Não é porque as crianças têm pouca idade e limitado entendimento sobre a vida que podem ser tratadas como pessoas menos dignas de respeito. Esses pequenos indivíduos estão sim em uma fase de desenvolvimento particular, em que são dependentes e precisam ser orientados sobre o mundo, mas, ainda assim, eles têm direitos, devem ter seus corpos resguardados e opiniões consideradas.
A educação das nossas crianças é tradicionalmente adultocêntrica, ou seja, os adultos centralizam a autoridade e são detentores de poder sobre os mais novos. Nisso, as crianças são ensinadas a obedecer incondicionalmente aos mais velhos e que os adultos sabem sempre como agir. Se é assim, o que compreendem é que seus pais, tios, avôs ou mesmo estranhos não devem ser confrontados ou questionados. Tal modelo disciplinar deixa as crianças mais vulneráveis a abusos, pois, não sabem como responder quando um adulto faz algo inadequado com elas.
Além disso, pesquisas na área da violência sexual indicam que a diferença na percepção de poder entre o agressor e a vítima é um importante fator que contribui para a ocorrência do problema. Sendo assim, crianças são beneficiadas contra abusos quando essa assimetria em relação aos mais velhos é minimizada. Isso pode ser feito explicando para elas, por exemplo, que adultos não devem ser temidos, que também erram e devem pedir desculpas ou reparar os danos que causam. É muito saudável ainda, que elas tenham suas opiniões e sentimentos reconhecidos e validados. Para tal, os adultos podem perguntar o que acham e como se sentem acerca de situações cotidianas, demonstrando respeito pelo que trazem.
De modo geral, não é isso que acontece. É comum que a família e os adultos reconheçam as ideias dos mais novos como bobas ou fantasiosas. Isso representa outro risco em casos de abuso, já que, muitas vezes, suas denúncias sobre esse tipo de acontecimento acabam interpretadas como pouco confiáveis: uma mentira ou mera imaginação.
O desafio está posto. A educação moderna e atenta à necessidade de proteção dos infantes entende que os perigos são menores quando as crianças podem se posicionar em relação aos adultos. Isso auxilia para que se fortaleçam psiquicamente e aprendam mais facilmente a se ajustar no mundo, ao mesmo tempo em que se tornam mais autônomas e se habilitam para enfrentar adversidades. Tendo o apoio de adultos responsáveis por perto, estimulando e orientando esse percurso, o desenvolvimento delas vai ser mais rico. Lembre-se sempre: criança também é gente!
Liliane Domingos Martins