23 de março de 2022Comments are off for this post.

Abuso sexual praticado por adolescentes

A violência sexual, quando praticada por um adolescente ou até mesmo por uma criança, é um assunto complexo e bastante desafiador, uma vez que os limites entre vítima e agressor, muitas vezes, se mostram pouco claros. Ainda assim, estima-se que abusos sexuais praticados por adolescentes correspondem a 30% do total de casos.

Uma das grandes dificuldades nas situações dessa natureza refere-se à necessidade de diferenciar as relações abusivas das atividades sexuais consensuais e exploratórias comuns dessa fase de desenvolvimento. Nesse sentido, as análises devem sempre considerar a situação em particular e diversos pontos devem ser ponderados: a diferença de idade entre os envolvidos, a diferença de poder entre eles, a sofisticação da atividade sexual, o consentimento ou concordância, a existência de violência aberta ou ameaça de violência, dentre outros.

A adolescência é o período de transição entre a infância e a vida adulta. Trata-se de uma etapa do desenvolvimento biopsicossocial do sujeito, marcado por grandes transformações, não apenas físicas/biológicas, mas também por processos de mudanças e adaptações psicológicas, familiares e sociais. Assim, o adolescente é um sujeito em franco processo de desenvolvimento e, do ponto de vista legal, é um “sujeito de direitos”. Isso significa dizer que os adolescentes gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana e lhes devem ser asseguradas todas as oportunidades e facilidades a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. 

É importante deixar claro que, ainda que sejam sujeitos de direitos, os adolescentes respondem por seus atos na ocasião em que cometem um crime. No caso de adolescentes, afirma-se que foi cometido um “ato infracional”. Nessas situações, poderão ser aplicadas medidas sócio-educativas diversas: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação em estabelecimento educacional.

Entendendo que o adolescente que pratica um abuso sexual pode responder legalmente por seus atos, o grande desafio é caracterizar esse tipo de violência. Para isso, o primeiro ponto que deve ser considerado é a diferença de idade entre os envolvidos. Entende-se que atividades exploratórias da sexualidade são comuns entre jovens da mesma faixa etária, contudo, quando nos deparamos com grandes diferenças de idade (um adolescente e uma criança mais jovem), existe uma maior probabilidade de que a prática não seja uma atividade consensual. Isso também acontece quando verificamos significativa diferença de poder entre as duas partes, ou seja, quando o adolescente tem um status de ser o cuidador dos menores ou possui certa responsabilidade sobre os demais, há grande probabilidade de que a atividade sexual seja de natureza abusiva. 

Outro aspecto a ser considerado é o nível de sofisticação da prática sexual. Atividades exploratórias tendem a ser mais simples, pueris, ingênuas, sugerindo desconhecimento com relação à sexualidade. Já as atividades abusivas tendem a ser mais elaboradas, indicando certo conhecimento sexual. Além disso, vale observar a persistência dos atos. A experimentação sexual da fase da descoberta tende a ser esporádica, eventual. Por outro lado, a repetição e a alta frequência da atividade aparece com maior incidência em práticas de abuso sexual. 

Vale observar ainda como as partes se posicionam frente aquela atividade. É importante entender até que ponto ambos consentiram naquela atividade e levar em conta se houve algum tipo de coação ou ameaça. Ademais, a existência de atos de violência aberta (como agressão física que inflige dor) pode ser indicativa de abuso sexual. 

Deve ser levado em consideração também a experiência da vítima com relação à atividade sexual, ou seja, se seu sentimento acerca do encontro sexual aponta para um abuso, provavelmente não houve consentimento. Além disso, a forma como a atividade foi revelada pode dar pistas sobre o evento. Um exemplo disso são casos que são descobertos porque a vítima apresentou significativas mudanças indicativas de vivência traumática e sofrimento. 

As situações de violência sexual que envolvem adolescentes como agressores devem sempre ser observadas caso a caso, fugindo de conclusões simplistas. Além das dificuldades em delimitar o que configura um abuso, existe a possibilidade de que o jovem agressor seja também uma vítima de violência. Ainda que seja difícil mensurar, alguns estudos apontam que, com frequência, adolescentes agressores sexuais foram vítimas de abusos sexuais, físicos e emocionais. Entender a complexidade da situação é fundamental para a responsabilização adequada, como também para que intervenções e tratamentos sejam administrados, tanto voltados para a vítima quanto para o agressor.  

Silvia Pereira Guimarães

16 de março de 2022Comments are off for this post.

Afastando a vítima do agressor

Um dos cuidados mais essenciais ante à confirmação de um abuso sexual deve ser garantir que a vítima seja posta em segurança, a salvo de novos episódios de violência. O objetivo principal desse tipo de medida é o de resguardá-la, assegurando a devida atenção aos seus direitos básicos e impedindo que continue prejudicada quanto a seu bem-estar e desenvolvimento.

A literatura científica sinaliza que abusos que se repetem ao longo do tempo tendem a ser mais impactantes e desorganizadores para aquele que sofre a violência do que as situações que envolvem episódios isolados de vitimização. Além disso, à medida que os episódios se repetem, se tornam gradativamente piores, com condutas cada vez mais invasivas. Em razão disso, afastar a vítima do agressor pode ser algo necessário. 

Considerando a variabilidade dos casos de violência sexual, comumente esse afastamento vai ser sentido pela criança ou pelo adolescente como um alívio, especialmente quando a relação com o abusador é mais traumática. Em outras situações, principalmente nos casos que envolvem abusos intrafamiliares, o agressor pode ser uma figura de apego e referência para a vítima, sendo que o distanciamento em relação a ele deve ser bem analisado e conduzido para não representar um novo abalo emocional.

É nesse ponto que a rede de proteção assume um papel fundamental. É ela que, com profissionais capacitados, avalia o contexto da denúncia para evitar que injustiças sejam cometidas no processo, já que tais questões podem interferir irreversivelmente no vínculo entre a criança e a pessoa apontada como abusiva. A partir dessa verificação, cabe também aos órgãos desse sistema indicar o que é mais recomendável frente às circunstâncias postas, definir as estratégias protetivas mais pertinentes, orientar os familiares e promover apoio psicológico a todos os envolvidos.

Liliane Domingos Martins

9 de março de 2022Comments are off for this post.

A repercussão do abuso sexual de crianças e adolescentes nas instituições

Receosos quanto à publicidade negativa e escândalos, é comum que instituições públicas e privadas deixem de denunciar casos de violência sexual ocorridos em suas dependências ou que envolvam seus funcionários. Quando confrontados com a realidade de episódios de abuso, é usual que os responsáveis por escolas, universidades, igrejas, escritórios, departamentos de saúde e entidades políticas, entre outros, optem pela adoção de providências internas, como a transferência do agressor para uma outra cidade, seu afastamento de atividades com crianças e adolescentes ou a demissão. Tais medidas são insuficientes para lidar com o problema, já que perpetuam processos de silenciamento e deixam o abusador livre para replicar a violência em novas oportunidades.

É preciso ter claro que casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes têm previsão criminal, ou seja, são considerados crimes. Assim sendo, eles não podem ser deixados restritos às esferas administrativas das instituições e devem ser efetivamente notificados às autoridades competentes. Há obrigatoriedade de registro desse tipo de ocorrência e quando isso não é observado, a entidade também pode responder judicialmente.

Levando em conta que a violência sexual contra crianças e adolescentes é algo que ocorre mais frequentemente do que gostaríamos de admitir, é preciso que todos aqueles que trabalham com esse público definam seus modelos de ação para quando casos dessa ordem surgirem e isto envolve a cientificação de pais e de órgãos de proteção. Assim como os centros educacionais desenvolvem estratégias para lidar com alunos doentes, comunicando aos responsáveis e os encaminhando para casa, do mesmo modo as diversas entidades devem ponderar acerca da criação de protocolos para manejar aquelas situações em que crianças e adolescentes relatam abusos.

O temor quanto à repercussão negativa ante a casos de violência sexual é sem sentido, a medida em que a indignação das pessoas tende a se dar exatamente em função das omissões institucionais. A sociedade mostra sua revolta principalmente quando identifica que grupos profissionais negligenciaram abusos recorrentes, não intervieram sobre as circunstâncias de sua ocorrência ou omitiram informações sobre os acontecimentos. Isso tudo aponta que é irresponsável manter segredo sobre problemas tão graves, principalmente quando se dão no âmbito de entidades que deveriam zelar pelo bem-estar e melhores condições de desenvolvimento de crianças e adolescentes.

Se você trabalha com crianças e adolescentes, leve aos seus superiores e estimule a sua equipe a refletir sobre como lidar com eventos abusivos. É melhor pensar sobre tais questões fora de uma adversidade efetiva do que após um cenário de crise. Se você tem filhos, observe como as instituições que ele frequenta agiram em função de relatos de violência. Para todos esses contextos, estejam atentos e denunciem se observarem omissões. 

Liliane Domingos Martins

16 de fevereiro de 2022Comments are off for this post.

Existe violência sexual contra meninos?

Muita gente acha que a violência sexual ocorre exclusivamente com meninas. Esse tipo de pensamento equivocado traz complicações importantes para as crianças do sexo masculino. Nesses casos, a educação para autoproteção deles costuma ser negligenciada e os garotos tendem a ficar mais desprotegidos, alvos fáceis de pessoas mal intencionadas. 

Em 2020, segundo os dados enunciados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2021, cerca de 13,1% dos casos de estupro e estupro de vulnerável em nosso país foram contra indivíduos do sexo masculino. Talvez esse índice não pareça tão alto para alguns leitores, mas é preocupante constatar que, no caso das crianças desse grupo, eles costumam ser vitimizados com mais frequência nos primeiros anos da infância, até os 9 anos, enquanto com as meninas e mulheres, a idade com maiores índices de vitimização é aos 13 anos. Trata-se de uma tendência que também é documentada por outros levantamentos estatísticos e que evidencia a necessidade de se estar atento para a educação sexual de meninos desde muito cedo. Isso significa que os meninos também devem aprender sobre as partes de seus corpos que não devem ser tocadas por terceiros, a reconhecerem contatos desconfortáveis, a reagirem a convites estranhos ou que lhes deixem envergonhados.

Além disso, apesar desses números, alguns dos motivos porque as pessoas não são tão conscientes sobre a violência contra meninos envolvem especificidades da nossa cultura. No geral, a virilidade masculina é estimulada e, por isso, certos abusos podem vir camuflados de iniciação sexual. É importante que isso seja compreendido pelos responsáveis por crianças do sexo masculino para mantê-los mais protegidos. Em educação sexual, cada conteúdo é pensado cuidadosamente e oferecido conforme a faixa etária do infante. Assim, está errado, por exemplo, se um tio mostra vídeos pornográficos para seu sobrinho alegando que ele precisa aprender o assunto. Basta pensar da seguinte forma: se fosse uma menina, a situação provavelmente escandalizaria os parentes. Do mesmo modo, portanto, é abusivo esse tipo de abordagem com crianças do sexo masculino.

Também é preciso reconhecer que os estereótipos de masculinidade dificultam a denúncia de casos de violência sexual contra homens e meninos. Mais uma vez, como eles são culturalmente estimulados ao exercício sexual, sentem-se bastante inibidos em assumir publicamente sobre quaisquer situações nas quais foram violados, forçados a atos sexuais. Tendo em vista que os homossexuais normalmente são discriminados e ridicularizados em muitas rodas masculinas, homens vítimas de abusos costumam temer que sua orientação sexual seja questionada por seus pares. Isso implica na subnotificação dos episódios abusivos contra pessoas do sexo masculino, o que faz com que o problema pareça menor do que realmente é. É essencial, deste modo, quebrar o tabu quanto a esta forma de silenciamento, abrindo espaço para que mais homens e meninos se encorajem a buscar ajuda.

Frente a tais pontos, é possível perceber que nossa sociedade carrega valores machistas e homofóbicos que levam à ampla desconsideração sobre a violência sexual contra indivídios do sexo masculino. Cada vez mais, a desconstrução desses conceitos vem sendo objeto de reflexão na orientação de nossas crianças, isto com o objetivo de maior igualdade entre os sexos. Tal estratégia pode ser fundamental para que meninos e homens se sintam mais acolhidos quando passam por uma situação de violência e para que se tornem menos propensos a se tornarem agressores. É fácil assumir que, desse modo, todos saem ganhando!

Liliane Domingos Martins

9 de fevereiro de 2022Comments are off for this post.

Os impactos da subnotificação da violência sexual

Atualmente, estima-se que apenas 10% dos casos de violência sexual no Brasil são notificados, ou seja, passaram por algum tipo de registro ou denúncia em órgãos de polícia e/ou proteção. Isso significa que a maioria das situações que envolvem uma violência de natureza sexual fica restrita à própria vítima e, quando muito, a um problema a ser resolvido em contexto familiar. São comuns as soluções caseiras, onde busca-se afastar a vítima do agressor e dar suporte à vítima exclusivamente dentro do ambiente privado.

O baixo índice de denúncias sobre a violência sexual produz um grave efeito colateral: é como se a maior parte dessa realidade não existisse. Com dados oficiais incompletos e que não correspondem à realidade, temos acesso apenas à ponta do iceberg, e não conseguimos enxergar de fato seu tamanho real.

A subnotificação dos casos tem um impacto significativo no direcionamento que será dado às diversas políticas públicas relacionadas à violência, sejam elas voltadas para a prevenção ou para o combate a esse tipo de crime. O planejamento das ações governamentais se dá conforme dados e estatísticas oficiais e, sem essas informações ou com informações imprecisas, é como se as políticas fossem formuladas às cegas, comprometendo significativamente sua efetividade. 

A subnotificação da violência sexual faz com que esse problema social pareça menor do que ele realmente é e, consequentemente, que o investimento público nessa área seja igualmente reduzido. Assim, planos de prevenção à violência (nas escolas e comunidade), investimentos nos órgãos (estruturação, capacitação etc.) que atuam na responsabilização dos agressores, investimentos em políticas socioassistenciais de acompanhamento das famílias e de cuidados (médicos, psicológicos, jurídicos etc.) das vítimas, investimentos na estruturação de canais de informação e denúncia, ações de articulação dos diversos órgãos da rede de proteção, dentre outras ações, sofrem grande impacto em razão da subnotificação. 

Frente a isso, vale ressaltar a importância do acesso facilitado aos canais de denúncia de casos de violência. Diante de um crime de tamanho impacto pessoal e social, a facilidade em denunciar pode determinar a continuidade ou não da violência. Além disso, pode ser a diferença entre a vítima receber o adequado tratamento e a reparação dos danos causados pela violência ou não. Ademais, essa facilidade contribui para a construção de uma base de dados um pouco mais próxima da realidade e, consequentemente, ao planejamento de ações mais condizentes com o problema. 

Atualmente, a falta de dados e a imprecisão das informações reflete a pouca importância que se dá ao combate à violência sexual no Brasil e, ao mesmo tempo, contribui para a perpetuação dessa realidade. Trata-se de um ciclo difícil de ser rompido e que exige diálogo e mobilização coletiva para o seu enfrentamento. 

Silvia Pereira Guimarães

2 de fevereiro de 2022Comments are off for this post.

Não Faça Promessas

Movidas pela ansiedade natural de receber uma denúncia de violência sexual, muitas pessoas fazem promessas às vítimas que dificilmente podem ser cumpridas ou que envolvem questões às quais não podem controlar. Esse tipo de comportamento pode ter efeitos bastante ruins, pois, frente a cada compromisso desfeito, as crianças e adolescentes tendem a se mostrar mais desconfiadas acerca dos adultos.

Em primeiro lugar, as promessas podem resultar do impulso da pessoa mais velha em proteger os pequenos que estão sendo ouvidos. Mobilizado pela gravidade do problema narrado, o adulto pode, equivocadamente, dar garantias de que vai resolver aquela situação, que a vítima não vai mais se encontrar com o agressor ou ser submetida novamente à violência. Nesses casos, por mais boa vontade que se tenha para impedir que a criança ou adolescente continue naquele contexto adverso, podem ser encontradas circunstâncias que complicam a adoção dessas medidas tão necessárias de proteção. Por exemplo, o abusador pode mandar mensagens para a vítima pela internet e lhe fazer ameaças, isso mesmo depois de lhe prometerem que estaria segura e resguardada de qualquer contato com ele. Ou ainda, a família pode se mudar repentinamente para evitar a repercussão da denúncia, fazendo com que a criança ou adolescente continue submetida ao parente agressor, mesmo que outras pessoas tenham declarado que, a partir de seu relato, os abusos iriam parar. 

Em segundo lugar, essas promessas também costumam ser feitas com a intenção de estimular a criança a falar mais sobre os abusos, a detalhar os episódios de violência. Nesses casos, interessada em entender melhor tais acontecimentos, a pessoa que acolhe o relato pode prometer, por exemplo, que é a última vez que a vítima vai falar sobre o assunto. Aqui, apesar da promessa, não há garantias de que outros profissionais, ou mesmo os familiares da criança, irão abrir mão de saber mais sobre as ocasiões em que ela foi agredida. Com esse mesmo objetivo de incentivar a vítima a se sentir mais à vontade e aberta para tratar da situação abusiva, muitas vezes lhe prometem ainda que ninguém vai saber do que está sendo tratado, o que não corresponde à verdade, já que um relato desse tipo tem obrigatoriedade legal de ser comunicado às autoridades.

A grande questão sobre essas promessas é que, quando quebradas, podem fazer a vítima crer que o adulto mentiu para ela. Isso é especialmente complicado quando se considera que o abuso sexual também costuma representar uma quebra de confiança por parte de uma pessoa mais velha, que deveria lhe amparar e proteger. As promessas descumpridas reforçam um ciclo de descrédito das crianças em relação aos mais velhos e são revitimizantes, pois provocam angústia e insegurança com o processo subsequente à revelação. 

Lembre-se que falar de uma experiência tão dolorosa é algo muito difícil. Quem escuta a criança, portanto, deve ser cuidadoso quanto às promessas que faz. O adequado acolhimento da vítima envolve muita atenção para a forma como nos dirigimos a ela. A ideia é que ela se sinta amparada e encorajada para lidar com as etapas que se seguem à denúncia.

Liliane Domingos Martins

26 de janeiro de 2022Comments are off for this post.

Dinheiros e Presentes: sinal de alerta

A oferta de dinheiro ou presentes é uma tática que abusadores sexuais frequentemente usam para se aproximar de crianças e adolescentes. Como os mais novos não trabalham e dependem dos adultos para obter aquilo que desejam, é comum que os agressores proponham certos contatos sexualizados, como toques nas partes íntimas, em troca de brindes como um novo celular, fone de ouvido, guloseimas, brinquedos, material escolar, etc.

É preciso ter em mente que são raras as situações às quais crianças e adolescentes têm acesso a dinheiro. Essas situações envolvem, normalmente, presentes de parentes em ocasiões como aniversário ou natal, ou quando os pais combinam a cessão de uma mesada aos filhos. Em ambos os casos, usualmente há datas específicas associadas ao ganho e este é facilmente explicado, sem gerar qualquer estranhamento nas pessoas que convivem com a criança ou adolescente.

De outro modo, os episódios em que os abusadores aliciam suas vítimas com esse tipo de estratégia têm características particulares, que os pais podem usar como alerta para protegerem seus filhos. Em primeiro lugar, devem desconfiar quando as crianças aparecem com qualquer quantia que não envolva mesada ou um presente especial. Se a criança alegar que recebeu o montante por ter executado algum favor a um adulto, é importante averiguar o fato. Da mesma forma, é importante verificar quando disserem ter ganhado presentes de algum coleguinha, já que a desculpa pode ser usada para encobrir uma vivência abusiva.

Caso apareçam com objetos muito caros, recebidos de pessoas com quem nutrem um vínculo mais superficial ou distante, tem-se um outro cenário que merece atenção. Dificilmente pessoas bem intencionadas doam presentes de alto custo e que podem comprometer seu orçamento, sem ter uma ligação familiar ou afetiva importante com aquela criança. Na escola, os professores também conseguem perceber que algo está errado quando o aluno passa a aparecer com itens que não correspondem ao poder aquisitivo de sua família ou surge com variadas quantias de dinheiro em pouco tempo.

  De modo geral, a prevenção contra essas ocorrências deve ser ensinada às crianças ou adolescentes. Antigamente, dizia-se aos pequenos para não aceitarem doces de estranhos e, hoje em dia, é preciso que eles sejam estimulados a contar para seus pais sobre quaisquer ofertas ou propostas que recebam, a fim de que o adulto monitore os riscos envolvidos. São a postura observadora dos pais e o bom diálogo com as crianças que facilitam a identificação dessas ocorrências estranhas e perigosas. 

Liliane Domingos Martins

19 de janeiro de 2022Comments are off for this post.

Como Nomear os Órgãos Genitais?

Na educação sexual de crianças é importante que sejam ensinados os nomes corretos dos órgãos genitais. Os pais podem optar por dar apelidos às partes íntimas, chamando-as, por exemplo, de “pipiu” e “perereca”. Isso não é proibido, claro. Mesmo assim, o mais recomendável é que orientem seus filhos sobre as designações reais dessas regiões do corpo. Desse modo, a genitália masculina deve ser apresentada como pênis, enquanto a genitália feminina é chamada de vulva em sua parte externa e vagina em sua parte interna.

A primeira vantagem de usar a expressão correta para essas áreas corporais envolve o fato de que, assim, elas não são tratadas de uma forma diferente das demais. É preciso assumir que boa parte da resistência dos adultos em apontar a denominação adequada dos genitais envolve preconceitos, como a ideia de que tratam-se de nomes feios, sujos e que não devem ser pronunciados pelos pequenos. Mas, aí, temos um problema. Você sabia que existem crianças que ficam tão constrangidas de falar de suas genitálias, que preferem esconder de seus cuidadores sobre qualquer dor que sintam nessas regiões? É claro que essas partes são íntimas e, portanto, não devem ser tocadas ou observadas por terceiros, porém, é mais fácil para as crianças falarem sobre elas (em episódios de excitação, adoecimento ou de manipulações inadequadas de outras pessoas) quando é diminuído o peso social usualmente atrelado ao assunto. Isso significa que não há porque terem receio de falar do pênis ou da vagina, assim como não ficamos envergonhados em falar do joelho, da barriga ou do coração. 

Outra grande vantagem de ensinar as crianças a reconhecerem os nomes adequados de seus genitais é que confusões podem ser evitadas sempre que precisarem fazer qualquer comunicado sobre essas áreas específicas de seus corpos. Muitas vezes, os apelidos usados são ambíguos, ou ainda, são diferentes para cada família. Isso pode implicar em dificuldades para que as crianças sejam compreendidas se tentarem revelar que foram tocadas indevidamente no “biscoito”, no “passarinho” ou na “gordinha”, por exemplo.

Por essa discussão, fica claro que a objetividade das informações oferecidas às crianças é uma aliada na educação sexual e no estabelecimento de diálogo entre pais e filhos. Tendo em vista a criação de muitos adultos, sabemos que pode ser embaraçosa a adoção dessas estratégias, porém, é preciso que lidem com esse desconforto para promover as melhores condições de desenvolvimento e segurança aos pequenos.

Liliane Domingos Martins

29 de dezembro de 2021Comments are off for this post.

A criança gostou do abuso?

Muita angústia toma conta da família quando uma criança diz ter tido alguma sensação agradável durante o abuso. Principalmente crianças pequenas, que ainda não desenvolveram noções de vergonha e pudor, podem narrar situações sexualmente abusivas com muita tranquilidade e dar detalhes como de que sentiram “uma cosquinha gostosa” naquela hora. Esse tipo de situação, que causa horror nos adultos, tem explicação e é fundamental que entendamos o que se passa nesses casos para não corrermos o risco de sermos injustos com as vítimas.

Vemos que muitos pais se revoltam com os filhos, pois concluem que eles “gostaram de ser abusados”. Outros, chegam a castigar as crianças por isso, supondo que se trata de algum desvio de personalidade ou de uma participação voluntária e ativa na interação sexual com o agressor. Em todo caso, não é isso que ocorre.

O que precisa ficar claro é que a criança tem um corpo que reage de forma natural e fisiológica ao contato com o mundo. Assim como ocorre com os adultos, ela sente dor ante a um toque violento e desconforto em ambientes muito frios ou muito quentes. Da mesma forma, se tocada de maneira gentil e carinhosa, tende a ter sensações agradáveis. Quando abraçamos uma criança ou quando acariciamos seus cabelos, é comum que ela sinta isso como algo prazeroso e entenda esses gestos como expressões de afeto. 

Nesse ponto devemos lembrar que as partes íntimas são naturalmente sensíveis, cheias de terminações nervosas. É por isso que, tão logo uma criança deixa as fraldas, ela mesma descobre como é gostoso manipular essas partes. Por isso é comum perceber crianças pequenas manipulando os genitais em momentos de relaxamento e em qualquer ambiente. A reação dos adultos a isso costuma ser a pior possível, ante a conclusão de que aquela criança estaria se “masturbando”. O mais frequente é que esses adultos busquem reprimir tal comportamento, com o argumento de que seria algo inapropriado ou nojento. 

Precisamos entender que, para crianças pequenas, as partes íntimas não têm a conotação sexual que percebemos quando nos tornamos mais velhos. Para elas, a manipulação dessas partes apenas traz bem estar, assim como chupar o dedo ou torcer mechas de cabelo. Nesse sentido, a menos que sejam orientadas, podem não estranhar caso sejam tocadas nessas partes por algum molestador, especialmente se esse toque se dá de maneira delicada.

Obviamente, os agressores sabem disso e se aproveitam da confiança da vítima para inserir toques abusivos nas interações corriqueiras, muitas vezes como parte de brincadeiras ou travestidos de algum carinho normal entre adultos e crianças. Não é raro encontrar casos em que crianças abusadas desde tenra idade só descobrem que se trata de uma interação inapropriada muito mais tarde, quando conversam sobre isso com outras crianças ou passam por alguma orientação sobre prevenção de abuso na escola. Até aí, podem interpretar o abuso como uma relação especial, como uma descoberta mútua de sexualidade ou como algo que as outras crianças também passam. 

De todo modo, ainda que a criança possa fisicamente experimentar alguma sensação prazerosa diante do toque abusivo, isso não elimina o caráter nocivo, e por vezes traumático, do abuso.

Juliana Borges Naves

22 de dezembro de 2021Comments are off for this post.

Festividades de Dezembro e o Risco de Abuso Sexual

Quando o mês de dezembro começa, iniciam-se também os preparativos para várias celebrações deliciosas. Eventos e festas se multiplicam na agenda e é importante que os pais estejam atentos para a ameaça de abuso sexual sempre que há muita gente reunida. É claro que o carinho que damos e recebemos nessa época é bastante bem vindo, mas algum alerta costuma ser natural por parte de adultos responsáveis. Quando chegamos em uma confraternização na casa de alguém, avaliamos a falta de proteção na piscina, o alcance do fogo do churrasco ou a altura da janela de um apartamento, de maneira a evitar que as crianças sofram algum acidente. Do mesmo modo, é comum que os pais estejam ligados sobre como as pessoas interagem com seus filhos e como eles respondem a essas interações para evitar que os mais novos desrespeitem os mais velhos ou vice-versa.

São várias as condições que fazem com que os adultos se distraiam do risco de abuso nessas ocasiões festivas. Em primeiro lugar, existe uma crença popular de que a violência sexual ocorre sempre de forma privada, na ausência de terceiros. Sob esse raciocínio, crianças que estejam em uma festa encontram-se a salvo de abusos, mas isso não é verdade. Abusos são frequentes mesmo quando há outras pessoas presentes além da vítima e de seu violador. Isso ocorre, por exemplo, quando alguém mostra vídeos pornográficos para sobrinhos adolescentes no canto da sala ou quando a criança é tocada em suas partes íntimas por baixo de uma mesa.

Além disso, muitos pais se distraem sobre o risco de violência sexual porque confiam plenamente nas pessoas com quem estão confraternizando. Os laços afetivos são essenciais para todos e devemos muitos à nossa rede de suporte emocional quando enfrentamos qualquer problema. Entretanto, ainda que haja esse entendimento, os pais devem ser lembrados de que, segundo a literatura científica, a maior parte dos abusos é cometido por conhecidos e pessoas próximas da família da vítima. Assim, mesmo com um grupo muito próximo e querido, é preciso algum cuidado.

Vale acrescentar que o uso de álcool é um outro fator que influencia sobre essas situações. Para agressores, a ingestão de bebidas pode fazer com que fiquem mais desinibidos e impulsivos e, portanto, mais propensos a atos de violência. Para os pais, o consumo de cervejas, vinhos, drinks ou similares tende a deixá-los mais confortáveis no ambiente e tranquilos contra qualquer potencial perigo circundante.

Nosso lembrete fundamental aqui é de que as crianças e adolescentes são parte das razões porque festejamos a vida, os vínculos e a família. A necessidade de que sejam cuidadas e protegidas deve seguir ainda que seja dezembro, ainda que estejamos em festa. No mais, devemos sim comemorar o fim do ano de trabalho, confraternizar com amigos, reunir com parentes próximos e distantes, brindar o esperançoso início de um novo ciclo da vida. E que venham muitos motivos para isso!

Liliane Domingos Martins