3 de fevereiro de 2021Comments are off for this post.

Por que crianças abusadas demoram para revelar a violência?

É bastante comum que uma criança leve anos para contar que passou por algum episódio de violência sexual, isso quando não mantém esse segredo por toda a vida. Em razão dessa demora, alguns adultos se sentem revoltados, sem entender o porquê de ela não ter pedido ajuda antes. Tal situação surge da ideia equivocada de que é simples para a vítima falar sobre o abuso e buscar uma solução para seu problema.

Embora a violência sexual provoque muito sofrimento, na situação real, muitos fatores podem levar uma vítima a manter a violência em segredo. Na verdade, o contexto da maioria dos casos é bastante desfavorável para a revelação.

Em geral, as crianças não têm a menor ideia do que é o abuso sexual e não são orientadas sobre a possibilidade de abordagens inadequadas. Muitas delas não têm informações mínimas sobre o próprio corpo, nem consciência de que algumas partes são íntimas e ñão devem ser tocadas por outras pessoas, a não ser em situações pontuais, como em consultas ou em alguma atividade de higiene para a qual ainda precisem de ajuda. Por essa razão, muitos toques abusivos não são prontamente identificados pela criança, que só percebe a natureza do abuso quando este passa a atos eróticos mais complexos ou já está estabelecido como uma prática recorrente. Nesse ponto, pode ocorrer da vítima se sentir responsável ou culpada pelo abuso, considerando que permanecia próxima ao abusador até então. 

Precisamos saber que nem sempre uma criança tem confiança para contar sobre seus problemas para os pais, por medo de bronca ou castigo. Nessa lógica, recorrer à violência física ou a castigos rígidos como forma de educar os filhos, além de inapropriado, pode ser prejudicial à segurança deles. 

Outra dificuldade da criança para buscar ajuda é que, na maioria das vezes, o agressor é alguém com quem ela convive e que conta com a confiança da família dela. Isso cria um conflito entre o desejo de que a violência pare e as prováveis consequências da revelação. Entre a palavra dela e a do abusador, em quem irão acreditar? Será que ele vai ser preso? Nesse caso, como a família vai ficar? 

As ameaças comumente feitas pelos agressores também agem para manter o abuso em segredo. Alguns instigam na criança medos que já são esperados, como de que não irão acreditar nela, de que os pais vão ficar bravos e ela vai apanhar, de que a família vai passar necessidade, se ele for preso, ou de que a criança vai ter que sair de casa ou ir para um abrigo. Outros, são mais claramente violentos, prometendo que vão matar a criança ou pessoas próximas à ela. Por isso, é preciso que a vítima se sinta muito amparada e protegida pela família para que consiga superar o medo e buscar ajuda.

Para além das várias dificuldades que uma criança encontra antes de decidir revelar sobre o abuso sexual, são comuns os casos de vítimas que tentam buscar auxílio e não são compreendidas. No contato com as vítimas, no contexto da denúncia, é comum ouvirmos que já haviam tentado comunicar o problema antes, sem que nada tenha sido feito.

Possivelmente por isso, é frequente que relatos de abuso surjam no contexto escolar, muitas vezes motivados por alguma oportunidade propícia ou conteúdo correlato trabalhado em aula.

Considerando todo esse contexto, é fundamental dar às crianças elementos para que identifiquem o quanto antes situações sexualmente abusivas, além de condições para que consigam buscar ajuda. Ao mesmo tempo, tanto os pais, como os responsáveis e também os educadores devem compreender a dinâmica da violência sexual, saber identificar riscos e agir de forma adequada diante de situações suspeitas.

Juliana Borges Naves

27 de janeiro de 2021Comments are off for this post.

Afastando a vítima do agressor

Um dos cuidados mais essenciais ante à confirmação de um abuso sexual deve ser garantir que a vítima seja posta em segurança, a salvo de novos episódios de violência. O objetivo principal desse tipo de medida é o de resguardá-la, assegurando a devida atenção aos seus direitos básicos e impedindo que continue prejudicada quanto a seu bem-estar e desenvolvimento.

A literatura científica sinaliza que abusos que se repetem ao longo do tempo tendem a ser mais impactantes e desorganizadores para aquele que sofre a violência do que as situações que envolvem episódios isolados de vitimização. Além disso, à medida que os episódios se repetem, se tornam gradativamente piores, com condutas cada vez mais invasivas. Em razão disso, afastar a vítima do agressor pode ser algo necessário. 

Considerando a variabilidade dos casos de violência sexual, comumente esse afastamento vai ser sentido pela criança ou pelo adolescente como um alívio, especialmente quando a relação com o abusador é mais traumática. Em outras situações, principalmente nos casos que envolvem abusos intrafamiliares, o agressor pode ser uma figura de apego e referência para a vítima, sendo que o distanciamento em relação a ele deve ser bem analisado e conduzido para não representar um novo abalo emocional.

É nesse ponto que a rede de proteção assume um papel fundamental. É ela que, com profissionais capacitados, avalia o contexto da denúncia para evitar que injustiças sejam cometidas no processo, já que tais questões podem interferir irreversivelmente no vínculo entre a criança e a pessoa apontada como abusiva. A partir dessa verificação, cabe também aos órgãos desse sistema indicar o que é mais recomendável frente às circunstâncias postas, definir as estratégias protetivas mais pertinentes, orientar os familiares e promover apoio psicológico a todos os envolvidos.

Liliane Domingos Martins

20 de janeiro de 2021Comments are off for this post.

O mito da criança sedutora

Diante de uma notícia de abuso sexual de criança ou adolescente, não é raro surgirem comentários que apontam a vítima como sendo a responsável por aquele episódio abusivo em razão de ter “seduzido” ou “provocado” o adulto. Nesse sentido, alguns pontos precisam ser esclarecidos sobre esse assunto. 

Crianças e adolescentes estão em plena vivência de um longo processo de desenvolvimento da sexualidade. Nesse percurso, experimentam prazer sensorial em seu corpo, incluindo na região genital. Este prazer sexual está vinculado às descobertas do corpo e a se sentir bem com ele. A faculdade de sentir prazer é parte integrante da sexualidade infantil, contudo, ainda não existe uma maturidade, nem física nem psicológica, que possibilite interações sexuais como fazem os adultos. Essa imaturidade impede que crianças e adolescentes sejam considerados capazes de tomar decisões embasadas e responsáveis no campo da sexualidade.  

A crença de que a vítima seduziu e provocou o abuso muitas vezes é construída a partir de projeções dos próprios pensamentos sexuais do adulto na criança, atribuindo a ela estes conteúdos. Em outros casos, podem se tratar de distorções cognitivas, que são crenças disfuncionais e desadaptadas que podem estar relacionadas à visão que o indivíduo tem sobre as outras pessoas, sobre si mesmo, sobre o mundo etc. Tais distorções estão na base de pensamentos como: “a criança que provocou”, “ela que me fez fazer isso”, “ela gostou do abuso”. 

É preciso deixar claro que a responsabilidade de qualquer abuso sexual é sempre do adulto, ainda que uma criança, pré-adolescente ou adolescente demonstre ou declare que deseja ter algum tipo de contato sexual com ele. Além disso, caso uma situação como essa aconteça, um sinal de alerta deve ser ligado, pois pode indicar a existência de um abuso prévio. Uma criança vitimizada sexualmente pode agir com outros adultos de forma sedutora. Nesses casos, as suas relações interpessoais podem estar perturbadas, bem como sua capacidade de expressar afeto de uma forma não sexual. 

Em nenhuma hipótese o comportamento supostamente sedutor torna crianças e adolescentes responsáveis pelo comportamento do adulto de satisfação dos próprios desejos sexuais. Muitas vezes, por trás daquele comportamento interpretado como “sexual”, existe uma necessidade de cuidado emocional somada à imaturidade psíquica típica da idade. Portanto, cabe ao adulto estabelecer os limites apropriados no relacionamento com os mais jovens.

Silvia Pereira Guimarães

13 de janeiro de 2021Comments are off for this post.

A importância do livre relato

Muito se fala da necessidade de haver justiça, quando uma criança ou um adolescente passa por um abuso sexual. Apesar dessa condição, pouco se fala da responsabilidade que cada um de nós temos para garantir isso. 

No contexto da violência sexual, uma das coisas mais importantes é o livre relato por parte da vítima, ou seja, que ela tenha a possibilidade de se expressar livremente ao contar o que lhe aconteceu e que esta fala seja respeitada e preservada, a ponto de servir como elemento probatório válido no contexto judicial.

Na maior parte das vezes, a fala da vítima é a única prova que se tem da violência, pois o abuso em geral ocorre sem testemunhas e não deixa indícios físicos, até mesmo em casos com penetração vaginal ou anal. Nesse sentido, o relato da criança ou do adolescente é um elemento imprescindível para a responsabilização do agressor.

Nesse sentido, a falta de cuidado com a preservação deste relato, seja no ambiente doméstico, seja durante os atendimentos posteriores à denúncia, pode ser extremamente danosa. Muitas vezes, perguntas equivocadas ou observações feitas pelos entrevistadores interferem tanto no discurso da vítima que o invalidam. 

Quanto menor a criança, mais sugestionável ela é, ou seja, mais sujeita a modificar suas impressões e descrições a partir do que entende que o outro espera ouvir. Isso significa que uma criança pode oferecer informações diferentes do que daria espontaneamente conforme o modo como é questionada, seja pela família, seja por algum profissional.

Vivemos em uma cultura adultocêntrica, na qual as crianças são ensinadas que não devem questionar os adultos, pois eles tudo sabem. Em razão disso, a depender do modo como os adultos agem, as crianças respondem, o que, no que tange ao relato do abuso, pode fazê-las oferecer respostas falsas, que imaginam esperadas pelo interlocutor.

Para evitar esse risco, é preciso deixar que a criança descreva conforme ela consegue o que lhe aconteceu, sem perguntas excessivas e sem ceder ao desespero ou à curiosidade sobre o que realmente aconteceu.

Uma dica simples é usar perguntas abertas, que são as questões que não comportam respostas “sim” ou “não”. Esse tipo de pergunta predispõe o oferecimento de relatos mais livres e detalhados sobre o que aconteceu. Um exemplo de pergunta aberta é: O que aconteceu? É possível observar que esse tipo de pergunta permite que a criança fale livremente, seguindo sua própria necessidade de expressão. 

Se precisar ouvir uma criança ou um adolescente, assuma uma postura acolhedora e mantenha a calma, tentando controlar a expressão de seus sentimentos. Os pronomes “o quê”, “quem”, “quando” e “como” podem ajudar. 

Se você for um professor ou um familiar, tenha em mente que o papel de investigar não cabe a você. Tente perguntar o mínimo para entender o que houve e encaminhe a situação. Caso haja suspeita de abuso, denuncie.

Juliana Borges Naves

6 de janeiro de 2021Comments are off for this post.

Como conversar com uma criança quando existe uma suspeita de abuso?

O abuso sexual é um fenômeno silencioso e, na maioria das vezes, sem testemunhas. Além disso, comumente as crianças e adolescentes vítimas de um abuso demoram a relatar a violência que estão sofrendo. A confusão de sentimentos, a vergonha, a culpa, o medo e as ameaças contribuem para que o abuso seja mantido em segredo por muito tempo. 

Apesar disso, a violência sexual, muitas vezes, é um tipo de acontecimento que deixa pistas. A criança ou adolescente vítima pode “comunicar”, na maioria das vezes de forma indireta, que está vivendo uma situação de sofrimento. Isso acontece de diversas formas, sendo as alterações no padrão de comportamento ou de humor, uma delas. 

Para ilustrar como seriam essas alterações, há casos em que criança era comunicativa e desinibida, e se torna mais retraída e desconfiada; como também casos em que a criança tinha um bom desempenho escolar e apresenta uma queda brusca de aproveitamento, chora na escola sem motivo aparente e se torna pouco sociável com os coleguinhas; outro exemplo é a adolescente que se torna agressiva com os familiares, foge de casa com frequência, começa a usar drogas etc. 

Estes exemplos apontam que algo está acontecendo na vida da criança/adolescente, algo está lhe trazendo sofrimento. Não é possível deduzir que essa seja uma situação de abuso sexual, uma vez que não existem sintomas típicos e exclusivos desse tipo de violência. De todo modo, as alterações citadas sinalizam a existência de algum tipo de situação de estresse. 

Diante disso, uma orientação importante é focar no estabelecimento de uma relação de proximidade e confiança, para que a criança/adolescente se sinta segura para relatar o que está lhe causando sofrimento. O diálogo é a base para que o adulto esclareça aquilo que de fato está acontecendo. 

Lembre-se de evitar qualquer abordagem invasiva ou direta questionando um suposto abuso sexual. Perguntas como: “Tem alguém abusando de você?”, “Fulano está mexendo com você?” não devem ser feitas. Esse tipo de abordagem sugestiona a fala da criança, pode produzir relatos não autênticos, provocam sofrimento e constrangimento. Pressionar ou insistir para que a criança ou adolescente revele um suposto abuso sexual configura um tipo de violência psicológica que traz prejuízos e pode fazer com que ela se feche ainda mais. 

A melhor forma de falar com a criança/adolescente é dizer que tem observado mudanças de comportamentos e que você se preocupa com ela. Pergunte se há algo difícil lhe acontecendo, algo ruim, e mostre disposição para escutar o que será falado. Alguns exemplos de como perguntar para a criança são: “Tenho observado que você anda triste nos últimos tempos. Quer conversar um pouco sobre isso?”; “Tem algo ruim ou difícil acontecendo com você? Gostaria de falar sobre isso?”; “Se algo ruim estiver acontecendo com você, pode se abrir comigo, quero te ajudar”. Essas abordagens ilustrativas demonstram que você percebe que algo está acontecendo, sem induzir ou indicar alguma hipótese específica. 

É importante que o adulto demonstre carinho e cuidado, e coloque-se disponível para conversar. Além disso, se mostre como uma pessoa disposta a ouvir e ajudar, de modo que a própria criança/adolescente, no tempo dela e da forma que sentir confortável, poderá falar o que está lhe acontecendo. Esse relato pode envolver a existência de algum tipo de abuso sexual, como também pode ser sobre qualquer outra questão, dúvida ou conflito que esteja causando sofrimento ou preocupação. 

Muitas vezes o estabelecimento de uma relação de confiança e diálogo é suficiente para diminuir as dúvidas e afastar a hipótese de abuso sexual. Outras vezes, o incômodo pode permanecer e as perguntas continuarão sem respostas. Nesses casos, vale a pena procurar uma ajuda especializada. 

Silvia Pereira Guimarães

23 de dezembro de 2020Comments are off for this post.

Toques Positivos e Toques do “Sim”

Falamos muito aqui sobre os contatos físicos em crianças e adolescentes que são inapropriados e abusivos. Apesar desse perigo e da necessidade de os adultos desenvolverem sua atenção sobre essa possibilidade, é importante reconhecer que a maior parte dos toques que nossos pequenos recebem costumam ser positivos. Eles são essenciais à vida e ajudam no desenvolvimento saudável e feliz de todo ser humano. 

Os toques positivos ou “toques do sim” muitas vezes aparecem como demonstrações de carinho cotidianas. É gostoso sentir o abraço do vovô, o beijo da mamãe, o colo do papai, o cafuné da titia ou o afago da professora, por exemplo. Esses são gestos que normalmente fazem com que as crianças e os adolescentes se sintam queridos e protegidos, pois, indicam as pessoas que lhes amam e com quem podem contar.  

Outras boas formas de contato físico são parte das brincadeiras entre amigos e do relacionamento com eles. No caso dos jovens de nossa cultura, tendem a exibir seus laços de amizade com mais toques do que em outras faixas etárias: andam de braços dados, deitam-se no colo uns dos outros, mexem nos cabelos do colega, etc. Além disso, é na adolescência que os primeiros namoros acontecem, o que também envolve aproximação e intimidade. Esses gestos dão uma sensação de pertencimento para os envolvidos, que se reconhecem enquanto integrantes de um ou mais grupos.

Além desses, toques positivos podem vir na forma de alguma assistência. Esse tipo de contato está presente, por exemplo, quando o médico examina o corpo da criança ou do adolescente, quando os mais novinhos são auxiliados no banho para garantir a higienização adequada ou quando recebem ajuda para trocar de roupa.

Os “toques do sim” surgem de forma espontânea e natural, quase sempre resultando em uma sensação boa e agradável. Eles também não precisam ser escondidos de outras pessoas e, por isso, são bem diferentes dos toques abusivos. 

Mesmo considerando que o contato físico com adultos costuma ser positivo, as crianças e adolescentes devem ser autorizadas por seus pais a dizer “NÃO” quando incomodadas ou envergonhadas com qualquer aproximação de outras pessoas. Isso ajuda para que estejam mais atentas e possam reagir a situações abusivas, que normalmente causam desconforto, estranhamento e confusão nas vítimas. 

Liliane Domingos Martins

17 de dezembro de 2020Comments are off for this post.

A Vítima Pode Esquecer um Abuso Sexual?

A mente humana pode funcionar de formas bem complexas, que às vezes são difíceis de entender e até de acreditar. Em situações perturbadoras e traumáticas como um abuso sexual, é especialmente comum que o cérebro ofereça respostas diferentes das que a gente conhece para que o indivíduo lide com o medo e sofrimento intensos. Sobre isso, um dos jeitos estranhos que nosso organismo tem para minimizar o estresse de circunstâncias extremas consiste em apagar as lembranças referentes ao episódio, um fenômeno chamado de amnésia. Isso significa que: sim, é possível que crianças e adolescentes molestados não se recordem da violência ou que tenham memórias incompletas sobre o ocorrido, sendo que o problema pode se iniciar tardiamente ou se estender até a idade adulta.

A amnésia pode ser decorrente de condições neurológicas ou toxicidade, que não é o que estamos abordando aqui. Nos casos de traumas por abusos, esse sintoma é descrito pela psiquiatria como uma forma de dissociação. A dissociação é uma perturbação severa do psiquismo, em que, para defesa psicológica, a pessoa se desconecta mentalmente da realidade assustadora que tem diante de si.

 A amnésia dissociativa pode se apresentar de três modos distintos. No mais comum, ela é classificada como localizada e as lacunas de memória aparecem restritas a um evento ou período limitado de tempo. No caso da amnésia seletiva, os lapsos abrangem recortes específicos de uma situação, ou seja, alguns detalhes da cena são recordados enquanto outros permanecem obscuros. Por último, a amnésia generalizada é rara e envolve a total perda de registros cognitivos sobre a identidade e história de vida de uma pessoa.

Curiosamente, a amnésia pode envolver o esquecimento de algo traumático mesmo depois de o indivíduo ter um período com lembranças nítidas sobre a adversidade vivida. Além do mais, a amnésia pode ser revertida entre alguns minutos ou depois de décadas desde seu início. Nesses casos, é importante que a vítima receba ampla atenção em saúde mental, pois, o apagão das memórias não se dá à toa e a retomada à mente dessas cenas originalmente tidas como intoleráveis pode expor a pessoa a uma condição de grande sofrimento, mesmo que já tenha se passado um longo período desde o ocorrido. Da mesma forma, a ausência de lembranças sobre uma situação também pode ser angustiante para outras pessoas, que relatam acreditar que algo ruim lhes aconteceu em dadas circunstâncias, mas não têm recordações que lhes permitam concluir sobre os fatos. Para todas essas condições, a psicoterapia é o melhor caminho.

Liliane Domingos Martins

2 de dezembro de 2020Comments are off for this post.

Como Proteger seu Filho na Internet

A internet é uma importante ferramenta de comunicação moderna e que nos permite acessar um imenso número de informações de forma simples e rápida. Principalmente nesses tempos de isolamento social por conta da pandemia de COVID-19, a rede mundial de computadores se destacou como um recurso bastante útil para manter boa parte das pessoas trabalhando, bem como para conseguir meios de interação e de lazer. Mesmo com tais vantagens, é necessário saber que a internet também pode representar riscos às crianças e adolescentes em relação à violência sexual.

Os “bate-papos” ou chats são serviços que merecem o alerta dos adultos. Esse tipo de ambiente virtual está presente em praticamente qualquer página da internet, mas são nas redes sociais e nos jogos que eles mais comumente são acessados por abusadores. Ali, as estratégias mais usuais empregadas pelos agressores envolvem: 

  1. se passar por uma criança ou adolescente de mesma idade da vítima; 
  2. seduzir a vítima com elogios, ofertas de presentes, premiações, dinheiro, contato com alguém famoso ou com meios de torná-la famosa.

Ambas as situações costumam ser usadas pelos agressores para se aproximarem das vítimas, estreitando laços de amizade e intimidade até conseguirem com que lhes enviem fotos de seus corpos em trajes de banho ou despidos, os nudes. O material recebido, por sua vez, acaba se espalhando na internet através de trocas de mídias entre pedófilos, o que alimenta a indústria da pornografia infanto-juvenil. Ainda mais grave do que isso, em outros casos, o ofensor usa essas fotos para chantagear a criança/adolescente, exigindo que se encontrem pessoalmente. Essa intimidação aumenta a possibilidade de que a violência saia do contexto cibernético e se torne um abuso sexual físico. 

Crianças e adolescentes são ensinados sobre como se comportar dentro e fora de casa, na escola, na igreja, em aglomerações, no contato com pessoas doentes, com idosos, etc. Nessas circunstâncias, são alertados quanto ao que se espera deles, aos limites das interações, aos perigos a que estão expostos, entre outras várias lições. Da mesma forma, eles devem ser educados para um uso positivo da internet. Devem entender que aquilo que fazem quando estão online tem implicações no mundo real e que algumas dessas consequências podem ser bastante graves.

Assim, no caso de crianças mais novas, é recomendável que os chats sejam bloqueados ou vistoriados com frequência pelos pais. Elas também devem ser orientadas a nunca fornecer seus dados pessoais ou os de seus familiares. Existem vários aplicativos criados para auxiliar adultos responsáveis a darem mais segurança e a controlarem o conteúdo que esses pequenos podem acessar.

Quando se trata de adolescentes, as conversas e orientações funcionam bem melhor. Regras de uso da internet devem ser estabelecidas e é interessante planejar a supervisão das rotinas de uso do computador do jovem, de preferência com a participação dele na definição quanto aos limites dessas intervenções. O diálogo aqui é essencial, com esclarecimentos sobre as razões do monitoramento. Em famílias muito rígidas, rapazes e moças podem evitar contar sobre abordagens indevidas que recebem pela internet com medo de que os pais proíbam seus acessos à rede.

No caso de serem identificadas situações abusivas online contra alguma criança ou adolescente, recolha todas as informações possíveis sobre o caso. Faça prints de conversas, guarde o endereço eletrônico de acesso àquela página e reúna dados do perfil do aliciador. Com isso em mãos, denuncie!

Liliane Domingos Martins

25 de novembro de 2020Comments are off for this post.

Criança não namora

É bastante comum em nosso dia a dia observarmos adultos que, buscando um momento de interação divertida, falam para a criança: “Ele é seu namoradinho?” ou “Vai lá, pega na mão da sua namorada”. Há também as ocasiões em que os adultos riem e acham bonitinho quando a criança comenta que está namorando ou que seus coleguinhas namoram. 

Essas situações, aparentemente inocentes e inofensivas, acabam por desviar a atenção da criança de temas típicos de seu universo infantil para direcioná-la a um tema que não combina com sua idade. Existe um momento específico para vivenciar cada etapa da vida. A criança encontra-se em franco processo de desenvolvimento no qual seu tempo deve ser dedicado a brincar, estudar, aprender a se relacionar, lidar com regras e limites, dentre inúmeras outras coisas. 

As crianças, quando brincam juntas, dividem um lanche, pegam na mão ou se abraçam, não estão estabelecendo uma relação de namoro, mas uma relação de amizade com alguém que gostam. Nesse sentido, é importante que o adulto nomeie de forma correta esse tipo de interação. 

Não se trata de brigar com a criança ou de reprimi-la quando ela fala que tem um(uma) namorado(namorada). Procure não julgar ou se assustar com aquilo que a criança está dizendo, e aproveite a oportunidade para estabelecer um diálogo cuidadoso, acolhedor e orientador. Desse modo, se a criança diz que tem um namorado, converse a respeito e pergunte com quem ela está namorando, como ela namora. Busque compreender aquilo que a criança está comunicando. Em seguida, oriente e explique que, quando ela gosta ficar perto de um coleguinha e brincar com ele, significa que ela é amiga dele. Crianças têm amigos, não namorados. Apenas adultos namoram.  

Os pequenos observam os adultos e aprendem por modelo. É possível que a criança, vendo os pais se beijarem e tendo comportamentos de intimidade, eventualmente, queira imitar. Não é preciso esconder da criança as expressões de afeto. Não é nada disso. Ao contrário, esse é um momento oportuno para explicar que existem coisas que crianças fazem e coisas que adultos fazem. 

É importante que a criança entenda que namoro é “coisa de adulto”. Essa é uma postura que busca evitar a erotização precoce e possibilita que a criança ache estranho, caso seja abordada de uma maneira “romântica” ou “sedutora” por um adulto. Quando essa regra é internalizada pela criança, ela fica mais protegida. 

Silvia Pereira Guimarães

18 de novembro de 2020Comments are off for this post.

Reconhecer, Reagir e Relatar: os 3 Rs da autoproteção de crianças e adolescentes contra o abuso sexual

Sempre que pensamos na proteção de crianças e adolescentes contra o abuso sexual, uma das principais estratégias envolve lhes deixar mais preparados para lidar com eventuais aproximações indevidas. Assim, programas de prevenção à violência usualmente se dedicam à elaboração dos melhores recursos para que os mais novos aprendam a se posicionar de forma eficiente contra o problema. Nessa direção, um sistema bastante interessante e didático de enfrentamento do abuso sexual é o que é chamado de 3 Rs, nos quais crianças e adolescentes são ensinados e avaliados quanto a suas capacidades para RECONHECER, REAGIR e RELATAR esse tipo de situação adversa.

As habilidades dos 3 Rs são desenvolvidas em sequência. A primeira delas, é a capacidade de RECONHECER, que reporta à compreensão que a criança ou adolescente tem acerca do que é o abuso sexual e das maneiras como ele acontece. Somos conscientes de que pode ser bem difícil para os adultos tratarem desse assunto, mas existem meios de educar seus filhos sobre isso sem sustos. Nessa etapa, deve-se ensinar, por exemplo, sobre as partes do corpo que são íntimas e privadas e que não podem ser tocadas por outras pessoas; ou sobre a forma como se dão o aliciamento e os abusos na internet. No Instagram e no blog do Instituto Alexis frequentemente damos dicas sobre os meios mais recomendados para abordar esses temas.

A capacidade de REAGIR abrange os comportamentos que crianças e adolescentes podem adotar de modo a esquivarem-se de ocasiões potencialmente abusivas. Aqui, eles devem ser ensinados, sobretudo, a saírem de perto de pessoas que lhes deixem desconfortáveis e a dizer “NÃO” se alguém tentar com eles qualquer tipo de contato inadequado. É claro que, nesse ponto, é importante ter em mente que a vitimização sexual comumente causa sensação de paralisia ou confusão, que pode dificultar que crianças e adolescentes ofereçam resistência aos agressores. Assim, exatamente porque a violência sexual é muito desorganizadora e impactante, as vítimas não devem ser exigidas ou responsabilizadas caso não consigam demonstrar oposição ao ato abusivo. 

Por último, crianças e adolescentes devem ser orientados sobre os meios para RELATAR qualquer condição ruim a que sejam expostos, especialmente episódios de violência. Nesse sentido, eles devem ser estimulados a escolherem adultos em quem confiam para contar sobre os mais diversos acontecimentos de suas vidas e com os quais possam buscar aconselhamento quando estiverem com problemas, sejam quais forem. Caso a dificuldade em questão for referente a algum abuso sexual e aquele adulto não conseguir oferecer o auxílio necessário, as crianças e adolescentes devem saber que é importante procurarem por outras pessoas até que lhe garantam a devida proteção. Finalmente, é essencial que sejam informados sobre a rede de proteção e os órgãos em que podem oferecer denúncia por conta própria, caso se sintam desamparados. Aqui, também é necessário ter claro que a revelação de situações abusivas reflete um processo muito penoso e que é natural que muitas crianças e adolescentes tenham dificuldade em fazer isso, mesmo quando estimulados e acolhidos. Nesses casos, eles não devem ser culpabilizados pela demora em contar algo tão complicado, mas incentivados por finalmente terem tido coragem em fazê-lo.

O modelo dos 3Rs destaca-se como um recurso bastante útil para pensar e planejar uma intervenção preventiva contra abusos sexuais, auxiliando que crianças e adolescentes estejam mais atentos e prontos para se posicionarem contra o problema. Mesmo assim, é imprescindível reconhecer que crianças e adolescentes são pessoas com desenvolvimento incompleto e, portanto, em condições de vulnerabilidade. Isso significa que, ainda que sejam preparados para RECONHECER, REAGIR e RELATAR qualquer tipo de violência, eles não têm essa obrigação. Cabe à família, à sociedade e ao Estado o papel fundamental de proteção dos nossos pequenos.   

Liliane Domingos Martins