6 de abril de 2022Comments are off for this post.

Criança Também é Gente

Não é porque as crianças têm pouca idade e limitado entendimento sobre a vida que podem ser tratadas como pessoas menos dignas de respeito. Esses pequenos indivíduos estão sim em uma fase de desenvolvimento particular, em que são dependentes e precisam ser orientados sobre o mundo, mas, ainda assim, eles têm direitos, devem ter seus corpos resguardados e opiniões consideradas.

A educação das nossas crianças é tradicionalmente adultocêntrica, ou seja, os adultos centralizam a autoridade e são detentores de poder sobre os mais novos. Nisso, as crianças são ensinadas a obedecer incondicionalmente aos mais velhos e que os adultos sabem sempre como agir. Se é assim, o que compreendem é que seus pais, tios, avôs ou mesmo estranhos não devem ser confrontados ou questionados. Tal modelo disciplinar deixa as crianças mais vulneráveis a abusos, pois, não sabem como responder quando um adulto faz algo inadequado com elas.

Além disso, pesquisas na área da violência sexual indicam que a diferença na percepção de poder entre o agressor e a vítima é um importante fator que contribui para a ocorrência do problema. Sendo assim, crianças são beneficiadas contra abusos quando essa assimetria em relação aos mais velhos é minimizada. Isso pode ser feito explicando para elas, por exemplo, que adultos não devem ser temidos, que também erram e devem pedir desculpas ou reparar os danos que causam. É muito saudável ainda, que elas tenham suas opiniões e sentimentos reconhecidos e validados. Para tal, os adultos podem perguntar o que acham e como se sentem acerca de situações cotidianas, demonstrando respeito pelo que trazem.

De modo geral, não é isso que acontece. É comum que a família e os adultos reconheçam as ideias dos mais novos como bobas ou fantasiosas. Isso representa outro risco em casos de abuso, já que, muitas vezes, suas denúncias sobre esse tipo de acontecimento acabam interpretadas como pouco confiáveis: uma mentira ou mera imaginação.

O desafio está posto. A educação moderna e atenta à necessidade de proteção dos infantes entende que os perigos são menores quando as crianças podem se posicionar em relação aos adultos. Isso auxilia para que se fortaleçam psiquicamente e aprendam mais facilmente a se ajustar no mundo, ao mesmo tempo em que se tornam mais autônomas e se habilitam para enfrentar adversidades. Tendo o apoio de adultos responsáveis por perto, estimulando e orientando esse percurso, o desenvolvimento delas vai ser mais rico. Lembre-se sempre: criança também é gente! 

Liliane Domingos Martins

30 de março de 2022Comments are off for this post.

Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes com Necessidades Especiais

O Atlas da Violência 2021 foi lançado recentemente, no final de agosto deste ano. O documento, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, reúne dados nacionais que retratam como se deram as situações de violência em grupos diversos de nosso país durante 2019. Isso é essencial para conhecermos as realidades inerentes à nossa população, e ainda, para a elaboração de políticas públicas dedicadas a minorar os problemas identificados.

Em um recorte particular dessa pesquisa temos um relevante ponto de discussão que remete aos abusos cometidos contra pessoas com necessidades especiais. Notou-se que, por exemplo, os casos de violência física ou psicológica mais genéricos são mais frequentes contra a população adulta ou idosa desse grupo. Em contraponto, quando o enfoque envolve a violência sexual, chama a atenção que as principais faixas etárias atingidas destacam crianças, adolescentes e jovens. Os dados dão conta de que 47% dos registros desses abusos são contra indivíduos com necessidades especiais na faixa etária entre 10 e 19 anos e 28% entre as crianças de 0 a 9 anos. Além disso, repetindo tendências de estudos similares, tem-se que meninas e mulheres são as principais vítimas, respondendo por 63,8% dos casos de violência sexual contra deficientes.

A suscetibilidade de pessoas com necessidades especiais a abusos se deve a dois fatores principais. Em primeiro lugar, apesar da ampla variabilidade das deficiências, é comum que apresentem maior dificuldade para perceber e compreender as situações de violência. Para algumas dessas vítimas, aquelas com limitações intelectuais, pode ser mais complicado assimilar as intenções e gestos das demais pessoas e, portanto, tende a ser improvável que identifiquem abordagens sexualmente indevidas. Nos casos de outras delas, dependem de auxílio de terceiros para atividades cotidianas e os abusos podem ser confundidos com ações de carinho ou de cuidado. Isso tudo é ainda mais problemático quando se acrescenta que a educação sexual usualmente é negligenciada para crianças e adolescentes com deficiências. Para esse grupo costuma haver um amplo receio de que tenham contato com a própria sexualidade ou que a exercitem de forma ativa, de modo que muitos cuidadores optam por omitir informações sobre esse campo da vida. Em consequência, é também comum que estejam mais expostas a riscos. 

Um segundo elemento que pode influenciar para que crianças e adolescentes com necessidades especiais estejam mais suscetíveis a abusos pode envolver dificuldades de comunicação ou acesso em relação a órgãos oficiais devido às suas limitações físicas ou intelectuais. Em casos de comprometimentos sensoriais, por exemplo, pode haver menor capacidade para produzir relatos, oferecer detalhes ou para serem compreendidas quanto a situações abusivas; em casos de comprometimentos motores, é provável que a pessoa não consiga se deslocar para registrar uma violência intrafamiliar. Essas vulnerabilidades fazem com que crianças e adolescentes com necessidades especiais se tornem alvos mais fáceis para possíveis agressores e é um dos fatores que justifica os números apresentados pelo Atlas da Violência.

É preciso estar alerta a essas questões para garantir a segurança desse público contra a violência sexual. Existem programas especializados em educação sexual baseados na oferta de conteúdos de forma simplificada e objetiva, adaptados para facilitar o entendimento sobre temas diversos na área, incluindo os riscos de abuso. Também é preciso incentivar e ampliar os recursos de comunicação dessas crianças e adolescentes, para que encontrem meios para partilhar e serem compreendidos em suas vivências mais diversas. Finalmente, enfatizamos que incentivar a autonomia de crianças e adolescentes, com necessidades especiais ou não, é uma das principais maneiras de favorecer a proteção deles para a vida em sociedade.

Liliane Domingos Martins

23 de março de 2022Comments are off for this post.

Abuso sexual praticado por adolescentes

A violência sexual, quando praticada por um adolescente ou até mesmo por uma criança, é um assunto complexo e bastante desafiador, uma vez que os limites entre vítima e agressor, muitas vezes, se mostram pouco claros. Ainda assim, estima-se que abusos sexuais praticados por adolescentes correspondem a 30% do total de casos.

Uma das grandes dificuldades nas situações dessa natureza refere-se à necessidade de diferenciar as relações abusivas das atividades sexuais consensuais e exploratórias comuns dessa fase de desenvolvimento. Nesse sentido, as análises devem sempre considerar a situação em particular e diversos pontos devem ser ponderados: a diferença de idade entre os envolvidos, a diferença de poder entre eles, a sofisticação da atividade sexual, o consentimento ou concordância, a existência de violência aberta ou ameaça de violência, dentre outros.

A adolescência é o período de transição entre a infância e a vida adulta. Trata-se de uma etapa do desenvolvimento biopsicossocial do sujeito, marcado por grandes transformações, não apenas físicas/biológicas, mas também por processos de mudanças e adaptações psicológicas, familiares e sociais. Assim, o adolescente é um sujeito em franco processo de desenvolvimento e, do ponto de vista legal, é um “sujeito de direitos”. Isso significa dizer que os adolescentes gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana e lhes devem ser asseguradas todas as oportunidades e facilidades a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. 

É importante deixar claro que, ainda que sejam sujeitos de direitos, os adolescentes respondem por seus atos na ocasião em que cometem um crime. No caso de adolescentes, afirma-se que foi cometido um “ato infracional”. Nessas situações, poderão ser aplicadas medidas sócio-educativas diversas: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação em estabelecimento educacional.

Entendendo que o adolescente que pratica um abuso sexual pode responder legalmente por seus atos, o grande desafio é caracterizar esse tipo de violência. Para isso, o primeiro ponto que deve ser considerado é a diferença de idade entre os envolvidos. Entende-se que atividades exploratórias da sexualidade são comuns entre jovens da mesma faixa etária, contudo, quando nos deparamos com grandes diferenças de idade (um adolescente e uma criança mais jovem), existe uma maior probabilidade de que a prática não seja uma atividade consensual. Isso também acontece quando verificamos significativa diferença de poder entre as duas partes, ou seja, quando o adolescente tem um status de ser o cuidador dos menores ou possui certa responsabilidade sobre os demais, há grande probabilidade de que a atividade sexual seja de natureza abusiva. 

Outro aspecto a ser considerado é o nível de sofisticação da prática sexual. Atividades exploratórias tendem a ser mais simples, pueris, ingênuas, sugerindo desconhecimento com relação à sexualidade. Já as atividades abusivas tendem a ser mais elaboradas, indicando certo conhecimento sexual. Além disso, vale observar a persistência dos atos. A experimentação sexual da fase da descoberta tende a ser esporádica, eventual. Por outro lado, a repetição e a alta frequência da atividade aparece com maior incidência em práticas de abuso sexual. 

Vale observar ainda como as partes se posicionam frente aquela atividade. É importante entender até que ponto ambos consentiram naquela atividade e levar em conta se houve algum tipo de coação ou ameaça. Ademais, a existência de atos de violência aberta (como agressão física que inflige dor) pode ser indicativa de abuso sexual. 

Deve ser levado em consideração também a experiência da vítima com relação à atividade sexual, ou seja, se seu sentimento acerca do encontro sexual aponta para um abuso, provavelmente não houve consentimento. Além disso, a forma como a atividade foi revelada pode dar pistas sobre o evento. Um exemplo disso são casos que são descobertos porque a vítima apresentou significativas mudanças indicativas de vivência traumática e sofrimento. 

As situações de violência sexual que envolvem adolescentes como agressores devem sempre ser observadas caso a caso, fugindo de conclusões simplistas. Além das dificuldades em delimitar o que configura um abuso, existe a possibilidade de que o jovem agressor seja também uma vítima de violência. Ainda que seja difícil mensurar, alguns estudos apontam que, com frequência, adolescentes agressores sexuais foram vítimas de abusos sexuais, físicos e emocionais. Entender a complexidade da situação é fundamental para a responsabilização adequada, como também para que intervenções e tratamentos sejam administrados, tanto voltados para a vítima quanto para o agressor.  

Silvia Pereira Guimarães

16 de março de 2022Comments are off for this post.

Afastando a vítima do agressor

Um dos cuidados mais essenciais ante à confirmação de um abuso sexual deve ser garantir que a vítima seja posta em segurança, a salvo de novos episódios de violência. O objetivo principal desse tipo de medida é o de resguardá-la, assegurando a devida atenção aos seus direitos básicos e impedindo que continue prejudicada quanto a seu bem-estar e desenvolvimento.

A literatura científica sinaliza que abusos que se repetem ao longo do tempo tendem a ser mais impactantes e desorganizadores para aquele que sofre a violência do que as situações que envolvem episódios isolados de vitimização. Além disso, à medida que os episódios se repetem, se tornam gradativamente piores, com condutas cada vez mais invasivas. Em razão disso, afastar a vítima do agressor pode ser algo necessário. 

Considerando a variabilidade dos casos de violência sexual, comumente esse afastamento vai ser sentido pela criança ou pelo adolescente como um alívio, especialmente quando a relação com o abusador é mais traumática. Em outras situações, principalmente nos casos que envolvem abusos intrafamiliares, o agressor pode ser uma figura de apego e referência para a vítima, sendo que o distanciamento em relação a ele deve ser bem analisado e conduzido para não representar um novo abalo emocional.

É nesse ponto que a rede de proteção assume um papel fundamental. É ela que, com profissionais capacitados, avalia o contexto da denúncia para evitar que injustiças sejam cometidas no processo, já que tais questões podem interferir irreversivelmente no vínculo entre a criança e a pessoa apontada como abusiva. A partir dessa verificação, cabe também aos órgãos desse sistema indicar o que é mais recomendável frente às circunstâncias postas, definir as estratégias protetivas mais pertinentes, orientar os familiares e promover apoio psicológico a todos os envolvidos.

Liliane Domingos Martins

9 de março de 2022Comments are off for this post.

A repercussão do abuso sexual de crianças e adolescentes nas instituições

Receosos quanto à publicidade negativa e escândalos, é comum que instituições públicas e privadas deixem de denunciar casos de violência sexual ocorridos em suas dependências ou que envolvam seus funcionários. Quando confrontados com a realidade de episódios de abuso, é usual que os responsáveis por escolas, universidades, igrejas, escritórios, departamentos de saúde e entidades políticas, entre outros, optem pela adoção de providências internas, como a transferência do agressor para uma outra cidade, seu afastamento de atividades com crianças e adolescentes ou a demissão. Tais medidas são insuficientes para lidar com o problema, já que perpetuam processos de silenciamento e deixam o abusador livre para replicar a violência em novas oportunidades.

É preciso ter claro que casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes têm previsão criminal, ou seja, são considerados crimes. Assim sendo, eles não podem ser deixados restritos às esferas administrativas das instituições e devem ser efetivamente notificados às autoridades competentes. Há obrigatoriedade de registro desse tipo de ocorrência e quando isso não é observado, a entidade também pode responder judicialmente.

Levando em conta que a violência sexual contra crianças e adolescentes é algo que ocorre mais frequentemente do que gostaríamos de admitir, é preciso que todos aqueles que trabalham com esse público definam seus modelos de ação para quando casos dessa ordem surgirem e isto envolve a cientificação de pais e de órgãos de proteção. Assim como os centros educacionais desenvolvem estratégias para lidar com alunos doentes, comunicando aos responsáveis e os encaminhando para casa, do mesmo modo as diversas entidades devem ponderar acerca da criação de protocolos para manejar aquelas situações em que crianças e adolescentes relatam abusos.

O temor quanto à repercussão negativa ante a casos de violência sexual é sem sentido, a medida em que a indignação das pessoas tende a se dar exatamente em função das omissões institucionais. A sociedade mostra sua revolta principalmente quando identifica que grupos profissionais negligenciaram abusos recorrentes, não intervieram sobre as circunstâncias de sua ocorrência ou omitiram informações sobre os acontecimentos. Isso tudo aponta que é irresponsável manter segredo sobre problemas tão graves, principalmente quando se dão no âmbito de entidades que deveriam zelar pelo bem-estar e melhores condições de desenvolvimento de crianças e adolescentes.

Se você trabalha com crianças e adolescentes, leve aos seus superiores e estimule a sua equipe a refletir sobre como lidar com eventos abusivos. É melhor pensar sobre tais questões fora de uma adversidade efetiva do que após um cenário de crise. Se você tem filhos, observe como as instituições que ele frequenta agiram em função de relatos de violência. Para todos esses contextos, estejam atentos e denunciem se observarem omissões. 

Liliane Domingos Martins

2 de março de 2022Comments are off for this post.

A Rede de Proteção de Crianças e Adolescentes

O abuso sexual de crianças e adolescentes é um fenômeno complexo. Por exemplo, os sinais e sintomas se dão de forma variada e individualizada, o que significa que não se conclui que a violência ocorreu apenas pela análise da expressão sintomatológica de alguém. Outro exemplo se dá com a compreensão de que os agressores sexuais não têm um perfil específico, ou seja, não são tão facilmente identificados como muita gente pensa. Essas ilustrações demonstram que não há fórmulas prontas para se falar desse tipo de problema e, portanto, abordagens multidisciplinares são essenciais. É assim que começamos a entender sobre a importância do trabalho e das intervenções em rede.

A rede de proteção à criança e ao adolescente corresponde ao conjunto de órgãos governamentais e não-governamentais que atuam de forma integrada para garantir as melhores condições de atendimento e suporte para esse público. Ela contempla entidades de saúde, assistência social, educação, segurança pública e justiça, além de convocar à participação da sociedade civil, por meio das famílias, igrejas, centros comunitários, etc. A ideia é de que, dada a complexidade das situações de negligência e violência, classes profissionais ou serviços isolados são limitados para o adequado amparo que as vítimas necessitam, especialmente aquelas de desenvolvimento incompleto, consideradas vulneráveis. Assim, é necessária a articulação entre esses diversos atores para garantir todos os cuidados exigidos por uma criança ou adolescente vitimizado.

Isso significa que cada criança ou adolescente em nossa sociedade é sempre objeto de atenção por parte de inúmeros grupos profissionais, isso com objetivo de resguardar suas melhores condições de desenvolvimento, reconhecendo-os enquanto indivíduos e buscando mecanismos para mantê-los a salvo de todo desrespeito. Na prática, frente a uma denúncia de abuso sexual revelada na escola para um professor, por exemplo, diversos outros profissionais são acionados, como o diretor da instituição de ensino, um conselheiro tutelar para receber e encaminhar a denúncia, o delegado para investigar, o médico para avaliar as condições físicas daquela vítima e propor tratamento, o psicólogo para avaliar e lidar com as condições mentais da criança, etc. 

O Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) é o nome oficial da rede de proteção brasileira. Surgido em 2006 a partir da Resolução 113 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), esse sistema sustenta que os diversos atores que o compõem devem adotar práticas integrativas segundo três eixos específicos: o de defesa, o de promoção de direitos e o de controle social. 

O primeiro deles, o eixo de defesa, é voltado à viabilização do acesso à Justiça e à  adequada responsabilização de ofensores em situações de violação de direitos. Dedica-se, portanto, a exigir a aplicabilidade das leis e envolve órgãos como o conselho tutelar, as polícias militar e civil, as varas de infância, entre outras entidades. 

O eixo de promoção de direitos responsabiliza-se pela implementação de programas, políticas e serviços que assegurem os direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Seu foco, portanto, direciona-se a ações com vistas a garantir que crianças e adolescentes de determinada comunidade tenham amplo acesso à educação, saúde, segurança, lazer, etc. Seus atores envolvem as creches e escolas, postos de saúde, centros esportivos, CRAS e CREAS, entre outros.

O eixo de controle social prevê a avaliação, o acompanhamento e a fiscalização das estratégias anteriormente citadas. Abrange atividades com objetivo de verificar as condições de funcionamento das entidades destinadas à proteção integral de crianças e adolescentes, a formulação de resoluções, normas técnicas ou diretrizes para esses serviços e o monitoramento quanto à qualidade dos trabalhos que oferecem. Para tal, os conselhos de direitos assumem papel central. 

De modo geral, o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente fortalece os diversos órgãos de sua rede, o que significa melhorias relevantes na sociedade acerca de ameaças e violações contra nossos pequenos. É importante conhecer como os serviços funcionam em sua cidade, para indicá-los aos membros de sua comunidade que necessitam de apoio e para cobrar qualquer tipo de omissão pública. Fique atento!

Liliane Domingos Martins

23 de fevereiro de 2022Comments are off for this post.

Conhecimento é Proteção

Você sabia que na maior parte dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes o agressor é um conhecido da família? Acredita que abusos sexuais podem acontecer mesmo na presença de outras pessoas? Já te contaram que algumas vítimas continuam demonstrando apego por seu ofensor mesmo detestando os abusos? Ou que alguma situações de abuso são disfarçadas como um cuidado ou carinho, causando dúvidas até em adultos sobre o que realmente aconteceu? 

Essas, entre outras perguntas, envolvem aspectos que causam ansiedade nos pais e que são complicados de assimilar até mesmo para quem trabalha com crianças e adolescentes. Falar em abuso sexual é sempre impactante e o grande problema disso é que nossa mente muitas vezes cria defesas que dificultam a aceitar, por exemplo, uma revelação de abuso, que aquele grande amigo é um abusador ou que certas demonstrações de afeto que você tem com o seu filho são inapropriadas e o expõe a riscos.

Quando se fala na violência sexual contra crianças e adolescentes, há muitos mitos, preconceitos e confusões sobre a realidade das coisas e sobre as melhores estratégias de prevenção. Além do mais, falar de sexualidade e dos perigos do mundo costuma ser bastante constrangedor para os pais no diálogo com seus filhos. Sabemos disso!

A melhor estratégia para lidar com toda essa problemática é investir em conhecimento. Em qualquer entrave que temos na vida, fica mais fácil resolver quando a gente se sente preparado. Muito da sensação de angústia sobre o abuso sexual se desfaz quando você encontra a informação certa para o seu filho, que considera a idade dele e o perfil da sua família. Bons conteúdos te capacitam também para tomar decisões em casa que auxiliam as crianças e as adolescentes a se protegerem no mundo, como no que diz respeito à nudez, aos hábitos quanto ao banho, crianças dormindo na mesma cama dos pais ou suas reações quando encontrar um filho se masturbando. Todas essas são situações com as quais qualquer pessoa que tenha uma criança ou adolescente por perto pode acabar se deparando e é necessário estar preparado para isso.

Se informe mais, pesquise, faça cursos, leia livros, converse com profissionais e dedique-se a ter cada vez mais conteúdo sobre a violência sexual de crianças e adolescentes. Lembre-se que CONHECIMENTO É PROTEÇÃO e que, por isso, está em suas mãos um amplo número de possibilidades para deixar seu filho mais seguro.

Liliane Domingos Martins

16 de fevereiro de 2022Comments are off for this post.

Existe violência sexual contra meninos?

Muita gente acha que a violência sexual ocorre exclusivamente com meninas. Esse tipo de pensamento equivocado traz complicações importantes para as crianças do sexo masculino. Nesses casos, a educação para autoproteção deles costuma ser negligenciada e os garotos tendem a ficar mais desprotegidos, alvos fáceis de pessoas mal intencionadas. 

Em 2020, segundo os dados enunciados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2021, cerca de 13,1% dos casos de estupro e estupro de vulnerável em nosso país foram contra indivíduos do sexo masculino. Talvez esse índice não pareça tão alto para alguns leitores, mas é preocupante constatar que, no caso das crianças desse grupo, eles costumam ser vitimizados com mais frequência nos primeiros anos da infância, até os 9 anos, enquanto com as meninas e mulheres, a idade com maiores índices de vitimização é aos 13 anos. Trata-se de uma tendência que também é documentada por outros levantamentos estatísticos e que evidencia a necessidade de se estar atento para a educação sexual de meninos desde muito cedo. Isso significa que os meninos também devem aprender sobre as partes de seus corpos que não devem ser tocadas por terceiros, a reconhecerem contatos desconfortáveis, a reagirem a convites estranhos ou que lhes deixem envergonhados.

Além disso, apesar desses números, alguns dos motivos porque as pessoas não são tão conscientes sobre a violência contra meninos envolvem especificidades da nossa cultura. No geral, a virilidade masculina é estimulada e, por isso, certos abusos podem vir camuflados de iniciação sexual. É importante que isso seja compreendido pelos responsáveis por crianças do sexo masculino para mantê-los mais protegidos. Em educação sexual, cada conteúdo é pensado cuidadosamente e oferecido conforme a faixa etária do infante. Assim, está errado, por exemplo, se um tio mostra vídeos pornográficos para seu sobrinho alegando que ele precisa aprender o assunto. Basta pensar da seguinte forma: se fosse uma menina, a situação provavelmente escandalizaria os parentes. Do mesmo modo, portanto, é abusivo esse tipo de abordagem com crianças do sexo masculino.

Também é preciso reconhecer que os estereótipos de masculinidade dificultam a denúncia de casos de violência sexual contra homens e meninos. Mais uma vez, como eles são culturalmente estimulados ao exercício sexual, sentem-se bastante inibidos em assumir publicamente sobre quaisquer situações nas quais foram violados, forçados a atos sexuais. Tendo em vista que os homossexuais normalmente são discriminados e ridicularizados em muitas rodas masculinas, homens vítimas de abusos costumam temer que sua orientação sexual seja questionada por seus pares. Isso implica na subnotificação dos episódios abusivos contra pessoas do sexo masculino, o que faz com que o problema pareça menor do que realmente é. É essencial, deste modo, quebrar o tabu quanto a esta forma de silenciamento, abrindo espaço para que mais homens e meninos se encorajem a buscar ajuda.

Frente a tais pontos, é possível perceber que nossa sociedade carrega valores machistas e homofóbicos que levam à ampla desconsideração sobre a violência sexual contra indivídios do sexo masculino. Cada vez mais, a desconstrução desses conceitos vem sendo objeto de reflexão na orientação de nossas crianças, isto com o objetivo de maior igualdade entre os sexos. Tal estratégia pode ser fundamental para que meninos e homens se sintam mais acolhidos quando passam por uma situação de violência e para que se tornem menos propensos a se tornarem agressores. É fácil assumir que, desse modo, todos saem ganhando!

Liliane Domingos Martins

9 de fevereiro de 2022Comments are off for this post.

Os impactos da subnotificação da violência sexual

Atualmente, estima-se que apenas 10% dos casos de violência sexual no Brasil são notificados, ou seja, passaram por algum tipo de registro ou denúncia em órgãos de polícia e/ou proteção. Isso significa que a maioria das situações que envolvem uma violência de natureza sexual fica restrita à própria vítima e, quando muito, a um problema a ser resolvido em contexto familiar. São comuns as soluções caseiras, onde busca-se afastar a vítima do agressor e dar suporte à vítima exclusivamente dentro do ambiente privado.

O baixo índice de denúncias sobre a violência sexual produz um grave efeito colateral: é como se a maior parte dessa realidade não existisse. Com dados oficiais incompletos e que não correspondem à realidade, temos acesso apenas à ponta do iceberg, e não conseguimos enxergar de fato seu tamanho real.

A subnotificação dos casos tem um impacto significativo no direcionamento que será dado às diversas políticas públicas relacionadas à violência, sejam elas voltadas para a prevenção ou para o combate a esse tipo de crime. O planejamento das ações governamentais se dá conforme dados e estatísticas oficiais e, sem essas informações ou com informações imprecisas, é como se as políticas fossem formuladas às cegas, comprometendo significativamente sua efetividade. 

A subnotificação da violência sexual faz com que esse problema social pareça menor do que ele realmente é e, consequentemente, que o investimento público nessa área seja igualmente reduzido. Assim, planos de prevenção à violência (nas escolas e comunidade), investimentos nos órgãos (estruturação, capacitação etc.) que atuam na responsabilização dos agressores, investimentos em políticas socioassistenciais de acompanhamento das famílias e de cuidados (médicos, psicológicos, jurídicos etc.) das vítimas, investimentos na estruturação de canais de informação e denúncia, ações de articulação dos diversos órgãos da rede de proteção, dentre outras ações, sofrem grande impacto em razão da subnotificação. 

Frente a isso, vale ressaltar a importância do acesso facilitado aos canais de denúncia de casos de violência. Diante de um crime de tamanho impacto pessoal e social, a facilidade em denunciar pode determinar a continuidade ou não da violência. Além disso, pode ser a diferença entre a vítima receber o adequado tratamento e a reparação dos danos causados pela violência ou não. Ademais, essa facilidade contribui para a construção de uma base de dados um pouco mais próxima da realidade e, consequentemente, ao planejamento de ações mais condizentes com o problema. 

Atualmente, a falta de dados e a imprecisão das informações reflete a pouca importância que se dá ao combate à violência sexual no Brasil e, ao mesmo tempo, contribui para a perpetuação dessa realidade. Trata-se de um ciclo difícil de ser rompido e que exige diálogo e mobilização coletiva para o seu enfrentamento. 

Silvia Pereira Guimarães

2 de fevereiro de 2022Comments are off for this post.

Não Faça Promessas

Movidas pela ansiedade natural de receber uma denúncia de violência sexual, muitas pessoas fazem promessas às vítimas que dificilmente podem ser cumpridas ou que envolvem questões às quais não podem controlar. Esse tipo de comportamento pode ter efeitos bastante ruins, pois, frente a cada compromisso desfeito, as crianças e adolescentes tendem a se mostrar mais desconfiadas acerca dos adultos.

Em primeiro lugar, as promessas podem resultar do impulso da pessoa mais velha em proteger os pequenos que estão sendo ouvidos. Mobilizado pela gravidade do problema narrado, o adulto pode, equivocadamente, dar garantias de que vai resolver aquela situação, que a vítima não vai mais se encontrar com o agressor ou ser submetida novamente à violência. Nesses casos, por mais boa vontade que se tenha para impedir que a criança ou adolescente continue naquele contexto adverso, podem ser encontradas circunstâncias que complicam a adoção dessas medidas tão necessárias de proteção. Por exemplo, o abusador pode mandar mensagens para a vítima pela internet e lhe fazer ameaças, isso mesmo depois de lhe prometerem que estaria segura e resguardada de qualquer contato com ele. Ou ainda, a família pode se mudar repentinamente para evitar a repercussão da denúncia, fazendo com que a criança ou adolescente continue submetida ao parente agressor, mesmo que outras pessoas tenham declarado que, a partir de seu relato, os abusos iriam parar. 

Em segundo lugar, essas promessas também costumam ser feitas com a intenção de estimular a criança a falar mais sobre os abusos, a detalhar os episódios de violência. Nesses casos, interessada em entender melhor tais acontecimentos, a pessoa que acolhe o relato pode prometer, por exemplo, que é a última vez que a vítima vai falar sobre o assunto. Aqui, apesar da promessa, não há garantias de que outros profissionais, ou mesmo os familiares da criança, irão abrir mão de saber mais sobre as ocasiões em que ela foi agredida. Com esse mesmo objetivo de incentivar a vítima a se sentir mais à vontade e aberta para tratar da situação abusiva, muitas vezes lhe prometem ainda que ninguém vai saber do que está sendo tratado, o que não corresponde à verdade, já que um relato desse tipo tem obrigatoriedade legal de ser comunicado às autoridades.

A grande questão sobre essas promessas é que, quando quebradas, podem fazer a vítima crer que o adulto mentiu para ela. Isso é especialmente complicado quando se considera que o abuso sexual também costuma representar uma quebra de confiança por parte de uma pessoa mais velha, que deveria lhe amparar e proteger. As promessas descumpridas reforçam um ciclo de descrédito das crianças em relação aos mais velhos e são revitimizantes, pois provocam angústia e insegurança com o processo subsequente à revelação. 

Lembre-se que falar de uma experiência tão dolorosa é algo muito difícil. Quem escuta a criança, portanto, deve ser cuidadoso quanto às promessas que faz. O adequado acolhimento da vítima envolve muita atenção para a forma como nos dirigimos a ela. A ideia é que ela se sinta amparada e encorajada para lidar com as etapas que se seguem à denúncia.

Liliane Domingos Martins