23 de dezembro de 2020Comments are off for this post.

Toques Positivos e Toques do “Sim”

Falamos muito aqui sobre os contatos físicos em crianças e adolescentes que são inapropriados e abusivos. Apesar desse perigo e da necessidade de os adultos desenvolverem sua atenção sobre essa possibilidade, é importante reconhecer que a maior parte dos toques que nossos pequenos recebem costumam ser positivos. Eles são essenciais à vida e ajudam no desenvolvimento saudável e feliz de todo ser humano. 

Os toques positivos ou “toques do sim” muitas vezes aparecem como demonstrações de carinho cotidianas. É gostoso sentir o abraço do vovô, o beijo da mamãe, o colo do papai, o cafuné da titia ou o afago da professora, por exemplo. Esses são gestos que normalmente fazem com que as crianças e os adolescentes se sintam queridos e protegidos, pois, indicam as pessoas que lhes amam e com quem podem contar.  

Outras boas formas de contato físico são parte das brincadeiras entre amigos e do relacionamento com eles. No caso dos jovens de nossa cultura, tendem a exibir seus laços de amizade com mais toques do que em outras faixas etárias: andam de braços dados, deitam-se no colo uns dos outros, mexem nos cabelos do colega, etc. Além disso, é na adolescência que os primeiros namoros acontecem, o que também envolve aproximação e intimidade. Esses gestos dão uma sensação de pertencimento para os envolvidos, que se reconhecem enquanto integrantes de um ou mais grupos.

Além desses, toques positivos podem vir na forma de alguma assistência. Esse tipo de contato está presente, por exemplo, quando o médico examina o corpo da criança ou do adolescente, quando os mais novinhos são auxiliados no banho para garantir a higienização adequada ou quando recebem ajuda para trocar de roupa.

Os “toques do sim” surgem de forma espontânea e natural, quase sempre resultando em uma sensação boa e agradável. Eles também não precisam ser escondidos de outras pessoas e, por isso, são bem diferentes dos toques abusivos. 

Mesmo considerando que o contato físico com adultos costuma ser positivo, as crianças e adolescentes devem ser autorizadas por seus pais a dizer “NÃO” quando incomodadas ou envergonhadas com qualquer aproximação de outras pessoas. Isso ajuda para que estejam mais atentas e possam reagir a situações abusivas, que normalmente causam desconforto, estranhamento e confusão nas vítimas. 

Liliane Domingos Martins

17 de dezembro de 2020Comments are off for this post.

A Vítima Pode Esquecer um Abuso Sexual?

A mente humana pode funcionar de formas bem complexas, que às vezes são difíceis de entender e até de acreditar. Em situações perturbadoras e traumáticas como um abuso sexual, é especialmente comum que o cérebro ofereça respostas diferentes das que a gente conhece para que o indivíduo lide com o medo e sofrimento intensos. Sobre isso, um dos jeitos estranhos que nosso organismo tem para minimizar o estresse de circunstâncias extremas consiste em apagar as lembranças referentes ao episódio, um fenômeno chamado de amnésia. Isso significa que: sim, é possível que crianças e adolescentes molestados não se recordem da violência ou que tenham memórias incompletas sobre o ocorrido, sendo que o problema pode se iniciar tardiamente ou se estender até a idade adulta.

A amnésia pode ser decorrente de condições neurológicas ou toxicidade, que não é o que estamos abordando aqui. Nos casos de traumas por abusos, esse sintoma é descrito pela psiquiatria como uma forma de dissociação. A dissociação é uma perturbação severa do psiquismo, em que, para defesa psicológica, a pessoa se desconecta mentalmente da realidade assustadora que tem diante de si.

 A amnésia dissociativa pode se apresentar de três modos distintos. No mais comum, ela é classificada como localizada e as lacunas de memória aparecem restritas a um evento ou período limitado de tempo. No caso da amnésia seletiva, os lapsos abrangem recortes específicos de uma situação, ou seja, alguns detalhes da cena são recordados enquanto outros permanecem obscuros. Por último, a amnésia generalizada é rara e envolve a total perda de registros cognitivos sobre a identidade e história de vida de uma pessoa.

Curiosamente, a amnésia pode envolver o esquecimento de algo traumático mesmo depois de o indivíduo ter um período com lembranças nítidas sobre a adversidade vivida. Além do mais, a amnésia pode ser revertida entre alguns minutos ou depois de décadas desde seu início. Nesses casos, é importante que a vítima receba ampla atenção em saúde mental, pois, o apagão das memórias não se dá à toa e a retomada à mente dessas cenas originalmente tidas como intoleráveis pode expor a pessoa a uma condição de grande sofrimento, mesmo que já tenha se passado um longo período desde o ocorrido. Da mesma forma, a ausência de lembranças sobre uma situação também pode ser angustiante para outras pessoas, que relatam acreditar que algo ruim lhes aconteceu em dadas circunstâncias, mas não têm recordações que lhes permitam concluir sobre os fatos. Para todas essas condições, a psicoterapia é o melhor caminho.

Liliane Domingos Martins

2 de dezembro de 2020Comments are off for this post.

Como Proteger seu Filho na Internet

A internet é uma importante ferramenta de comunicação moderna e que nos permite acessar um imenso número de informações de forma simples e rápida. Principalmente nesses tempos de isolamento social por conta da pandemia de COVID-19, a rede mundial de computadores se destacou como um recurso bastante útil para manter boa parte das pessoas trabalhando, bem como para conseguir meios de interação e de lazer. Mesmo com tais vantagens, é necessário saber que a internet também pode representar riscos às crianças e adolescentes em relação à violência sexual.

Os “bate-papos” ou chats são serviços que merecem o alerta dos adultos. Esse tipo de ambiente virtual está presente em praticamente qualquer página da internet, mas são nas redes sociais e nos jogos que eles mais comumente são acessados por abusadores. Ali, as estratégias mais usuais empregadas pelos agressores envolvem: 

  1. se passar por uma criança ou adolescente de mesma idade da vítima; 
  2. seduzir a vítima com elogios, ofertas de presentes, premiações, dinheiro, contato com alguém famoso ou com meios de torná-la famosa.

Ambas as situações costumam ser usadas pelos agressores para se aproximarem das vítimas, estreitando laços de amizade e intimidade até conseguirem com que lhes enviem fotos de seus corpos em trajes de banho ou despidos, os nudes. O material recebido, por sua vez, acaba se espalhando na internet através de trocas de mídias entre pedófilos, o que alimenta a indústria da pornografia infanto-juvenil. Ainda mais grave do que isso, em outros casos, o ofensor usa essas fotos para chantagear a criança/adolescente, exigindo que se encontrem pessoalmente. Essa intimidação aumenta a possibilidade de que a violência saia do contexto cibernético e se torne um abuso sexual físico. 

Crianças e adolescentes são ensinados sobre como se comportar dentro e fora de casa, na escola, na igreja, em aglomerações, no contato com pessoas doentes, com idosos, etc. Nessas circunstâncias, são alertados quanto ao que se espera deles, aos limites das interações, aos perigos a que estão expostos, entre outras várias lições. Da mesma forma, eles devem ser educados para um uso positivo da internet. Devem entender que aquilo que fazem quando estão online tem implicações no mundo real e que algumas dessas consequências podem ser bastante graves.

Assim, no caso de crianças mais novas, é recomendável que os chats sejam bloqueados ou vistoriados com frequência pelos pais. Elas também devem ser orientadas a nunca fornecer seus dados pessoais ou os de seus familiares. Existem vários aplicativos criados para auxiliar adultos responsáveis a darem mais segurança e a controlarem o conteúdo que esses pequenos podem acessar.

Quando se trata de adolescentes, as conversas e orientações funcionam bem melhor. Regras de uso da internet devem ser estabelecidas e é interessante planejar a supervisão das rotinas de uso do computador do jovem, de preferência com a participação dele na definição quanto aos limites dessas intervenções. O diálogo aqui é essencial, com esclarecimentos sobre as razões do monitoramento. Em famílias muito rígidas, rapazes e moças podem evitar contar sobre abordagens indevidas que recebem pela internet com medo de que os pais proíbam seus acessos à rede.

No caso de serem identificadas situações abusivas online contra alguma criança ou adolescente, recolha todas as informações possíveis sobre o caso. Faça prints de conversas, guarde o endereço eletrônico de acesso àquela página e reúna dados do perfil do aliciador. Com isso em mãos, denuncie!

Liliane Domingos Martins

25 de novembro de 2020Comments are off for this post.

Criança não namora

É bastante comum em nosso dia a dia observarmos adultos que, buscando um momento de interação divertida, falam para a criança: “Ele é seu namoradinho?” ou “Vai lá, pega na mão da sua namorada”. Há também as ocasiões em que os adultos riem e acham bonitinho quando a criança comenta que está namorando ou que seus coleguinhas namoram. 

Essas situações, aparentemente inocentes e inofensivas, acabam por desviar a atenção da criança de temas típicos de seu universo infantil para direcioná-la a um tema que não combina com sua idade. Existe um momento específico para vivenciar cada etapa da vida. A criança encontra-se em franco processo de desenvolvimento no qual seu tempo deve ser dedicado a brincar, estudar, aprender a se relacionar, lidar com regras e limites, dentre inúmeras outras coisas. 

As crianças, quando brincam juntas, dividem um lanche, pegam na mão ou se abraçam, não estão estabelecendo uma relação de namoro, mas uma relação de amizade com alguém que gostam. Nesse sentido, é importante que o adulto nomeie de forma correta esse tipo de interação. 

Não se trata de brigar com a criança ou de reprimi-la quando ela fala que tem um(uma) namorado(namorada). Procure não julgar ou se assustar com aquilo que a criança está dizendo, e aproveite a oportunidade para estabelecer um diálogo cuidadoso, acolhedor e orientador. Desse modo, se a criança diz que tem um namorado, converse a respeito e pergunte com quem ela está namorando, como ela namora. Busque compreender aquilo que a criança está comunicando. Em seguida, oriente e explique que, quando ela gosta ficar perto de um coleguinha e brincar com ele, significa que ela é amiga dele. Crianças têm amigos, não namorados. Apenas adultos namoram.  

Os pequenos observam os adultos e aprendem por modelo. É possível que a criança, vendo os pais se beijarem e tendo comportamentos de intimidade, eventualmente, queira imitar. Não é preciso esconder da criança as expressões de afeto. Não é nada disso. Ao contrário, esse é um momento oportuno para explicar que existem coisas que crianças fazem e coisas que adultos fazem. 

É importante que a criança entenda que namoro é “coisa de adulto”. Essa é uma postura que busca evitar a erotização precoce e possibilita que a criança ache estranho, caso seja abordada de uma maneira “romântica” ou “sedutora” por um adulto. Quando essa regra é internalizada pela criança, ela fica mais protegida. 

Silvia Pereira Guimarães

18 de novembro de 2020Comments are off for this post.

Reconhecer, Reagir e Relatar: os 3 Rs da autoproteção de crianças e adolescentes contra o abuso sexual

Sempre que pensamos na proteção de crianças e adolescentes contra o abuso sexual, uma das principais estratégias envolve lhes deixar mais preparados para lidar com eventuais aproximações indevidas. Assim, programas de prevenção à violência usualmente se dedicam à elaboração dos melhores recursos para que os mais novos aprendam a se posicionar de forma eficiente contra o problema. Nessa direção, um sistema bastante interessante e didático de enfrentamento do abuso sexual é o que é chamado de 3 Rs, nos quais crianças e adolescentes são ensinados e avaliados quanto a suas capacidades para RECONHECER, REAGIR e RELATAR esse tipo de situação adversa.

As habilidades dos 3 Rs são desenvolvidas em sequência. A primeira delas, é a capacidade de RECONHECER, que reporta à compreensão que a criança ou adolescente tem acerca do que é o abuso sexual e das maneiras como ele acontece. Somos conscientes de que pode ser bem difícil para os adultos tratarem desse assunto, mas existem meios de educar seus filhos sobre isso sem sustos. Nessa etapa, deve-se ensinar, por exemplo, sobre as partes do corpo que são íntimas e privadas e que não podem ser tocadas por outras pessoas; ou sobre a forma como se dão o aliciamento e os abusos na internet. No Instagram e no blog do Instituto Alexis frequentemente damos dicas sobre os meios mais recomendados para abordar esses temas.

A capacidade de REAGIR abrange os comportamentos que crianças e adolescentes podem adotar de modo a esquivarem-se de ocasiões potencialmente abusivas. Aqui, eles devem ser ensinados, sobretudo, a saírem de perto de pessoas que lhes deixem desconfortáveis e a dizer “NÃO” se alguém tentar com eles qualquer tipo de contato inadequado. É claro que, nesse ponto, é importante ter em mente que a vitimização sexual comumente causa sensação de paralisia ou confusão, que pode dificultar que crianças e adolescentes ofereçam resistência aos agressores. Assim, exatamente porque a violência sexual é muito desorganizadora e impactante, as vítimas não devem ser exigidas ou responsabilizadas caso não consigam demonstrar oposição ao ato abusivo. 

Por último, crianças e adolescentes devem ser orientados sobre os meios para RELATAR qualquer condição ruim a que sejam expostos, especialmente episódios de violência. Nesse sentido, eles devem ser estimulados a escolherem adultos em quem confiam para contar sobre os mais diversos acontecimentos de suas vidas e com os quais possam buscar aconselhamento quando estiverem com problemas, sejam quais forem. Caso a dificuldade em questão for referente a algum abuso sexual e aquele adulto não conseguir oferecer o auxílio necessário, as crianças e adolescentes devem saber que é importante procurarem por outras pessoas até que lhe garantam a devida proteção. Finalmente, é essencial que sejam informados sobre a rede de proteção e os órgãos em que podem oferecer denúncia por conta própria, caso se sintam desamparados. Aqui, também é necessário ter claro que a revelação de situações abusivas reflete um processo muito penoso e que é natural que muitas crianças e adolescentes tenham dificuldade em fazer isso, mesmo quando estimulados e acolhidos. Nesses casos, eles não devem ser culpabilizados pela demora em contar algo tão complicado, mas incentivados por finalmente terem tido coragem em fazê-lo.

O modelo dos 3Rs destaca-se como um recurso bastante útil para pensar e planejar uma intervenção preventiva contra abusos sexuais, auxiliando que crianças e adolescentes estejam mais atentos e prontos para se posicionarem contra o problema. Mesmo assim, é imprescindível reconhecer que crianças e adolescentes são pessoas com desenvolvimento incompleto e, portanto, em condições de vulnerabilidade. Isso significa que, ainda que sejam preparados para RECONHECER, REAGIR e RELATAR qualquer tipo de violência, eles não têm essa obrigação. Cabe à família, à sociedade e ao Estado o papel fundamental de proteção dos nossos pequenos.   

Liliane Domingos Martins

11 de novembro de 2020Comments are off for this post.

Difícil, mas importante: muitos famosos sofreram violência sexual

A gente sabe que revelar um abuso sexual é uma tarefa complicada. Vergonha, culpa, constrangimento, além do medo de ser julgada ou ridicularizada fazem com que muita gente mantenha a vitimização em segredo por anos, senão por toda a vida. O sentimento de injustiça e solidão acompanha muitas das vítimas, que podem se ver marcadas de forma definitiva pelo sofrimento. 

Em meio a essas dificuldades, as revelações de celebridades quanto a terem sido molestadas na infância podem ser importantes exemplos para outras vítimas. Saber que o abuso não é capaz, por si só, de destruir a vida de alguém faz com que outras pessoas que também passaram pelo problema se sintam aptas a superá-lo e estimuladas a dividirem sua dor.

Gente como Xuxa, Luana Piovani, Marcelo Adnet, Marilyn Monroe, Axl Rose, Oprah Winfrey, Queen Latifah, Rita Lee, Luiza Brunet, Joanna Maranhão, Cláudia Jimenez, Pamela Anderson, José de Abreu, Pitty, Monique Evans, Letícia Sabatela, Sinead O’Connor, Cindy Lauper, Ashley Judd, Annalynne McCord, Samantha Morton, Vanessa Williams, Teri Hatcher, Hellen Mirren, Dylan Allen e Fiona Apple revelaram ter sofrido violência sexual na infância. Já Madonna e Lady Gaga foram vitimizadas quando adultas. 

São relatos difíceis, mas que escancaram o problema da violência sexual e incentivam muitos a não mais sofrerem calados. Da nossa experiência junto a casos concretos, vemos que muitas vítimas se fortalecem e ganham coragem para a denúncia vendo esse assunto na mídia, seja no depoimento de alguém famoso, seja quando séries ou novelas retratam esse tema.

Nesse sentido, campanhas online ou movimentos que visam conscientizar sobre o abuso sexual e estimular a troca de experiências como o “Me Too”, “Meu Amigo Secreto”, “Meu Primeiro Assédio”, “Mexeu com Uma, Mexeu com Todas”, dentre outros, também são importantes para mostrar a dimensão dessa questão e trazer apoio às vítimas.

Pouco a pouco, a sociedade tem construído um olhar mais realista sobre a violência sexual, um problema comum que atinge cerca de 20% das meninas e 10% dos meninos. Cada vez menos cabe culpabilizar a vítima pela violência, o que, venhamos e convenhamos, não faz o menor sentido. Ninguém ousa dizer que alguém merece ser roubado porque sai com um veículo caro na rua ou que tudo bem alguém tomar seu sanduíche no shopping porque estava com fome. Quando se diz que uma vítima mereceu a violência em razão de seu comportamento, de sua vestimenta ou de sua inocência, é esse tipo de explicação absurda que se tenta dar. Em qualquer contexto, esse é um raciocínio que não se aplica. Quem age contra os bens, contra o corpo ou contra a honra de alguém pode e deve ser responsabilizado, de forma pessoal e exclusiva, pelo seu ato.

Juliana Borges Naves

4 de novembro de 2020Comments are off for this post.

Por que é tão difícil acreditar que crianças podem ser abusadas sexualmente?

Falar sobre abuso sexual de crianças e adolescentes é sempre algo muito delicado e que envolve uma série de dúvidas, angústias e medos. Às vezes sentimos um incômodo, um certo mal-estar, ou ainda uma vontade grande de mudar de assunto. Isso fica ainda pior quando falamos de abuso sexual praticado por alguém da família ou envolvendo crianças muito pequenas.

Como esse assunto é desconfortável e, por vezes, assustador, uma reação comum das pessoas é tentar afastar a ideia e pensar que isso só acontece “com os outros”, “na família dos outros” ou ainda que é algo que “acontece pouco”, já que raramente ficamos sabendo de uma criança que foi molestada sexualmente em nosso meio. Ou seja, é como se esse assunto tão difícil ativasse uma defesa psicológica diante de algo que pode causar grande sofrimento.

Além disso, na nossa sociedade existem uma série de mitos e crenças erradas que trazem informações que não são verdadeiras, reforçando a reação psicológica de afastar as ideias que incomodam. Fazem parte desses mitos acreditar que os abusos sexuais de crianças raramente acontecem; que abusos sexuais acontecem somente em “famílias desestruturadas” ou que convivem com “coisas erradas”; que apenas crianças pobres ou sem família sofrem violações sexuais, etc.

Apesar das pesquisas e da literatura da área mostrarem que essas crenças não correspondem à realidade, muitas dessas ideias continuam existindo. É importante saber que abusos sexuais são comuns e frequentes (as estatísticas variam segundo a fonte), contudo, se trata de um tema tabu que é pouco falado, pouco denunciado e que pode permanecer guardado com a vítima por muito tempo. Além disso, as violações sexuais não acontecem apenas em alguns tipos de comunidades, culturas ou classes sociais. Também não acontecem apenas em “famílias desestruturadas”. Na verdade, os abusadores sexuais são espertos e podem estar em qualquer espaço social, muitas vezes se tornam amigos dos pais e das crianças, circulam em ambientes respeitáveis e podem ter comportamentos acima de qualquer suspeita.

Enquanto ficamos presos na ideia de que as crianças próximas a nós estão fora de perigo e que abuso sexual é coisa rara porque quase não é falada, acabamos por ignorar os riscos e as vulnerabilidades existentes na nossa própria comunidade e família. Desfazer desse tipo de crença é importante para se obter informações em fontes seguras e que, de fato, ajudem a proteger as crianças. Para isso, é necessário enfrentar o desconforto causado pelo assunto e buscar informações sérias, que não reforcem o sensacionalismo e o medo.

Silvia Pereira Guimarães

28 de outubro de 2020Comments are off for this post.

O fenômeno da retratação

Não é incomum que uma vítima volte atrás em seu depoimento, alegando que estava mentindo quando mencionou ter sido sexualmente abusada. Essa situação costuma tranquilizar a família, que se imagina livre do fantasma da violência sexual. No entanto, é preciso cautela, pois o fato de que uma criança ou um adolescente desminta sua primeira versão - o que se conhece tecnicamente como fenômeno da retratação - não necessariamente  indica que se tratava de uma situação inverídica.

Imagine que um adolescente ou uma criança próxima a você conte de uma cena sexual provocada por um amigo ou alguém da família. O que se segue é uma crise imensa. Junto com a preocupação com o sofrimento que ela deve estar passando, podem surgir muitas dúvidas e vários questionamentos: “Em que momento aquilo poderia ter ocorrido? Eles costumavam ficar sozinhos? Mas a criança/adolescente sempre o tratou bem … Não seria esperado que o repelisse, nesse caso? Mas por que não contou naquele mesmo dia… porque demorou tanto pra falar? Aliás, na ocasião em que disse que aconteceu o abuso, a família toda estava lá. Ninguém viu nada?” 

Na tentativa de esclarecer a situação, é bem comum que muitas perguntas ou comentários sejam feitos à vítima, como: “Mas você tem certeza? Será que não se enganou? Às vezes ele só estava brincando com você… Ele é desse jeito mesmo.” Ou ainda pior: “Por que você não contou antes? Por que não fez nada? Já falei pra você tomar cuidado... por que não saiu de perto dele na hora?” 

Agora, tente se colocar no lugar dessa vítima. Você sente que não acreditam tanto em você e percebe que o relato do abuso causou muito conflito. As pessoas andam nervosas e preocupadas, estão brigando. Além disso, quem mexeu com você talvez seja preso e pode ser que a família passe por dificuldade, pois ele é quem sustenta a casa. Você não desejava acabar com a família, só queria que aquilo parasse e acredita que agora vai ser deixado em paz. Além do mais, você não aguenta mais falar desse assunto. Depois do que contou, já repetiu a mesma história várias vezes: para sua mãe, para sua avó, para a tia, depois no Conselho Tutelar, na Delegacia, na psicóloga... toda hora tem que falar de novo e isso te incomoda. Talvez o melhor fosse você dizer que estava mentindo. Assim, fica todo mundo bem e ninguém te culpa de nada. 

Esse exercício, dá uma pequena dimensão do quanto é complicado para a vítima sustentar sua versão sobre o que lhe aconteceu. Trata-se de um assunto íntimo, traumático, que envolve não só a vida dela, como também a estabilidade dos laços familiares. 

Abordagens inadequadas diante de um relato de abuso são muitas vezes desastrosas. Primeiro, porque aumentam o sofrimento da criança ou do adolescente e podem inclusive agravar os sintomas psíquicos ou comportamentais decorrentes da própria violência sexual. Depois, porque desencorajam a vítima a manter seu relato, dificultando, inclusive a punição do agressor.

Juliana Borges Naves

14 de outubro de 2020Comments are off for this post.

A importância dos professores na luta contra o abuso sexual

Sabemos que o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes deve ser um compromisso de toda a sociedade. A escola, como espaço de formação e desenvolvimento integral do sujeito, também ocupa lugar importante na ampla rede comprometida com a proteção de crianças e adolescentes.

Por fazerem parte do cotidiano dos alunos, os membros da comunidade escolar como um todo, em especial os educadores, direta ou indiretamente, têm acesso a vários aspectos da vida familiar deles. Nesse sentido, não é raro que as dificuldades e problemas enfrentados por crianças e adolescentes junto a suas famílias, encontrem expressão dentro da escola.

Quando se trata da vitimização de crianças e adolescentes, sabemos que a maior parte dos abusos sexuais são do tipo “intrafamiliar”, portanto, acontecem no ambiente doméstico. Além disso, apesar de existirem casos em que o episódio abusivo ocorre uma única vez, a tendência é que, caso não haja algum tipo de intervenção externa, esta situação volte a se repetir.

Por esses motivos, os professores são peças-chave na interrupção de ciclos de violência no contexto familiar. O silencioso sofrimento de crianças e adolescentes abusados sexualmente pode ser sinalizado na escola, das formas mais diversas: como uma mudança abrupta no comportamento, retraimento, tristeza, choro sem motivo, quedas bruscas no rendimento e/ou frequência escolar, dificuldade de concentração, comportamento sexual incompatível com a idade, dentre inúmeras outras formas.

Professores capacitados têm melhores condições de lidar com esse tema, reconhecer e identificar sinais de abuso sexual em crianças e adolescentes. Em razão dos conhecimentos que possuem acerca do desenvolvimento infantil, eles têm facilidade de se comunicar com as crianças e de reconhecer os elementos que fogem ao padrão evolutivo esperado naquela faixa etária.

Além disso, por serem figuras de referência na vida de muitos jovens, algumas vezes, os professores acabam sendo escolhidos como “adulto de confiança” de alguma criança ou adolescente. Ou seja, aquele estudante entende que o professor é uma pessoa em quem ele pode confiar, falar como está se sentindo e lhe confidenciar um problema. Nesse caso, é importante acolher o aluno e tomar as atitudes necessárias para o enfrentamento da situação.

Quando a comunidade escolar entende a dimensão do problema, de que forma acontece e como se manifesta, passa a adotar uma postura menos passiva em relação a este tema. Tal atitude envolve, primeiramente, a implementação de práticas preventivas como a educação em sexualidade e a orientação acerca de habilidades de autoproteção junto aos alunos. Além disso, envolve a capacidade dos educadores em reconhecerem os sinais de abuso sexual e de abordarem adequadamente esse problema tão complexo.

É preciso deixar claro que o compromisso com a proteção de nossos pequenos não pode ser uma escolha solitária de alguns educadores, mas sim um posicionamento conjunto, coletivo, onde todos estão unidos em um único foco: a luta contra o abuso sexual de crianças e adolescentes.

Silvia Pereira Guimarães