11 de agosto de 2021Comments are off for this post.

Silêncio sobre os Abusos: estratégias dos agressores para evitar a revelação da violência sexual

Garantir que uma vítima de abuso sexual permaneça em silêncio sobre a violência interessa enormemente ao agressor. Em primeiro lugar, a situação é vantajosa para ele porque a criança continua submetida a seus atos, oportunizando repetições dos episódios abusivos. Além do mais, quando a vítima não revela o problema vivenciado, é menor o risco de que o abusador seja exposto socialmente, denunciado e preso.

Por si só, os casos de violência sexual são difíceis de serem trazidos à tona pelas crianças e adolescentes. Tratam-se de ocorrências que provocam grande desorganização psicológica e que mobilizam sentimentos de medo, ansiedade, vergonha e culpa. Frente ao trauma, normalmente as pessoas evitam pensar sobre o evento adverso e, para as vítimas, é bastante complicado administrar o impacto emocional, encarar a necessidade de rememorar as cenas de violência e falar sobre elas para terceiros. Isso tudo costuma ser suficiente para que crianças e adolescentes submetidos a abusos demorem, ou até mesmo, nunca revelem sobre essa experiência. 

Não bastasse essa limitação para as vítimas contarem o problema, os agressores sexuais costumam usar de estratégias diversas para minimizar as possibilidades de que os abusos sejam explicitados. Uma de suas táticas mais frequentes para isso envolve a realização de ameaças à integridade física da criança/adolescente ou de pessoas que ela ama. Nesses casos, as vítimas são intimidadas por meio de frases como: “Se você contar para alguém, vou te dar uma surra”, “eu te mato” ou “eu mato a sua mãe”.

A chantagem emocional é outra maneira que alguns abusadores adotam para forçar a vítima a esconder sobre a violência. Nesses casos, a manipulação costuma funcionar quando há vínculo afetivo entre ele e a criança, ou ainda, quando a família depende financeiramente dele. Assim, o agressor alerta a vítima de que ele pode ser preso pelos abusos, sendo que será culpa dela se ele for afastado da convivência em casa ou se a mãe e os irmãos não tiverem recursos para se manterem.

Outra alternativa explorada pelos agressores para manter as crianças caladas sobre os abusos sofridos envolve a sedução de suas vítimas através de benefícios materiais. Aqui, eles negociam pelo segredo sobre a violência oferecendo presentes, dinheiro, doces ou outros tipos de itens que sejam atrativos aos pequenos. Podem, deste modo, usar barganhas como: “Não fala disso com ninguém e te dou um telefone celular”.

Além das inúmeras táticas já mencionadas, para garantir que a criança não revele um abuso, o agressor muitas vezes procura convencer a vítima de que, por ser adulto, ele tende a ter mais credibilidade que alguém mais novo. Tendo em vista que nossa cultura é adultocêntrica e que as crianças são ensinadas a sempre obedecerem aos mais velhos, é usual que as vítimas se sintam receosas em se posicionarem contra um adulto. Os abusadores se aproveitam desse temor e lhes dizem coisas, tais como: “Se você falar algo sobre isso, vão dizer que você é mentirosa” ou “Ninguém vai acreditar em você”.

É devido às circunstâncias aqui discutidas que estimulamos os pais a criarem um ambiente de diálogo permanente em casa. A confiança em seus genitores, o acolhimento recebido cotidianamente por parte deles e a compreensão de que eles são preparados para protegê-las, facilita com que as crianças exponham sobre suas experiências ruins, ainda que estejam sob pressão. Construído aos poucos, é esse tipo de suporte emocional que ajuda que situações abusivas sejam reveladas muito precocemente, eliminando o contexto de segredo e silêncio tão interessante aos agressores. 

Liliane Domingos Martins

4 de agosto de 2021Comments are off for this post.

Como acontece o aliciamento e abuso sexual on-line

As crianças e adolescentes de hoje comumente são chamados de nativos digitais, uma vez que, desde que nasceram, as tecnologias digitais estão presentes em sua vida. Desse modo, desde muito cedo esses jovens frequentam o imenso espaço público social chamado internet. 

Apesar da grande familiaridade com as diversas ferramentas tecnológicas, não se pode considerar que os nativos digitais tenham essa mesma habilidade para avaliar e gerenciar os riscos existentes nestes espaços. O domínio tecnológico não anda de mãos dadas com a capacidade crítica, estas são habilidades/aptidões distintas. Nesse sentido, é importante que adultos entendam os riscos e saibam como orientar seus filhos a respeito disso. 

Sendo a internet um espaço democrático e livre, existem pessoas que fazem uso disso para enganar, seduzir ou induzir crianças e adolescentes a acessar conteúdos inadequados, como por exemplo a pornografia. Além disso, algumas vezes esses jovens são encorajados a enviar fotos e informações pessoais com propósitos duvidosos. Em alguns casos, são incitados até mesmo a encontros presenciais. 

Em geral, os abusadores sexuais usam ferramentas de bate-papo como os chats de jogos on line, as redes sociais, ou aplicativos de troca de mensagens para se aproximarem dos jovens. Ali, se aproveitando do anonimato, essas pessoas podem se passar por adolescentes, por crianças da mesma idade ou um pouco mais velhas, para atrair o interesse com assuntos que agradam suas vítimas potenciais. 

De modo geral, a abordagem pela internet costuma ser sutil e disfarçada. Os abusadores gastam um longo tempo na seleção, abordagem e no envolvimento da vítima, colocando em ação um processo chamado de aliciamento. A partir daí, constroem uma amizade, pautada em conversas sobre assuntos de interesse da criança/adolescente (jogos, esportes, personagens infantis, artistas de interesse do adolescente, etc), elogios, encorajamento para conversas mais privadas. Muitas vezes, os abusadores seduzem com promessas que parecem tentadoras às vítimas (por exemplo, apresentar algum famoso ou alguém que possibilita a realização do sonho do jovem; presentear com coisas materiais, como compra de itens/acessórios para jogos online, etc).

Quando já existe uma relação de amizade estabelecida, o abusador passa a focar no aumento da intimidade com a vítima e na introdução gradativa de material sexual. Tudo começa com perguntas inocentes como “você já foi beijada?”, “você tem namorado?”. Em alguns casos, pode se tornar um conselheiro amoroso/sexual. 

Com o passar do tempo, o abusador envia fotos pornográficas para estimular a fantasia e a curiosidade da criança, assim como diminuir sua inibição. O passo seguinte é pedir que a criança/adolescente produza fotos ou vídeos mostrando partes do corpo ou simulando alguma cena sexual. 

Assim, o conteúdo sexual que inicialmente era moderado, aos poucos se torna mais explícito. Existem casos em que o abusador ensina a criança a se masturbar ou tenta progredir para um encontro pessoal e contato sexual real. Todas as etapas envolvem muitos elogios, encorajamento positivo e clima de descontração e amizade. O objetivo é não causar medo na vítima, para que ela não revele o segredo.

É comum que, em determinada etapa dessa aproximação, a vítima se sinta desconfortável e queira parar o contato ou se negue a enviar algum material íntimo. Nessas situações, muitos abusadores mudam a estratégia e passam a utilizar as imagens que possuem para chantagear as vítimas em busca de mais fotos/vídeos ou de encontros, sob ameaça de divulgação. 

Sentindo-se culpada e com vergonha por ter tirado fotos/vídeos, comumente a vítima não tem coragem de buscar ajuda, especialmente dos pais. Não querendo que outras pessoas tenham acesso àquele material íntimo, alguns jovens se tornam reféns do abusador que passa a chantagear e ameaçar a criança e a sua família. 

Esse é um dos principais e mais comuns cenários de abuso sexual on-line. E o que fazer diante disso? Conversar e orientar os filhos sobre esse tipo de risco é um dos primeiros passos. Pesquise e aprenda sobre segurança na internet e formas de orientar crianças e adolescentes sobre o assunto. Estabeleça uma relação de confiança que permita esse tipo de conversa e lembre-se: conhecimento é proteção. 

Silvia Pereira Guimarães

26 de maio de 2021Comments are off for this post.

O medo da falsa denúncia

Uma preocupação recorrente quando nos deparamos com uma suspeita de violência sexual é quanto à possibilidade de se tratar de um engano. Sabemos que o estupro é um crime grave e acusar alguém injustamente pode ser terrível. 

Diante desse risco, quando uma criança narra uma interação aparentemente sexual com um adulto, muita gente minimiza a situação, argumentando que deve ter havido algum equívoco. Isso é especialmente complicado porque a maior parte dos assédios vem de parentes ou de amigos da família. Nesse contexto, frente ao relato da criança, é comum que muitas perguntas sujam, além de vários argumentos:

  • E se ela estiver mentindo? 
  • E se for uma fantasia da cabeça dela?
  • Não é possível que isso tenha acontecido, pois a criança vivia perto dessa pessoa, não tinha raiva nem nada…
  • Mas uma pessoa tão séria e trabalhadora, que eu conheço a vida inteira... não ia jamais fazer algo assim...
  • Se o abuso tivesse mesmo acontecido, alguém teria visto, eles nunca ficavam sozinhos…

Então, dentre a angústia em ter que lidar com o abuso e a dificuldade de imaginar que há um agressor dentro da família, o cuidado com a vítima pode ficar em segundo plano.

Nesse ponto, cabe esclarecer que, embora haja denúncias falsas, essa não é a situação mais comum. Mesmo que crianças tenham capacidade de mentir ou fantasiar, o habitual é que as histórias inventadas por elas tenham como repertório vivências corriqueiras da infância. Mentir que já tomou banho, que escovou os dentes, já terminou a tarefa de casa ou que foi o irmão quem rabiscou a parede é muito diferente de falar que algum adulto tocou em seus genitais. Relatos de cenas sexuais não são típicos na infância e devem sempre ser tomados como um sinal de alerta. 

Conforme a literatura especializada, de 1,5 a 6% das denúncias são inverídicas, ou seja , a grande maioria dos relatos são verdadeiros. O que vemos, na prática, é que é muito mais fácil uma criança mentir negando ou minimizando a violência sexual pela qual passou do que fazer uma falsa alegação de abuso.

É preciso que se saiba que a tarefa de responder se houve ou não houve violência sexual não é da família, nem da escola, nem da rede de apoio daquela criança. Para isso, existe toda uma estrutura de investigação e justiça, com profissionais capacitados.

Na dúvida, a denúncia é o único jeito de entender o que houve. Denunciar não é culpar ninguém. É sim dar a chance para que a situação seja esclarecida, o que é mais justo para ambos os lados.

Juliana Borges Naves

19 de maio de 2021Comments are off for this post.

A Revelação como Prova

O abuso sexual contra crianças e adolescentes é um tipo de crime que tende a se dar sem testemunhas e sem deixar marcas físicas que comprovem a violência. Assim, como é grande o desafio de constatar sua ocorrência, a palavra da vítima tem assumido destaque e tem sido considerada como elemento de prova. Trata-se de uma tendência internacional e que também vem sendo reforçada em nosso país.

Para que isso seja possível, uma recomendação importante é a de preservar o conteúdo da fala da criança/adolescente vitimizada, assim como acontece com as evidências de outros delitos. Em casos de assassinato, por exemplo, o ambiente é isolado, evitando adulterações da cena e maximizando a possibilidade de que se possa entender a dinâmica dos fatos que culminaram no homicídio, sua autoria, etc. Do mesmo modo que se faz nessas situações, portanto, é preciso pensar que, se o relato da vítima pode ser usado como prova, quem o acolhe é responsável por resguardá-lo.

Para resguardar uma revelação de abuso, a pessoa que escuta a vítima deve atentar para três pontos principais: ter cautela para não revitimizar a criança/adolescente, buscar ampliar o número de informações colhidas por meio do livre relato e fazer o registro de absolutamente tudo o que aconteceu na sessão.

Sobre o primeiro desses pontos, a ideia é garantir que a vítima receba o melhor acolhimento possível, eliminando seu confronto com pressões, preconceitos ou mitos sobre a violência. Lembrar a experiência abusiva e ter que falar sobre o assunto costuma ser algo bastante difícil, de forma que é imprescindível que aquele que se dispõe a ouvir a criança ou o adolescente seja cuidadoso quanto ao que diz nesse momento. Não faz sentido questionar a vítima sobre como ela deveria ter agido, a roupa que usava, o porquê de ter se comportado de determinada forma ou sobre sua incapacidade de reagir. O crime é de responsabilidade do agressor e tais indagações fazem parecer que o erro foi dela de alguma forma, implicando em sua menor disponibilidade para fazer o relato e aumentando seus sentimentos de ansiedade e de culpa.

O segundo ponto envolve o esforço por estimular a vítima a falar ao máximo sobre o que lhe aconteceu, mas de uma forma espontânea e livre. O papel do adulto que recebe o relato não é de investigar a situação e, sendo assim, ele não deve fazer perguntas diretivas à criança/adolescente. Seu papel é de acolher e entender o problema para, então, encaminhar aquele que passou pelo abuso aos serviços de atendimento mais adequados. Para tal, esse adulto pode incentivar a vítima a apresentar mais dados se valendo de expressões exploratórias ou de indagações que são classificadas como abertas, por exemplo: “me conta mais sobre isso”, “me conta tudo sobre isso”, “o que mais aconteceu?”, “e depois disso, o que houve?”, “como foi que essa situação aconteceu?”, etc.

O terceiro ponto desse processo exige que a pessoa que ouviu o relato faça o registro de todas as informações colhidas e observadas naquele momento. Devem ser anotados todos os dados oferecidos espontaneamente pela criança/adolescente como suas descrições da cena abusiva, sobre como foi abordada, em que local, data ou momento do dia, o que fazia, a roupa que usava, o diálogo travado entre o agressor e ela, suas sensações físicas, seus pensamentos e sentimentos naquela hora, sobre como reagiu, se sofreu ameaças, se recebeu presentes, etc. Absolutamente tudo o que foi dito pela vítima deve ser devidamente listado e com as mesmas palavras que ela utilizou. Além disso, é importante escrever também sobre como a criança se apresentou, as emoções que exteriorizou e sobre qualquer interferência ocorrida enquanto a escuta se dava. 

Essas medidas aqui apontadas são especialmente importantes na ocasião em que a vítima oferece seu primeiro relato sobre o abuso. Aquilo que a criança ou adolescente traz como parte da revelação, se acolhido por meio desses procedimentos, pode aumentar a confiança dela com as etapas subsequentes e minimizar a necessidade de que ela seja ouvida de forma repetida. Cabe a cada um ficar alerta sobre o assunto e se preparar com essas dicas para atuar sobre as questões indicadas.

Liliane Domingos Martins

7 de abril de 2021Comments are off for this post.

Abusos Disfarçados: a camuflagem da violência em ações de carinho, brincadeira, cuidado ou como acidentes

O abuso sexual de crianças e adolescentes nem sempre envolve o emprego de condutas agressivas. Em realidade, na maior parte dos casos, o ofensor aborda a vítima como se estivesse fazendo uma brincadeira, um carinho, auxiliando com algum cuidado de higiene ou como se o ato fosse um mero acidente.  

O abuso disfarçado de brincadeira pode se dar, por exemplo, quando o agressor faz cócegas na criança, mas aproveita para tocar nas partes íntimas dela; ou quando desfruta do prazer da fricção genital que a vítima faz quando brinca de “cavalinho” em seu colo. Também há aqueles casos em que “o tio” coloca balas ou brinquedos dentro da roupa da vítima e, ao procurar o objeto, passa a mão pelo corpo dela. 

Em outras situações, o abuso é empreendido pelo agressor como se fosse uma demonstração de afeto. Somos acostumados a expressar carinho por meio de toques como o beijo e o abraço, que são bastante agradáveis. Especialmente no caso de crianças mais novas, porém, pode ser difícil diferenciar esse tipo de carícia de, por exemplo, um beijo dado maliciosamente em seu órgão genital. Para elas, nenhuma parte do corpo é sexualizada e, tudo o que percebem, costuma ser a sensação gostosa que aquele contato lhe provoca.

Há ainda os casos de violência sexual em que o abusador finge estar prestando um cuidado de higiene à vítima enquanto, na verdade, explora o corpo dela. São comuns as queixas sobre pais abusivos que tocam o corpo de seus filhos de maneira exagerada durante o banho e que se justificam na necessidade de limpeza para manipular a vagina e o ânus de suas crianças.

No mais, o ato abusivo pode também ser realizado de modo a parecer um acidente ou acaso, um contato físico indevido que o agressor diz ter ocorrido “sem querer”. Isso se reflete, por exemplo, em ocasiões nas quais o adulto passa em um lugar apertado procurando esfregar seu corpo contra o da criança ou finge cair e buscar equilíbrio na vítima, aproveitando-se para tocar em seus seios.

Todas essas circunstâncias são implementadas pelo agressor de um jeito que suas más intenções não fiquem evidentes e pareçam aproximações inocentes. Da forma como fazem, fica mais complicado para as crianças e adolescentes entenderem que aquele contato é inapropriado, o que torna improvável qualquer reação ou relato por parte delas. Mesmo para outros adultos, pode haver alguma confusão para compreender que aquele conhecido que brinca e auxilia com os pequenos da casa não oferece ajuda genuína, mas procura tão somente oportunidades de abuso. 

Para todos aqueles que estão dedicados a saber mais sobre como ocorre a violência sexual contra crianças e adolescentes é preciso ter em mente que o processo abusivo pode ser sutil como descrevemos. Estando consciente sobre esse risco, você fica mais preparado para distinguir quando a aproximação de outros adultos é amigável em comparação a outras interações que envolvem manipulação e podem ser prejudiciais aos seus filhos.  

Liliane Domingos Martins

31 de março de 2021Comments are off for this post.

A sexualidade infantil

O tema “sexualidade infantil” é considerado um tabu em nossa sociedade, o que torna esse assunto algo difícil de ser abordado e conversado abertamente. De modo geral, os pais também trazem consigo uma noção de sexualidade como sendo relacionado a algo proibido, constrangedor, sujo, cheio de vergonha. Tal noção está ligada à educação que eles próprios receberam de seus progenitores e que, gradativamente, vão repassando aos filhos. Se qualquer questão relacionada ao corpo ou à nudez da criança gera uma reação de repressão ou excessiva vergonha, a criança vai internalizando essas noções e associando a sexualidade a algo que não se fala, que se esconde, algo negativo etc. 

Nesse mesmo sentido, quando os pais têm uma visão mais natural da sexualidade e do corpo, transmitem essa mesma concepção para seus filhos. Isso possibilita que a criança construa uma melhor relação com o próprio corpo e com a sexualidade, o que, em um sentido mais amplo, auxilia na prevenção de abusos. 

Quando a sexualidade é tratada dentro da família como um dos aspectos naturais da vida, a criança se sente livre e segura para perguntar aos pais aquilo que tem dúvida e os pais se sentem confiantes para conversar e orientar de forma adequada com seus filhos. Dentre essas orientações, estão aquelas relacionadas à consentimento, limites do próprio corpo, os nomes das partes íntimas, toques apropriados e toques inapropriados, reconhecimento de sensação de desconforto etc. 

É preciso entender que a sexualidade infantil é muito diferente da sexualidade adulta. Para a criança, os órgãos genitais não são o centro do prazer sexual como acontece com os adultos. Nos primeiros anos de vida, a criança está descobrindo o próprio corpo, a funcionalidade de cada parte e as sensações relacionadas a elas. Assim, a criança explora seu corpo, corre, rodopia, percebe que sente cócegas em algumas partes e sensações boas em outras. Para a criança, os genitais não são uma zona sexual ou erótica, essa concepção ainda não foi construída. 

Portanto, quando falamos de sexualidade infantil, estamos tratando de uma concepção muito mais ampla, que envolve as experiências sensoriais e corporais como um todo; a forma como percebemos e nos sentimos em relação ao próprio corpo; tudo o que se refere a ser homem e ser mulher; a forma como nos relacionamos com as pessoas que gostamos; o desenvolvimento e as mudanças corporais; e a reprodução humana.  

As crianças são naturalmente curiosas e expressam curiosidade também pelas questões da sexualidade, assim como fazem em diversas áreas da vida. Cabe aos pais ou responsáveis influenciá-las de forma adequada para a construção de uma sexualidade saudável. Para isso, é importante orientar os pequenos sem envergonhá-los ou repreendê-los por estarem fazendo uma pergunta. Crianças precisam ser ensinadas de forma respeitosa e em linguagem adequada, sem que se sintam culpadas por uma curiosidade ou exploração sexual normal.  

Uma boa forma de fazer isso é internalizando uma concepção geral de sexualidade infantil como algo natural da vida, obtendo informações sobre o que é esperado em cada etapa do desenvolvimento e conhecendo os comportamentos sexuais típicos, ou seja, considerados “normais” ou comuns à maioria das crianças. Essa postura auxilia os pais a lidarem com a sexualidade dos filhos de uma forma mais tranquila, assumindo posturas mais saudáveis e efetivamente protetivas. 

Silvia Pereira Guimarães

24 de março de 2021Comments are off for this post.

Criança mente sobre o abuso?

Essa pergunta é muito comum, a tal ponto que o argumento de que o relato não passa de uma fantasia é frequentemente usado pelos advogados de defesa no âmbito jurídico. Nesse contexto, a incapacidade da vítima para apresentar um relato cronologicamente ordenado e detalhado sobre a vitimização é encarada por advogados e magistrados como um indício de que ela estaria mentindo ou fantasiando sobre a situação abusiva.

Tal entendimento parte do desconhecimento acerca de características fundamentais e típicas da infância, bem como das etapas de desenvolvimento do processo cognitivo e da aquisição da memória. Em razão disso, muitos adultos esperam que crianças tenham capacidades similares às suas, de forma que incoerências e incongruências são tomadas por indicativos de falta de veracidade.

No que se refere às habilidades da infância, entre 4 e 5 anos de idade, uma criança já é capaz de distinguir verdade de mentira, como também de mentir intencionalmente para, por exemplo, fugir de um castigo, obter recompensa, agradar alguém ou proteger figura significativa. 

Já a capacidade de imaginar, de lançar mão de ideias fantasiosas para interpretar ou relatar algum acontecimento, é bastante comum e recorrente na infância. A imaginação e o jogo simbólico são processos normais e essenciais para o desenvolvimento integrado das crianças e possibilita que elas internalizem situações do dia a dia ou elaborem vivências traumáticas. É por meio da brincadeira e da imaginação que uma criança passa da posição de objeto, que deve obediência aos pais, professores, irmãos ou a alguma outra criança, para o lugar de quem manda, de quem sabe, de quem determina as regras. É brincando que a criança pode mudar de papel e se distanciar temporariamente da condição de dependência e impotência que ela experimenta em diversos momentos. 

Dito isso, nos cabe fazer a mea culpa. Adultos também mentem, e muito. Pode-se dizer, considerando as estatísticas, que mentem bem mais que as crianças. Ademais, também fantasiam. Fazem planos diante de um jogo da mega sena, ensaiam conversas antes de um encontro e repassam inúmeras respostas que não deram quando confrontados, por vezes em voz alta. Nesse sentido, pedem das crianças a maturidade e coerência que nem mesmo têm.

Mas, voltando à pergunta inicial: Crianças mentem que foram abusadas?

Embora fantasiem, crianças não vivem em um mundo de fantasia e, por volta de três anos e meio, conseguem distinguir fatos concretos da imaginação. Além disso, costumam fantasiar com elementos que lhes são apresentados. Por conta disso, as brincadeiras giram em torno de situações habituais, de fatos que aconteceram na família ou de temas movidos por histórias imaginárias: personagens de livros, desenhos ou jogos. Considerando que cenas eróticas não fazem parte de vivências corriqueiras na infância, seria bastante atípico que uma criança relatasse uma situação sexualmente abusiva a partir da própria criatividade. Ainda que sejam capazes de fantasiar, a maioria das crianças não possui conhecimento ou percepção suficientes para ter o que são, em essência, fantasias sexuais adultas.

Aqui, cabe a ressalva de que uma criança pode ter contato com cenas eróticas de modo incidental, pela internet ou manipulando o celular dos responsáveis, por exemplo. Sendo assim, não necessariamente o relato de uma situação aparentemente sexual é produto do assédio de algum adulto. Vale esclarecer, entretanto, que expor intencionalmente uma criança ou adolescente a uma cena de conteúdo erótico, seja pessoalmente, seja em vídeo, configura sim violência sexual.

Sobre a mentira, é difícil entender que tipo de motivação levaria uma criança a inventar uma acusação de abuso contra alguém. Raramente uma criança mente sobre isso, a menos que esteja sob influência de um terceiro que visa algum benefício com a denúncia. Mesmo assim, quando consideramos o contexto de litígio e de divórcio, tem-se que apenas 6% das denúncias de violência sexual são inverídicas.

Nesse sentido, é mais comum uma criança usar a capacidade de mentir para encobrir uma violência que aconteceu com ela, seja por ameaças, por receio das consequências do relato ou pela necessidade de proteger um agressor com quem tem laços afetivos.

Juliana Borges Naves

10 de março de 2021Comments are off for this post.

Por que devemos evitar beijar a criança na boca?

O beijo na boca entre pais e filhos é um tema que, de tempos em tempos, volta a ser palco de discussão. Independentemente da polêmica ou das questões morais que muitas vezes assumem o tom dessa questão, é importante estar atento aos aspectos psicológicos desse comportamento para a criança e dos riscos que ele traz. 

É comum que os pais, em suas expressões cotidianas de amor pelos filhos, nas demonstrações de carinho, deem beijos na boca da criança, que rapidamente são correspondidos por ela. A intenção, certamente, é de um comportamento amoroso e inocente, que expressa o vínculo existente entre eles. 

Contudo, é importante lembrar que, desde o momento do nascimento, somos seres em desenvolvimento. Assim, as noções de afeto e de sexualidade da criança são bastante distintas das do adulto e encontram-se em franco processo de amadurecimento. Aquilo que é percebido como carinho, como demonstração de afeto, como permitido ou não, vai sendo construído paulatinamente, a partir de suas primeiras relações.

Quando a criança aprende desde bebê a beijar os pais na boca, ela vai associando esse comportamento a algo bom, que se faz com pessoas que gosta. Desse modo, haverá uma forte tendência a reproduzir esse tipo de ação com outras pessoas que gosta: com os coleguinhas da escola, com a professora, com a babá, com outros adultos ao seu redor. 

Nesse sentido, a criança pode se tornar um alvo fácil para uma pessoa mal intencionada, que queira se aproveitar dessa conduta. Uma vez que o beijo na boca é algo natural para aquela criança, um abusador sexual buscará utilizar isso em benefício próprio, dessensibilizando a criança para atos cada vez mais erotizados. 

Por isso é tão importante que a criança aprenda desde muito cedo que há comportamentos que são de crianças e há comportamentos que são de adultos. Assim, fica claro que existem carinhos que são trocados apenas entre adultos. Beijo na boca é um comportamento de adulto, é algo que os adultos fazem quando se gostam, quando namoram etc. Já as crianças demonstram carinho abraçando, pegando na mão, dando beijos no rosto ou na bochecha.  

Eventualmente, esse tipo de regra pode parecer exagero, pois os pais têm certeza de que a criança está em um ambiente seguro, que está apenas “em família” e que “não tem maldade nenhuma” no beijo na boca que dão em seus filhos. 

Ainda assim, é preciso entender que a criança não tem esse limite claro, do que é seguro, na cabeça dela. Ao contrário, essas noções estão sendo construídas. Ainda que existam diferenças claras de significados entre um beijo na boca de um casal e um “selinho” de carinho, esses limites não estão bem estabelecidos nos anos iniciais da vida. Apenas em uma fase mais avançada de desenvolvimento a criança consegue ter uma compreensão global sobre isso.   

Um ponto que vale a pena lembrar é que a boca é uma zona erógena do corpo que provoca sensações de prazer. Então, sendo o beijo na boca um comportamento natural, com o tempo, algumas crianças podem passar a repetir esse gesto com várias outras pessoas, simplesmente porque é bom. 

Além disso, na nossa sociedade, o beijo na boca tem uma conotação sexual, pois é a forma como um casal que possui alguma ligação erótica demonstra o afeto. Aos poucos, na medida em que cresce, a criança vai percebendo o sentido que o beijo na boca tem para outras famílias ou grupos sociais. Esses limites entre o que tem conotação afetiva e o que tem conotação sexual pode se tornar uma fonte de confusão e angústia para ela. 

Silvia Pereira Guimarães

3 de março de 2021Comments are off for this post.

Abusos sexuais cometidos por mulheres

É complicado aceitar a ideia de que mulheres são capazes de abusar de crianças e adolescentes. De maneira geral, a condição feminina é bastante idealizada na nossa cultura e as mulheres são tidas como frágeis, naturalmente maternais e amorosas. Consequentemente, não são consideradas suspeitas de atos de violência sexual, especialmente em relação a crianças com quem têm vínculo familiar ou de cuidado. 

Embora esse seja um assunto pouco comentado, parte significativa dos abusos sexuais contra crianças e adolescentes é cometida por mulheres. As estatísticas não são precisas, mas estima-se que de 2 a 25% das ocorrências de abuso infantojuvenil envolvam agressoras do sexo feminino. Considerando os casos que chegam a ser denunciados, a prevalência gira em torno de 5%. 

Como é possível imaginar, uma dificuldade ao lidar com o problema é que esses são abusos mais difíceis de detectar. Como mães e cuidadoras têm acesso constante ao corpo da criança nos momentos de higiene, por exemplo, toques abusivos, inseridos nesse contexto, podem passar despercebidos por anos. 

Assim como ocorre com os  agressores do sexo masculino, não há um perfil específico para as autoras de violência sexual. Elas compõem um grupo heterogêneo, com características e motivações variadas para a prática do abuso.

Sobre as agressoras que abusam dos próprios filhos, há as que agem de forma sedutora, estimulando sexualmente a criança sem usar força ou causar sofrimento físico. Nesses casos, a vítima muitas vezes demora a compreender o caráter abusivo da relação, já que a violência sexual se mistura com atos de cuidado e carinho, levando a criança a acreditar que aquela é uma forma natural de interação.

Mas há também as mães que agem de forma cruel e sádica, provocando dor ou humilhação e recorrendo a ameaças para manter a situação em segredo. Nesses casos, tendem a apresentar baixo nível de escolaridade, dificuldade em estabelecer relacionamentos sociais adequados, dependência química ou transtornos mentais.

Temos, ainda, mulheres que cometem violência sexual inicialmente coagidas pelos parceiros mas, com o tempo, passam a abusar de crianças por iniciativa própria.

No que se refere à violência sexual de mulheres contra adolescentes, há aquelas que romantizam o envolvimento e se tornam amantes de rapazes bem mais novos. Essa é uma situação complexa se levarmos em consideração os ideais ligados à masculinidade, que incentivam o homem a corresponder sempre de forma viril quando provocado por uma mulher. Nesse contexto, muitos jovens podem se sentir acuados e obrigados a aceitar o abuso por pressão social. Na mesma lógica, dificilmente serão capazes de admitir abertamente seu sofrimento ou denunciar a situação sexualmente abusiva. 

Juliana Borges Naves