14 de abril de 2021Comments are off for this post.

Violência Institucional

Sempre falamos sobre a violência sexual, do quanto ela é frequente e de como pode ser traumática. Entretanto, existe outro tipo de violência à qual as vítimas de abuso estão sujeitas: a violência institucional. 

Violência institucional, também conhecida por revitimização ou vitimização secundária, compreende o sofrimento imposto à vítima a partir dos encaminhamentos e procedimentos relativos à formalização da denúncia. Acontece por meio de abordagens inapropriadas que partem de alguns profissionais que atendem o caso, seja no sistema de saúde, de proteção ou de justiça.

Antes de tudo, precisamos ter em mente o quanto é custoso para alguém que sofreu um abuso sexual tratar desse assunto. Em geral, esse tipo de violência provoca muita angústia, além de sentimentos de vergonha, culpa e medo, o que faz da própria revelação um passo difícil a ser tomado. 

Para darmos uma dimensão bem ínfima sobre o contexto que a vítima encontra, imagine que alguém desconhecido te peça para relatar algo de sua vida sexual, publicamente e com detalhes, principalmente se for um momento sexual desagradável ou constrangedor. Descrever onde estava, o que aconteceu, o que o outro fez, como você se sentiu, enquanto vai gravando ou anotando tudo o que você disser. Constrangedor? Suponha então, se tivesse que narrar uma situação de violência mesmo, de alguém que te tocou de uma forma invasiva ou violou seu corpo.

É fundamental que os profissionais que atendem vítimas de violência sexual tenham formação adequada e específica sobre esse assunto. Como se trata de um problema a ser trabalhado em rede, seja no âmbito da proteção da vítima, seja na via da responsabilização do agressor, cada qual deve estar ciente do seu papel dentro do sistema e executá-lo de maneira eficiente e acolhedora. Para isso, tanto profissionais da rede de saúde, como enfermeiros e médicos, quanto profissionais da rede de atenção e proteção, sejam conselheiros tutelares ou profissionais das equipes multidisciplinares de órgãos como CREAS e CRAS, devem buscar conhecimento científico sobre o fenômeno do abuso sexual. Importante também é a adequada formação dos educadores, a quem muitas crianças e adolescentes oferecem os primeiros relatos sobre a violência que sofreram.

Para evitar a revitimização, é preciso que cada profissional compreenda as possibilidade e limites de sua atuação, abordando as possíveis vítimas com práticas adequadas, respeitosas e efetivas. 

Cabe ressaltar que a violência institucional pode ser mais nociva e traumática que a própria violência sexual. No que se refere ao problema do abuso, muitos dos atos de revitimização partem de abordagem inadequadas e enviesadas pelos preconceitos dos profissionais que atendem as vítimas. Nesse sentido, faz-se imprescindível distinguir as próprias opiniões, bem como o que circula no senso comum, do conhecimento real e científico necessário na atuação junto aos casos concretos de abuso. 

Juliana Borges Naves

7 de abril de 2021Comments are off for this post.

Abusos Disfarçados: a camuflagem da violência em ações de carinho, brincadeira, cuidado ou como acidentes

O abuso sexual de crianças e adolescentes nem sempre envolve o emprego de condutas agressivas. Em realidade, na maior parte dos casos, o ofensor aborda a vítima como se estivesse fazendo uma brincadeira, um carinho, auxiliando com algum cuidado de higiene ou como se o ato fosse um mero acidente.  

O abuso disfarçado de brincadeira pode se dar, por exemplo, quando o agressor faz cócegas na criança, mas aproveita para tocar nas partes íntimas dela; ou quando desfruta do prazer da fricção genital que a vítima faz quando brinca de “cavalinho” em seu colo. Também há aqueles casos em que “o tio” coloca balas ou brinquedos dentro da roupa da vítima e, ao procurar o objeto, passa a mão pelo corpo dela. 

Em outras situações, o abuso é empreendido pelo agressor como se fosse uma demonstração de afeto. Somos acostumados a expressar carinho por meio de toques como o beijo e o abraço, que são bastante agradáveis. Especialmente no caso de crianças mais novas, porém, pode ser difícil diferenciar esse tipo de carícia de, por exemplo, um beijo dado maliciosamente em seu órgão genital. Para elas, nenhuma parte do corpo é sexualizada e, tudo o que percebem, costuma ser a sensação gostosa que aquele contato lhe provoca.

Há ainda os casos de violência sexual em que o abusador finge estar prestando um cuidado de higiene à vítima enquanto, na verdade, explora o corpo dela. São comuns as queixas sobre pais abusivos que tocam o corpo de seus filhos de maneira exagerada durante o banho e que se justificam na necessidade de limpeza para manipular a vagina e o ânus de suas crianças.

No mais, o ato abusivo pode também ser realizado de modo a parecer um acidente ou acaso, um contato físico indevido que o agressor diz ter ocorrido “sem querer”. Isso se reflete, por exemplo, em ocasiões nas quais o adulto passa em um lugar apertado procurando esfregar seu corpo contra o da criança ou finge cair e buscar equilíbrio na vítima, aproveitando-se para tocar em seus seios.

Todas essas circunstâncias são implementadas pelo agressor de um jeito que suas más intenções não fiquem evidentes e pareçam aproximações inocentes. Da forma como fazem, fica mais complicado para as crianças e adolescentes entenderem que aquele contato é inapropriado, o que torna improvável qualquer reação ou relato por parte delas. Mesmo para outros adultos, pode haver alguma confusão para compreender que aquele conhecido que brinca e auxilia com os pequenos da casa não oferece ajuda genuína, mas procura tão somente oportunidades de abuso. 

Para todos aqueles que estão dedicados a saber mais sobre como ocorre a violência sexual contra crianças e adolescentes é preciso ter em mente que o processo abusivo pode ser sutil como descrevemos. Estando consciente sobre esse risco, você fica mais preparado para distinguir quando a aproximação de outros adultos é amigável em comparação a outras interações que envolvem manipulação e podem ser prejudiciais aos seus filhos.  

Liliane Domingos Martins

31 de março de 2021Comments are off for this post.

A sexualidade infantil

O tema “sexualidade infantil” é considerado um tabu em nossa sociedade, o que torna esse assunto algo difícil de ser abordado e conversado abertamente. De modo geral, os pais também trazem consigo uma noção de sexualidade como sendo relacionado a algo proibido, constrangedor, sujo, cheio de vergonha. Tal noção está ligada à educação que eles próprios receberam de seus progenitores e que, gradativamente, vão repassando aos filhos. Se qualquer questão relacionada ao corpo ou à nudez da criança gera uma reação de repressão ou excessiva vergonha, a criança vai internalizando essas noções e associando a sexualidade a algo que não se fala, que se esconde, algo negativo etc. 

Nesse mesmo sentido, quando os pais têm uma visão mais natural da sexualidade e do corpo, transmitem essa mesma concepção para seus filhos. Isso possibilita que a criança construa uma melhor relação com o próprio corpo e com a sexualidade, o que, em um sentido mais amplo, auxilia na prevenção de abusos. 

Quando a sexualidade é tratada dentro da família como um dos aspectos naturais da vida, a criança se sente livre e segura para perguntar aos pais aquilo que tem dúvida e os pais se sentem confiantes para conversar e orientar de forma adequada com seus filhos. Dentre essas orientações, estão aquelas relacionadas à consentimento, limites do próprio corpo, os nomes das partes íntimas, toques apropriados e toques inapropriados, reconhecimento de sensação de desconforto etc. 

É preciso entender que a sexualidade infantil é muito diferente da sexualidade adulta. Para a criança, os órgãos genitais não são o centro do prazer sexual como acontece com os adultos. Nos primeiros anos de vida, a criança está descobrindo o próprio corpo, a funcionalidade de cada parte e as sensações relacionadas a elas. Assim, a criança explora seu corpo, corre, rodopia, percebe que sente cócegas em algumas partes e sensações boas em outras. Para a criança, os genitais não são uma zona sexual ou erótica, essa concepção ainda não foi construída. 

Portanto, quando falamos de sexualidade infantil, estamos tratando de uma concepção muito mais ampla, que envolve as experiências sensoriais e corporais como um todo; a forma como percebemos e nos sentimos em relação ao próprio corpo; tudo o que se refere a ser homem e ser mulher; a forma como nos relacionamos com as pessoas que gostamos; o desenvolvimento e as mudanças corporais; e a reprodução humana.  

As crianças são naturalmente curiosas e expressam curiosidade também pelas questões da sexualidade, assim como fazem em diversas áreas da vida. Cabe aos pais ou responsáveis influenciá-las de forma adequada para a construção de uma sexualidade saudável. Para isso, é importante orientar os pequenos sem envergonhá-los ou repreendê-los por estarem fazendo uma pergunta. Crianças precisam ser ensinadas de forma respeitosa e em linguagem adequada, sem que se sintam culpadas por uma curiosidade ou exploração sexual normal.  

Uma boa forma de fazer isso é internalizando uma concepção geral de sexualidade infantil como algo natural da vida, obtendo informações sobre o que é esperado em cada etapa do desenvolvimento e conhecendo os comportamentos sexuais típicos, ou seja, considerados “normais” ou comuns à maioria das crianças. Essa postura auxilia os pais a lidarem com a sexualidade dos filhos de uma forma mais tranquila, assumindo posturas mais saudáveis e efetivamente protetivas. 

Silvia Pereira Guimarães

24 de março de 2021Comments are off for this post.

Criança mente sobre o abuso?

Essa pergunta é muito comum, a tal ponto que o argumento de que o relato não passa de uma fantasia é frequentemente usado pelos advogados de defesa no âmbito jurídico. Nesse contexto, a incapacidade da vítima para apresentar um relato cronologicamente ordenado e detalhado sobre a vitimização é encarada por advogados e magistrados como um indício de que ela estaria mentindo ou fantasiando sobre a situação abusiva.

Tal entendimento parte do desconhecimento acerca de características fundamentais e típicas da infância, bem como das etapas de desenvolvimento do processo cognitivo e da aquisição da memória. Em razão disso, muitos adultos esperam que crianças tenham capacidades similares às suas, de forma que incoerências e incongruências são tomadas por indicativos de falta de veracidade.

No que se refere às habilidades da infância, entre 4 e 5 anos de idade, uma criança já é capaz de distinguir verdade de mentira, como também de mentir intencionalmente para, por exemplo, fugir de um castigo, obter recompensa, agradar alguém ou proteger figura significativa. 

Já a capacidade de imaginar, de lançar mão de ideias fantasiosas para interpretar ou relatar algum acontecimento, é bastante comum e recorrente na infância. A imaginação e o jogo simbólico são processos normais e essenciais para o desenvolvimento integrado das crianças e possibilita que elas internalizem situações do dia a dia ou elaborem vivências traumáticas. É por meio da brincadeira e da imaginação que uma criança passa da posição de objeto, que deve obediência aos pais, professores, irmãos ou a alguma outra criança, para o lugar de quem manda, de quem sabe, de quem determina as regras. É brincando que a criança pode mudar de papel e se distanciar temporariamente da condição de dependência e impotência que ela experimenta em diversos momentos. 

Dito isso, nos cabe fazer a mea culpa. Adultos também mentem, e muito. Pode-se dizer, considerando as estatísticas, que mentem bem mais que as crianças. Ademais, também fantasiam. Fazem planos diante de um jogo da mega sena, ensaiam conversas antes de um encontro e repassam inúmeras respostas que não deram quando confrontados, por vezes em voz alta. Nesse sentido, pedem das crianças a maturidade e coerência que nem mesmo têm.

Mas, voltando à pergunta inicial: Crianças mentem que foram abusadas?

Embora fantasiem, crianças não vivem em um mundo de fantasia e, por volta de três anos e meio, conseguem distinguir fatos concretos da imaginação. Além disso, costumam fantasiar com elementos que lhes são apresentados. Por conta disso, as brincadeiras giram em torno de situações habituais, de fatos que aconteceram na família ou de temas movidos por histórias imaginárias: personagens de livros, desenhos ou jogos. Considerando que cenas eróticas não fazem parte de vivências corriqueiras na infância, seria bastante atípico que uma criança relatasse uma situação sexualmente abusiva a partir da própria criatividade. Ainda que sejam capazes de fantasiar, a maioria das crianças não possui conhecimento ou percepção suficientes para ter o que são, em essência, fantasias sexuais adultas.

Aqui, cabe a ressalva de que uma criança pode ter contato com cenas eróticas de modo incidental, pela internet ou manipulando o celular dos responsáveis, por exemplo. Sendo assim, não necessariamente o relato de uma situação aparentemente sexual é produto do assédio de algum adulto. Vale esclarecer, entretanto, que expor intencionalmente uma criança ou adolescente a uma cena de conteúdo erótico, seja pessoalmente, seja em vídeo, configura sim violência sexual.

Sobre a mentira, é difícil entender que tipo de motivação levaria uma criança a inventar uma acusação de abuso contra alguém. Raramente uma criança mente sobre isso, a menos que esteja sob influência de um terceiro que visa algum benefício com a denúncia. Mesmo assim, quando consideramos o contexto de litígio e de divórcio, tem-se que apenas 6% das denúncias de violência sexual são inverídicas.

Nesse sentido, é mais comum uma criança usar a capacidade de mentir para encobrir uma violência que aconteceu com ela, seja por ameaças, por receio das consequências do relato ou pela necessidade de proteger um agressor com quem tem laços afetivos.

Juliana Borges Naves

17 de março de 2021Comments are off for this post.

Profissionais Acolhendo Relatos de Abuso: as diferenças entre escuta especializada e depoimento especial

A legislação brasileira teve um importante avanço recente no que se refere ao acolhimento de relatos de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência. Até então, eram relativamente frequentes os episódios de violência institucional, nos quais profissionais mal preparados acabavam por ampliar o sofrimento das vítimas com pressões, preconceitos e outras condutas inadequadas, que comprometiam a confiabilidade das narrativas. Ante a esses problemas, a Lei N° 13.431/17, que vem sendo conhecida como Lei da Escuta Protegida, definiu sobre estratégias de abordagem que devem ser observadas por todos aqueles que trabalham em contextos nos quais são responsáveis por ouvir crianças ou adolescentes envolvidos em situações abusivas. Dentre essas estratégias, vamos aqui apresentar sobre a escuta especializada e o depoimento especial, indicando as diferenças entre ambas.

A escuta especializada é o procedimento que deve ser realizado mais frequentemente, já que é indicada para praticamente todo profissional que compõe a rede de proteção, sejam conselheiros tutelares, professores, enfermeiros, médicos, psicólogos, assistentes sociais, etc. O princípio fundamental da escuta especializada envolve o livre relato, ou seja, a estimulação da criança ou adolescente para que fale sobre os episódios de violência com o mínimo de intervenção e, quando algum esclarecimento for necessário, que seja feito por meio de perguntas abertas e não diretivas. Além disso, é essencial ter claro que a escuta especializada é limitada em sua coleta de dados e não visa a produção de provas, o que significa que tal abordagem deve abranger apenas o estritamente necessário para o cumprimento de sua finalidade, que é tão somente de acolhimento, provimento de cuidados e encaminhamento.

Quanto ao depoimento especial, é comum que, equivocadamente, alguns profissionais documentem ter usado esse tipo de procedimento para ouvir uma criança ou adolescente. A ideia, provavelmente, é de garantir que cuidou-se contra práticas revitimizantes ou para evitar a sugestionabilidade do discurso da vítima, mas, tendo em vista que é essencial sempre estar atento a tais questões, essa não é a especificidade do depoimento especial. O depoimento especial é, na verdade, um modelo de oitiva de crianças e adolescentes exclusivo a autoridades policiais ou judiciárias. Além disso, o depoimento especial tem uma formatação bastante particular, de modo que, mesmo nos órgãos com essas competências, certas características devem ser resguardadas para que a entrevista com a vítima receba esse nome. 

De modo geral, é preciso saber que o procedimento de depoimento especial tem dois objetivos principais. O primeiro deles, é o de evitar que a vítima seja repetidamente ouvida sobre um tema tão difícil como a violência sexual. Tendo isso em vista, a sessão é gravada em áudio e vídeo, o que permite que outros profissionais tenham acesso às informações prestadas, sem a necessidade de acionar novamente aquela criança ou adolescente. Nessa gravação está contido o registro da conversa realizada entre a vítima e um expert, que faz uso de um protocolo de entrevista forense e que é habilitado para mediar as perguntas de uma sala de audiência para a criança ou adolescente, adaptando a linguagem para o nível de desenvolvimento dela. Ambos encontram-se isolados em um recinto separado, mas a vítima está ciente de que aquele encontro está sendo acompanhado por vários outros interessados. 

Isso conduz ao segundo objetivo do depoimento especial, que, dentro do rito processual, visa garantir o direito à ampla defesa e ao contraditório por parte do investigado. Para tal, a oitiva precisa ser realizada conforme uma audiência judicial, com a presença de juiz, promotor, advogados e aquele que foi apontado como responsável pela violência. Esses atores assistem à entrevista com a vítima enquanto ela acontece e podem encaminhar seus questionamentos, isso em conformidade com o que foi mencionado logo acima.

Além da Lei N° 13.431/17, o Decreto N° 9.603/2018 instituiu princípios ainda mais específicos para a realização da escuta especializada e do depoimento especial. Os dois documentos destacam-se como dispositivos históricos, concentrados no melhor interesse de crianças e adolescentes e que devem ser conhecidos por todo profissional que lida com esse público em suas rotinas de trabalho. Sabemos que pode ser bem difícil receber relatos de violência, principalmente por parte de nossos pequenos, mas, quando você está ciente sobre seu papel nisso e sobre como conduzir a situação, é provável que essa tarefa seja um pouco menos intimidante. Fique atento à legislação!

Liliane Domingos Martins

10 de março de 2021Comments are off for this post.

Por que devemos evitar beijar a criança na boca?

O beijo na boca entre pais e filhos é um tema que, de tempos em tempos, volta a ser palco de discussão. Independentemente da polêmica ou das questões morais que muitas vezes assumem o tom dessa questão, é importante estar atento aos aspectos psicológicos desse comportamento para a criança e dos riscos que ele traz. 

É comum que os pais, em suas expressões cotidianas de amor pelos filhos, nas demonstrações de carinho, deem beijos na boca da criança, que rapidamente são correspondidos por ela. A intenção, certamente, é de um comportamento amoroso e inocente, que expressa o vínculo existente entre eles. 

Contudo, é importante lembrar que, desde o momento do nascimento, somos seres em desenvolvimento. Assim, as noções de afeto e de sexualidade da criança são bastante distintas das do adulto e encontram-se em franco processo de amadurecimento. Aquilo que é percebido como carinho, como demonstração de afeto, como permitido ou não, vai sendo construído paulatinamente, a partir de suas primeiras relações.

Quando a criança aprende desde bebê a beijar os pais na boca, ela vai associando esse comportamento a algo bom, que se faz com pessoas que gosta. Desse modo, haverá uma forte tendência a reproduzir esse tipo de ação com outras pessoas que gosta: com os coleguinhas da escola, com a professora, com a babá, com outros adultos ao seu redor. 

Nesse sentido, a criança pode se tornar um alvo fácil para uma pessoa mal intencionada, que queira se aproveitar dessa conduta. Uma vez que o beijo na boca é algo natural para aquela criança, um abusador sexual buscará utilizar isso em benefício próprio, dessensibilizando a criança para atos cada vez mais erotizados. 

Por isso é tão importante que a criança aprenda desde muito cedo que há comportamentos que são de crianças e há comportamentos que são de adultos. Assim, fica claro que existem carinhos que são trocados apenas entre adultos. Beijo na boca é um comportamento de adulto, é algo que os adultos fazem quando se gostam, quando namoram etc. Já as crianças demonstram carinho abraçando, pegando na mão, dando beijos no rosto ou na bochecha.  

Eventualmente, esse tipo de regra pode parecer exagero, pois os pais têm certeza de que a criança está em um ambiente seguro, que está apenas “em família” e que “não tem maldade nenhuma” no beijo na boca que dão em seus filhos. 

Ainda assim, é preciso entender que a criança não tem esse limite claro, do que é seguro, na cabeça dela. Ao contrário, essas noções estão sendo construídas. Ainda que existam diferenças claras de significados entre um beijo na boca de um casal e um “selinho” de carinho, esses limites não estão bem estabelecidos nos anos iniciais da vida. Apenas em uma fase mais avançada de desenvolvimento a criança consegue ter uma compreensão global sobre isso.   

Um ponto que vale a pena lembrar é que a boca é uma zona erógena do corpo que provoca sensações de prazer. Então, sendo o beijo na boca um comportamento natural, com o tempo, algumas crianças podem passar a repetir esse gesto com várias outras pessoas, simplesmente porque é bom. 

Além disso, na nossa sociedade, o beijo na boca tem uma conotação sexual, pois é a forma como um casal que possui alguma ligação erótica demonstra o afeto. Aos poucos, na medida em que cresce, a criança vai percebendo o sentido que o beijo na boca tem para outras famílias ou grupos sociais. Esses limites entre o que tem conotação afetiva e o que tem conotação sexual pode se tornar uma fonte de confusão e angústia para ela. 

Silvia Pereira Guimarães

3 de março de 2021Comments are off for this post.

Abusos sexuais cometidos por mulheres

É complicado aceitar a ideia de que mulheres são capazes de abusar de crianças e adolescentes. De maneira geral, a condição feminina é bastante idealizada na nossa cultura e as mulheres são tidas como frágeis, naturalmente maternais e amorosas. Consequentemente, não são consideradas suspeitas de atos de violência sexual, especialmente em relação a crianças com quem têm vínculo familiar ou de cuidado. 

Embora esse seja um assunto pouco comentado, parte significativa dos abusos sexuais contra crianças e adolescentes é cometida por mulheres. As estatísticas não são precisas, mas estima-se que de 2 a 25% das ocorrências de abuso infantojuvenil envolvam agressoras do sexo feminino. Considerando os casos que chegam a ser denunciados, a prevalência gira em torno de 5%. 

Como é possível imaginar, uma dificuldade ao lidar com o problema é que esses são abusos mais difíceis de detectar. Como mães e cuidadoras têm acesso constante ao corpo da criança nos momentos de higiene, por exemplo, toques abusivos, inseridos nesse contexto, podem passar despercebidos por anos. 

Assim como ocorre com os  agressores do sexo masculino, não há um perfil específico para as autoras de violência sexual. Elas compõem um grupo heterogêneo, com características e motivações variadas para a prática do abuso.

Sobre as agressoras que abusam dos próprios filhos, há as que agem de forma sedutora, estimulando sexualmente a criança sem usar força ou causar sofrimento físico. Nesses casos, a vítima muitas vezes demora a compreender o caráter abusivo da relação, já que a violência sexual se mistura com atos de cuidado e carinho, levando a criança a acreditar que aquela é uma forma natural de interação.

Mas há também as mães que agem de forma cruel e sádica, provocando dor ou humilhação e recorrendo a ameaças para manter a situação em segredo. Nesses casos, tendem a apresentar baixo nível de escolaridade, dificuldade em estabelecer relacionamentos sociais adequados, dependência química ou transtornos mentais.

Temos, ainda, mulheres que cometem violência sexual inicialmente coagidas pelos parceiros mas, com o tempo, passam a abusar de crianças por iniciativa própria.

No que se refere à violência sexual de mulheres contra adolescentes, há aquelas que romantizam o envolvimento e se tornam amantes de rapazes bem mais novos. Essa é uma situação complexa se levarmos em consideração os ideais ligados à masculinidade, que incentivam o homem a corresponder sempre de forma viril quando provocado por uma mulher. Nesse contexto, muitos jovens podem se sentir acuados e obrigados a aceitar o abuso por pressão social. Na mesma lógica, dificilmente serão capazes de admitir abertamente seu sofrimento ou denunciar a situação sexualmente abusiva. 

Juliana Borges Naves

24 de fevereiro de 2021Comments are off for this post.

Mito: o abuso sexual só ocorre em famílias pobres e desestruturadas

É um equívoco considerar que o abuso sexual só ocorre em famílias com menor poder aquisitivo ou naquelas em que os conflitos são cotidianos. É claro que a pobreza pode sim representar um complicador para esse tipo de violência quando se pensa, por exemplo, que a estrutura física das casas muitas vezes não favorece a privacidade, com ambientes sem porta, ou com várias pessoas coabitando em um mesmo local. Do mesmo modo, familiares que brigam com frequência e se desrespeitam demonstram propensão a desconsiderar as necessidades de seus pares, tornando o contexto mais suscetível a atitudes indevidas uns contra os outros e, deste modo, mais suscetível a abusos. 

Apesar dessas condições, sabe-se que a violência sexual contra crianças e adolescentes é comum mesmo em famílias que demonstram ser bastante organizadas e funcionais. O problema alcança mesmo aqueles grupos familiares que parecem acima de qualquer suspeita, que se mostram bem integrados à sociedade, que vão à igreja, são educados com todos, em que os pais são bem sucedidos e queridos na vizinhança, etc. 

De forma geral, os casos de violência doméstica, incluindo o abuso sexual, costumam aumentar ante a crises sociais e econômicas. Isso foi confirmado pelas notícias desse ano de 2020, quando o problema aumentou em função da pandemia do corona vírus, com a necessidade de isolamento, instabilidade salarial e nos altos índices de desemprego. Além disso, fatores psicológicos, psiquiátricos, educação adultocêntrica e machista, além de certas dinâmicas das relações familiares também podem aumentar os riscos de violência sexual. Sobre esse conjunto de fatores, nenhuma família está necessariamente imune porque tem boas condições financeiras ou porque seus membros são sempre cordiais entre si.

 É preciso estar alerta, portanto, para o fato de que o alcance desse tipo de crime muitas vezes se estende a contextos improváveis. Abusos sexuais podem ocorrer em qualquer lugar e, quando você está ciente sobre isso, dificilmente vai ser pego de surpresa, pois, se prepara melhor para identificar o problema e educa o seu filho para saber como perceber e reagir a qualquer situação desconfortável.

Liliane Domingos Martins

17 de fevereiro de 2021Comments are off for this post.

As consequências do abuso sexual

Abuso sexual não produz os mesmos efeitos em todas as pessoas. As crianças e adolescentes vitimizados podem reagir ou vivenciar a violência sexual de maneiras variadas. Assim, alguns expressarão o seu sofrimento de forma muito evidente, enquanto outros não o farão.

Dentre as consequências do abuso sexual, podemos apontar a possibilidade de danos a curto, médio e longo prazos nas mais diversas áreas da vida do sujeito. Trata-se de um evento que predispõe ao aparecimento de psicopatologias e de prejuízos nas esferas psicológica, social e afetiva. São alguns exemplos:

- Consequências físicas: gravidez; DSTs; dor, inchaço ou sangramento na região genital; hematomas ou lesões corporais, em razão do uso de força física; dentre outros.

- Consequências psicológicas e/ou psicossomáticas: mudanças de comportamentos ou vocabulário; agressividade; condutas sexuais inadequadas e/ou incompatíveis com a idade; dificuldades nos relacionamentos interpessoais; dificuldades escolares; distúrbios alimentares; distúrbios afetivos (apatia, depressão, desinteresse pelas brincadeiras, crises de choro, sentimento de culpa, vergonha, autodesvalorização, baixa autoestima); dificuldades de sono; uso de drogas; tentativas de suicídio; queixas psicossomáticas; frequentes fugas de casa; transtorno de estresse pós traumático, dentre outros.

Além disso, as consequências também podem variar de acordo com a idade da vítima, a duração do abuso, o grau de violência ou ameaça de violência empregada; o grau de proximidade entre o agressor e a vítima; resiliência; presença de apoio familiar e suporte emocional; consequências da revelação; garantia de proteção, etc. 

Uma vez que cada pessoa responde a estímulos de forma singular, a violência sexual não produz o mesmo resultado sobre todas as crianças e adolescentes submetidos a ela. Apesar das consequências negativas para o funcionamento psicológico, social, cognitivo e afetivo do sujeito, não existe uma “síndrome”, “transtorno” ou “sintoma” específico ou exclusivo relacionado a esse tipo de vivência. Do mesmo modo, existe também a possibilidade de vitimização com ausência de sintomas. 

Portanto, cada caso é um caso. O fundamental é que a criança ou adolescente encontre o apoio e ajuda necessários, de modo a evitar que as consequências dessa violência marquem cruelmente a sua vida no presente e no futuro.

Silvia Pereira Guimarães

10 de fevereiro de 2021Comments are off for this post.

09 de fevereiro – Dia Mundial da Internet Segura

Cyberbullying, fakes, sexting, stalking… uma série de palavras em inglês que podem ser bem difíceis de entender, mas que dizem respeito a alguns problemas comuns na relação de crianças e adolescentes com a internet. Para muitos, pode parecer que, estando restritas ao ambiente virtual, tais questões trazem menos danos à vida das pessoas, mas isso não é verdade. Esses termos demonstram que a rede mundial de computadores muitas vezes permite que nossos pequenos fiquem mais desprotegidos, propensos a aproximações abusivas de terceiros, de forma que é essencial a educação deles para o estabelecimento de interações mais conscientes e responsáveis no uso de dispositivos tecnológicos.

Na internet, os usuários estão suscetíveis a sofrerem assédios, aliciamento, ameaças, chantagens, receber demandas de ordem sexual e à exposição indesejada à pornografia. Antigamente, quando as pessoas ensinavam as crianças a preocuparem-se com estranhos, alertavam para os perigos nas ruas, sendo que hoje em dia esse risco é mais frequente pelas mídias digitais, onde costuma haver menos controle por parte dos pais.

Foi preocupada com essa situação e pensando na necessidade de deixar as pessoas melhor informadas sobre tais assuntos que surgiu o Safer Internet Day, ou seja, o Dia da Internet Segura. A data é comemorada anualmente desde 2004 e foi criada pela Rede Insafe na Europa, tendo se expandido com ações por todo o mundo. Em 2021, o tema da campanha é “Juntos por uma internet melhor”, com o objetivo de que o cenário virtual seja mais seguro para todos, principalmente crianças e adolescentes.

Como parte das iniciativas desse dia, as pessoas são convidadas a buscarem e a multiplicarem estratégias para que as rotinas online se tornem menos perigosas e mais respeitosas. Adultos responsáveis como pais e professores são incentivados a encontrarem na própria internet por recursos de monitoramento e de promoção de mais saúde no acesso aos ambientes virtuais. Há muitos jogos, cartilhas e vídeos com esse conteúdo na rede e todo esforço com a intenção de disciplinar um uso mais positivo pode ser divulgado com a #SID2021. Discuta o assunto em seu meio e participe!

Liliane Domingos Martins