forte, pode até mesmo impedir que muitas delas tomem coragem para colocar limites no abuso ou para revelarem a alguém sobre essa situação. 

Quando falamos em culpa, devemos levar em conta que ela compreende dois aspectos. Uma coisa é a culpa no sentido legal do termo, que se refere ao componente de responsabilidade pela agressão. Outra coisa é a culpa no sentido psicológico, expressa pelo afeto que surge a partir da interpretação particular da vítima sobre a experiência abusiva.

Feita essa diferenciação, cabe ressaltar que, em todas as situações de assédio, a culpa, no seu sentido legal, é sempre do agressor. Isso quer dizer que, em nenhuma hipótese, a vítima pode ser responsabilizada pela violência que sofreu. Isso porque a culpa, enquanto ligada à responsabilidade pela violência, é obviamente de quem comete o ato.

Infelizmente, isso nem sempre fica claro e é comum que quem sofreu a agressão seja responsabilizado pela própria vitimização, em razão de seus hábitos, comportamentos ou do modo de se vestir. Se soma a esse erro a ideia equivocada de que a vítima pode ter consentido com o abuso de alguma forma, como nos casos em que não conseguiu esboçar reação. 

No que se refere à culpa que muitas vítimas experimentam, entende-se que depende de aspectos individuais e pode se originar por inúmeras causas. Embora não tenha responsabilidade legal pelo abuso, a vítima pode sentir-se culpada, por exemplo, por manter afeto ou proximidade com o agressor. Pode ainda sentir-se mal por não ter percebido o caráter perverso da interação a tempo de se proteger ou por ter tido alguma sensação fisicamente agradável durante o abuso, a despeito do desconforto emocional que a situação lhe causou.

Vemos que, em muitos casos, esse tipo de culpa nasce da ideia de que seria possível fazer as coisas de forma totalmente diferente. Olhando em retrospectiva, a pessoa se imagina capaz de estar mais alerta, de reagir de outro modo e de se autoproteger. É preciso entender que tais hipóteses partem de uma análise posterior, feita com elementos que a pessoa não tinha antes da agressão e, nesse sentido, constituem uma fantasia que não seria viável na prática. 

Além disso, nem sempre o abuso envolve violência física e muitos agressores investem seus recursos em um longo processo de aliciamento, a partir do qual identificam os pontos fracos de seu alvo, bem como as condições mais favoráveis para agir. Diante disso, podem se mostrar extremamente gentis e amáveis, carinhosos e companheiros, atitude que cria um vínculo de confiança, diminui a resistência da vítima e confunde sua percepção, possibilitando a conclusão do ato abusivo.

É importante saber que a culpa sentida pela vítima não só amplifica seu sofrimento, mas também dificulta a elaboração do trauma gerado pela experiência abusiva. Esse sentimento merece o cuidado profissional e pode ser devidamente trabalhado dentro de um processo psicoterapêutico. 

No que diz respeito à culpa por parte do agressor, cabe a devida punição legal, a partir da qual ele pode quitar sua dívida com a sociedade.

Juliana Borges Naves