22 de setembro de 2021Comments are off for this post.

O que fazer e não fazer quando uma criança ou adolescente conta que foi vítima de um abuso sexual

Se em algum momento você se deparar com uma situação em que uma criança ou adolescente conta que foi vítima de um abuso sexual, existem alguns cuidados importantes a serem observados.

Em primeiro lugar, saiba que falar sobre um abuso sexual costuma ser muito desconfortável para a vítima, pois envolve sentimentos de vergonha, culpa e medo. Desse modo, o adulto deve buscar oferecer uma escuta atenciosa e acolhedora, deixando que a criança ou adolescente relate livremente, com suas próprias palavras, o que aconteceu. É fundamental levar em consideração o estágio de desenvolvimento da vítima, que envolve um curso próprio de linguagem e de memória. Crianças possuem uma forma de lembrar as coisas que não é linear, por isso, tendem a apresentar relatos fragmentados, sem sequência temporal e pouco detalhados. O mesmo pode ocorrer com alguns adolescentes.

Cabe ao adulto não fazer “um interrogatório”, com perguntas persistentes sobre o assunto. Por mais que as emoções sejam fortes e surjam muitas perguntas, é importante não duvidar ou desacreditar a fala da criança ou adolescente. Perguntas repetitivas contaminam a fala da vítima e transmitem a ideia de desconfiança sobre o que está sendo relatado.

Durante essa conversa difícil, os momentos de silêncio e de choro devem ser respeitados. Além disso, perguntas e afirmações do tipo: “Por que você não me contou isso antes?”, “Por que você ficava perto de Fulano?”, “Eu te falei que você não devia andar com Cicrano”, “Você devia ter gritado, corrido...”, devem ser evitadas. Esse tipo de observação não traz nenhum benefício e aumenta ainda mais o sentimento de culpa da vítima.

Por fim, quando estiver conversando com uma criança ou adolescente vítima, não faça promessas que você não poderá cumprir. Não diga, por exemplo, “Pode me contar, não vou contar pra ninguém”. Isso não é verdade, uma vez que você terá que tomar providências para proteger a vítima e isso envolve relatar o que aconteceu. Fazer esse tipo de promessa que não pode ser cumprida pode fazer com que a criança/adolescente se sinta enganada ou traída por alguém em quem ela confiou.  

Silvia Pereira Guimarães

15 de setembro de 2021Comments are off for this post.

Intimidade Privacidade e Autonomia: 3 aliados na luta contra o abuso sexual

Sempre falamos dos 3 Rs da autoproteção, ou seja, da importância de ensinar  crianças e adolescentes a Reconhecer, Reagir e Relatar situações suspeitas. Essa é uma boa estratégia de prevenção do abuso sexual, mas cujo sucesso depende da aquisição de algumas noções importantes, que podem ser desenvolvidas desde muito cedo com nossas crianças.

Quando se trata de violência sexual, não é fácil reconhecer situações de risco, já que esses riscos raramente são muito claros. Primeiro porque a maioria dos agressores é alguém próximo da criança, que conta com a confiança tanto dela quanto da família. Depois, porque nem sempre o abuso ocorre de maneira a gerar desconforto. Muitos agressores iniciam suas práticas com toques sutis e agradáveis, inseridos em ações corriqueiras de cuidado ou em brincadeiras, que vão evoluindo para contatos mais sexualizados com o passar do tempo. Além disso, o fato de que as crianças são geralmente ensinadas a respeitar e obedecer sem questionamento os adultos favorece a ação desses agressores.

A tarefa de proteger nossos pequenos deve ser constante, assim como é o risco de que se tornem vítimas desse crime tão terrível. É um trabalho amplo, que vai além de explicar para a criança que existem abusadores e que ela deve reagir e relatar, se for abordada por algum deles.

É por isso que hoje vamos trabalhar três pontos fundamentais, não só para a prevenção da violência sexual, como também para o desenvolvimento de habilidades emocionais e sociais úteis em qualquer situação. 

Para que uma criança possa de fato reconhecer situações abusivas, é interessante que ela desenvolva de maneira efetiva as noções de Intimidade, Privacidade e Autonomia. Nosso convite é para que esses elementos, naturalmente presentes de um modo ou outro na educação corriqueira das crianças, sejam abordados pelos cuidadores, pais ou responsáveis de forma consciente, em toda sua potencialidade.

O primeiro desses conceitos, Intimidade, se refere à percepção de que certas coisas são particulares e só devem ser divididas com poucas pessoas, em momentos especiais. Na construção da ideia de Intimidade, algo importante é ensinar as crianças a identificarem e nomearem cada parte do próprio corpo, entendendo que algumas delas são diferenciadas. Nesse sentido, a concepção de partes íntimas pode ser trazida desde muito cedo, aliada à informação de que essas partes devem ser resguardadas e não podem ser tocadas por outras pessoas, a menos que a criança precise de algum cuidado específico, de higiene ou médico, por exemplo. 

Vale dizer que o conceito de Intimidade não se limita a demarcar algumas partes particulares no corpo da criança. Nessa lógica, é importante que a criança seja resguardada não só com relação ao seu corpo, mas também numa perspectiva subjetiva. Respeitar a intimidade da criança envolve também escutá-la com atenção, valorizar suas dúvidas, buscando esclarecê-las, considerar suas emoções e validar seus sentimentos. 

Se observarmos com atenção, veremos que essa não é a postura tomada pela maioria dos adultos. Tanto que, o que mais ocorre quando uma criança cai e chora, é encontrar um adulto que lhe diga para se levantar logo, que não foi nada e nem doeu. Embora pareça uma bobagem, esse tipo de conduta transmite para a criança a percepção de que a dor que ela de fato sente talvez nem seja verdade, pois não é validada pelo outro. Aqui, o adulto não só se coloca como quem sabe mais do que a criança, mas também como quem é incapaz de entender e acolher seu sofrimento ou dificuldade.

O conceito de Privacidade amplia, de certa forma, a ideia de Intimidade. Privacidade é a concepção de um espaço pessoal, muitas vezes concreto, onde se pode experimentar momentos particulares ou condutas que, socialmente, se dão fora da vista das outras pessoas. Nesse ponto, entra a noção de pudor e a percepção de que algumas coisas são socialmente aceitas, quando são públicas, enquanto outras não são tão adequadas e devem ser resguardadas. É a partir desse entendimento que a criança será capaz de identificar o espaço dela e o espaço do outro e compreender que é preciso pedir ou conceder permissão para o acesso a determinados ambientes. 

Aqui, precisamos fazer a distinção entre privacidade e segredo. Privacidade tem a ver com coisas que são sabidas e adequadas, mas não devem ser socializadas, como os momentos de higiene ou de exploração íntima e natural do próprio corpo. Segredo pode envolver condutas vergonhosas ou inadequadas, que não são divididas por medo ou constrangimento.

Finalmente, chegamos à questão da Autonomia, postura que deve ser cultivada e incentivada desde muito cedo. Quanto mais independente for uma criança, tanto com relação aos cuidados com o próprio corpo, tanto em termos de formular seus próprios pensamentos e dúvidas, tendo a tranquilidade de expor isso sem medo, menos chance ela terá de ser vítima de abuso.

A noção de Intimidade, a concepção de Privacidade e o desenvolvimento da Autonomia são fortes aliados na prevenção da violência sexual, além de ferramentas valiosas para o bom relacionamento da crianças consigo mesma e com o mundo.

Juliana Borges Naves

8 de setembro de 2021Comments are off for this post.

Quando a vítima gosta do agressor: será que teve abuso sexual mesmo?

É comum as pessoas acharem que não houve abuso sexual quando a criança/adolescente continua demonstrando boa relação com o suposto agressor. Acreditam que toda vítima tem sentimentos de medo, raiva, repulsa, revolta ou outros afetos negativos sobre o abusador. Apesar disso parecer natural e ser esperado pela maioria, é bastante comum que o indivíduo molestado mantenha laços de carinho com o responsável pela violência, especialmente quando há um vínculo familiar entre eles.

Quando o abuso é cometido por um parente e mesmo assim há bom vínculo entre a vítima e seu agressor, é provável que a convivência entre eles seja feliz na maior parte do tempo e a violência se destaque como um dos poucos momentos desagradáveis que estabelecem. Nesses casos, a criança costuma gostar de estar perto do abusador, que se mostra um bom cuidador ou é divertido, brinca com ela e a faz se sentir especial de alguma maneira.

Nos casos de abusos fora da família, a ligação entre a vítima e o agressor pode ter sido intencionalmente criada por este último. Crianças e adolescentes são considerados seres vulneráveis e, por essa condição, costumam receber mais supervisão. Para um abusador conseguir se aproximar delas, portanto, quase sempre é necessário que ele se empenhe em promover uma fachada de simpatia, tornando-se um amigo querido e especial. Isso pode ser conseguido com elogios, presentes, dinheiro, doces ou outras estratégias de manipulação.   

O carinho que a criança muitas vezes sente pelo abusador pode ser usado por ele para conseguir que a vítima se submeta à violência e para garantir o seu silêncio. Isso é possível porque ela gosta dele, não quer vê-lo punido e pode até defendê-lo. Nessa situação, a vítima não quer se afastar do agressor, apenas torce para que os abusos parem. 

Saber dessas questões é importante para que você esteja mais alerta para os riscos referentes ao abuso sexual de crianças e adolescentes. Fica claro sobre o quanto é errado julgar que uma violência desse tipo não ocorreu simplesmente porque as pessoas apontadas como vítima e agressor continuam se dando bem. Esses casos são complicados mesmo e é preciso muito cuidado para analisar os fatos.

Liliane Domingos Martins

2 de setembro de 2021Comments are off for this post.

Fatores socioculturais que aumentam o risco de vitimização

Já falamos inúmeras vezes que a violência sexual contra crianças e adolescentes não é um fenômeno que acontece exclusivamente em uma determinada classe socioeconômica ou em determinado tipo de estrutura familiar, grupo étnico, religioso, cultural ou orientação sexual. Ao contrário disso, a vitimização de crianças e adolescentes é uma realidade mais ampla, que abrange todos os perfis, tornando-se um problema global a ser enfrentado. 

Assim, o abuso sexual não acontece apenas em famílias pobres e “desestruturadas”, como muitas vezes o senso comum acredita ser. Trata-se de um tipo de evento suscetível de ocorrer igualmente nas famílias “bem estruturadas”, de alto padrão socioeconômico e vida religiosa ativa. Isso se dá porque os abusos são praticados por pessoas, e não grupos ou perfis sociais. 

Dito isso, vale analisar que o abuso sexual envolve situações particulares de dominação dentro de uma relação desigual de poder: um agressor exercendo seu poder sobre uma vítima. Nesse sentido, podemos pensar em situações mais amplas que reforçam e acentuam essa desigualdade de poder e assim, por uma via indireta, podem contribuir para um aumento do risco para a ocorrência de violações diversas, entre elas, a violência sexual infantojuvenil. 

As situações de crise financeira e econômica, principalmente aquelas que perduram por longo tempo, contribuem para a construção de um cenário de instabilidade, estresse e tensão social, aumentando a incidência de crimes e violência de modo geral. Nesse contexto de fragilidade social, a violência doméstica, especialmente aquela que vitimiza os mais vulneráveis (como as mulheres e crianças), aumenta significativamente. Junto a isso, verifica-se também uma tendência geral de aumento dos abusos sexuais praticados contra as crianças. 

Um exemplo de como a crise financeira e a instabilidade social aumentam os índices de violência pode ser observado atualmente com a pandemia da Covid 19 e as medidas de distanciamento social. Os dados preliminares apontam para um aumento nas ocorrências de violência contra a mulher, assim como um aumento dos abusos sexuais contra crianças e adolescentes. 

Outro ponto que pode implicar em um aumento nas taxas de vitimização são os ambientes sociais em que imperam um modelo machista de relação, onde a mulher é comumente objetificada, ou seja, desconsiderada enquanto sujeito. Modelos socioculturais de naturalização das diferenças entre homens e mulheres predispõe a relações abusivas de modo geral, entre elas, abusos de natureza sexual que atingem também as crianças e adolescentes. 

Do mesmo modo, sociedades adultocêntricas (como a nossa), onde o poder de escolha, liberdade e direitos concentra-se nos adultos, favorecem situações de vitimização dos mais jovens, uma vez que estes não são ouvidos ou suas opiniões e posicionamentos são considerados irrelevantes. Junto a isso, modelos “educacionais” violentos, que banalizam o uso da agressão física e a imposição da força e da vontade sobre o outro, reforçam a tendência de vitimização sexual infantojuvenil. 

Por fim, o implemento e a ampliação da virtualidade das relações, tem surgido como campo para o aumento da violência sexual por meios digitais. A naturalização das telas e o livre acesso dos jovens a dispositivos com acesso à internet amplia o alcance do conhecimento e traz inúmeros benefícios aos usuários. Contudo, também amplifica riscos diversos, tais como a exposição à pornografia, o aliciamento por parte de pedófilos, a indução ao sexting, os assédios sexuais, dentre outros.

Silvia Pereira Guimarães

25 de agosto de 2021Comments are off for this post.

Entre a culpa e a responsabilidade

É muito recorrente que vítimas de abuso sexual relatem sentir culpa pela violência que viveram. Esse sentimento, tão presente e forte, pode até mesmo impedir que muitas delas tomem coragem para colocar limites no abuso ou para revelarem a alguém sobre essa situação. 

Quando falamos em culpa, devemos levar em conta que ela compreende dois aspectos. Uma coisa é a culpa no sentido legal do termo, que se refere ao componente de responsabilidade pela agressão. Outra coisa é a culpa no sentido psicológico, expressa pelo afeto que surge a partir da interpretação particular da vítima sobre a experiência abusiva.

Feita essa diferenciação, cabe ressaltar que, em todas as situações de assédio, a culpa, no seu sentido legal, é sempre do agressor. Isso quer dizer que, em nenhuma hipótese, a vítima pode ser responsabilizada pela violência que sofreu. Isso porque a culpa, enquanto ligada à responsabilidade pela violência, é obviamente de quem comete o ato.

Infelizmente, isso nem sempre fica claro e é comum que quem sofreu a agressão seja responsabilizado pela própria vitimização, em razão de seus hábitos, comportamentos ou do modo de se vestir. Se soma a esse erro a ideia equivocada de que a vítima pode ter consentido com o abuso de alguma forma, como nos casos em que não conseguiu esboçar reação. 

No que se refere à culpa que muitas vítimas experimentam, entende-se que depende de aspectos individuais e pode se originar por inúmeras causas. Embora não tenha responsabilidade legal pelo abuso, a vítima pode sentir-se culpada, por exemplo, por manter afeto ou proximidade com o agressor. Pode ainda sentir-se mal por não ter percebido o caráter perverso da interação a tempo de se proteger ou por ter tido alguma sensação fisicamente agradável durante o abuso, a despeito do desconforto emocional que a situação lhe causou.

Vemos que, em muitos casos, esse tipo de culpa nasce da ideia de que seria possível fazer as coisas de forma totalmente diferente. Olhando em retrospectiva, a pessoa se imagina capaz de estar mais alerta, de reagir de outro modo e de se autoproteger. É preciso entender que tais hipóteses partem de uma análise posterior, feita com elementos que a pessoa não tinha antes da agressão e, nesse sentido, constituem uma fantasia que não seria viável na prática. 

Além disso, nem sempre o abuso envolve violência física e muitos agressores investem seus recursos em um longo processo de aliciamento, a partir do qual identificam os pontos fracos de seu alvo, bem como as condições mais favoráveis para agir. Diante disso, podem se mostrar extremamente gentis e amáveis, carinhosos e companheiros, atitude que cria um vínculo de confiança, diminui a resistência da vítima e confunde sua percepção, possibilitando a conclusão do ato abusivo.

É importante saber que a culpa sentida pela vítima não só amplifica seu sofrimento, mas também dificulta a elaboração do trauma gerado pela experiência abusiva. Esse sentimento merece o cuidado profissional e pode ser devidamente trabalhado dentro de um processo psicoterapêutico. 

No que diz respeito à culpa por parte do agressor, cabe a devida punição legal, a partir da qual ele pode quitar sua dívida com a sociedade.

Juliana Borges Naves

28 de julho de 2021Comments are off for this post.

Como falar de violência sexual sem assustar as crianças

Boa parte das pessoas se choca com o fato de que haja adultos capazes de abusar sexualmente de crianças e a dificuldade em lidar com essa possibilidade é tanta que muita gente nem mesmo pensa sobre esse assunto. Entretanto, negar a realidade não faz com que ela mude e se a gente quer mesmo proporcionar alguma segurança para as crianças que a gente ama, não tem jeito, é preciso enfrentar o problema.

Quanto ao que uma família pode fazer para proteger os seus, orientações em termos de prevenção da violência sexual são fundamentais. Mas como falar sobre isso sem assustar as crianças?

No que diz respeito à segurança delas, quantos assuntos já não tratamos de forma corriqueira, a partir de ações do dia a dia? Não é assim que introduzimos hábitos de higiene, orientamos sobre os cuidados necessários para atravessar a rua ou para evitar acidentes como choques ou queimaduras? Da mesma forma, a preocupação com os perigos do abuso sexual deve estar presente no nosso cotidiano. 

Vemos que, em geral, as orientações nesse sentido costumam se resumir à informação de que as crianças não devem conversar com estranhos. Mas como sempre falamos por aqui, a maioria dos atos de assédio parte de familiares ou de pessoas próximas à vítima, o que torna esse tipo de precaução praticamente inútil para evitar que o abuso aconteça. 

Estratégias efetivas de prevenção envolvem educação em sexualidade, ou seja, estímulo para que as crianças tenham autonomia sobre o próprio corpo, sejam validadas quanto aos próprios sentimentos, identifiquem situações prazerosas e desprazerosas, bem como desenvolvam estratégias de autoproteção no seu contato físico ou afetivo com os outros. 

Uma atitude simples, mas que ajuda muito, é ensinar, o quanto antes, a criança a nomear todas as partes do corpo. Além disso, desenvolver a ideia de que algumas dessas partes são íntimas e não devem ser tocadas senão em situações específicas, caso precisem de ajuda. Nessa lógica, ainda que a família utilize apelidos para se referir à vulva e ao pênis, por exemplo, é importante que se oriente quanto aos nomes mais técnicos, para que a criança possa ser compreendida, caso precise reportar alguma situação abusiva.

A noção de privacidade também é fundamental. É necessário orientar que algumas coisas ou momentos são íntimos e devem ser respeitados. Por isso, em público usamos roupas de banho, calcinha ou cueca e fechamos a porta quando estamos no banheiro, por exemplo.

Nesse ponto, cabe esclarecer que a curiosidade sobre a diferença entre meninos e meninas surge naturalmente por volta dos três anos de idade, quando as partes íntimas passam a chamar maior atenção. É a época das perguntas constrangedoras, bem como dos atos de manipulação dos genitais, que tanto assustam muitas famílias. Essa preocupação muitas vezes é infundada, haja visto que a estimulação da vulva ou do pênis é uma atividade típica da criança nessa época e tem natureza diversa do que conhecemos propriamente como masturbação. No caso das crianças, tal comportamento tem como base a curiosidade em conhecer o próprio corpo e em experimentar as sensações de bem estar que este pode proporcionar, sem o componente erótico que integra a experiência de masturbação na fase adulta. 

Nesse contexto, é importante trabalhar com os pequenos a ideia de que é natural que sinta algumas sensações quando toca aquela parte do corpo, mas que se trata de uma área sensível, com a qual precisa lidar com certos cuidados, como delicadeza e higiene. Fundamental é reforçar a noção de que se trata de uma parte íntima, que só deve ser tocada por ela e mais ninguém, com raras exceções. Ademais, também deve-se orientar que a automanipulação deve ocorrer de forma privativa e não à vista das demais pessoas.   Com o tempo, esse comportamento tende a perder a frequência para as atividades cognitivas que integram a fase posterior, quando a atenção da criança se volta para as relações de amizade e a aquisição de conhecimento.

Outra ação preventiva que pode ser feita no dia a dia da família é o estímulo ao diálogo e o estabelecimento de um vínculo de confiança com as crianças.  Isso pode ser feito a partir de perguntas rotineiras sobre os acontecimentos do dia e sobre seus sentimentos. Aqui, o importante é construir perguntas livres, de forma que se sintam interessadas em respondê-las. Além disso, cumpre dizer abertamente que podem pedir ajuda sempre que precisarem, pois serão invariavelmente apoiadas. Tudo isso pode ajudar muito para que nossos pequenos não se sintam desamparados diante dos problemas que vierem a surgir.

Juliana Borges Naves

21 de julho de 2021Comments are off for this post.

Problemas dos Testes de Virgindade

A virgindade é um conceito construído socialmente em torno da primeira experiência sexual. Para as pessoas do sexo feminino, a ideia de “perder a virgindade” usualmente está atrelada ao hímen, que é uma membrana que recobre parcialmente a área interna da genitália feminina e que, supostamente, se rompe com a penetração sexual.  

Baseado nesse entendimento, é comum que crianças e adolescentes sob suspeita de vitimização sexual sejam encaminhados para exames dedicados a avaliar se foram submetidas à penetração. Tais exames consistem na inspeção do órgão genital de meninas para verificar, a partir da aparência das estruturas dessa região corporal, se há anormalidades do hímen, como lacerações, cicatrizes, perfuração, alargamento do canal ou outros tipos de lesões resultantes de violação íntima.

Na nossa experiência, é comum observar que, ante a uma denúncia de abuso sexual contra uma criança ou adolescente, a família se sinta tranquilizada pelo resultado desse tipo de exame quando não são encontrados indícios físicos que confirmem a violência. Acreditam que isso significa que a criança ou adolescente não foi molestado, o que normalmente não condiz com a realidade.

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a violência sexual contra crianças e adolescentes nem sempre envolve contato físico e, nessas condições, obviamente não será possível identificar qualquer sinal corporal que evidencie o abuso. Além disso, a literatura científica tem apontado problemas com os exames acima referidos. Uma série de estudos recentes tem demonstrado que, mesmo quando a vítima alega que a violência ocorreu com a penetração de dedo ou pênis em sua vagina ou ânus, são enormemente frequentes os casos em que nenhum indício do estupro aparece. Isso se dá por vários fatores, como pela rápida capacidade de regeneração das mucosas em crianças e adolescentes e, especialmente, porque há tantas variações na constituição himenal que é muito difícil discriminar suas variações anatômicas.

Em 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) se posicionou contrária às avaliações médicas que envolvem análise da integridade do hímen para conclusões sobre virgindade, isso mesmo em casos de violência sexual. Além de considerar as questões já postas por esse texto, a entidade acrescenta que esses exames são invasivos, de forma que têm efeito revitimizante sobre vítimas de violência sexual e constituem-se em violações aos direitos humanos. Ao exposto, coloca ainda que, a despeito da insuficiência das conclusões que oferecem, os exames de virgindade tendem a ser amplamente aceitos pelos tribunais, em detrimento da palavra da vítima e em favor do agressor, que muitas vezes se mantém impune.

De modo geral, existe um movimento global para a abolição dos exames de virgindade, fortemente apoiado pela comunidade científica. Não há razão para que esse tipo de prática continue a ser empregada e, sendo assim, é importante que pais e profissionais estejam cientes acerca de suas limitações para evitar conclusões sobre denúncias de abuso tão somente com base nessas avaliações. 

Liliane Domingos Martins

14 de julho de 2021Comments are off for this post.

Os dois pontos fundamentais da prevenção ao abuso sexual de crianças

Como já falamos aqui por várias vezes, o abuso sexual de crianças é uma realidade extremamente frequente em nossa sociedade. Os dados oficiais do governo, ainda que subnotificados, apontam para um número alarmante de meninas e meninos com idades inferiores a 14 anos vitimados. 

Diante desse quadro, ressaltamos que o conhecimento é o que propicia a adoção de posturas protetivas contra a violência sexual infantojuvenil. Existem dois pontos fundamentais nos quais se baseia o viés preventivo: a educação sexual da criança e o estabelecimento de vínculos de confiança. 

Mas o que isso quer dizer?

Isso quer dizer que é importante que crianças e adolescentes recebam educação sexual desde cedo, de forma adequada e em linguagem apropriada para sua faixa etária. Educação em sexualidade não é falar sobre sexo, mas sim falar sobre o corpo, sobre autocuidado e autoproteção. Quando são ensinados temas como consentimento, desenvolvimento e integridade corporal, a diferença entre toques agradáveis/permitidos e os toques desagradáveis/invasivos, as crianças e adolescentes se tornam menos vulneráveis a violações sexuais. 

Isso significa que tratar a sexualidade como tabu ou como assunto que não pode ser conversado dificulta a proteção dos mais jovens. Quando a criança não conhece o próprio corpo e não se apropria dele, apresenta maior dificuldade em reconhecer uma aproximação abusiva e impor limite. Quando ela conhece seu próprio corpo, tem mais chance de perceber quando sua privacidade está sendo violada e, a partir daí, buscar ajuda, relatar seu incômodo a um adulto de confiança, ou até mesmo reagir àquela situação. 

O segundo ponto fundamental da prevenção ao abuso sexual refere-se ao estabelecimento de vínculos de confiança. Isso aponta para a importância da construção de uma relação de amparo e liberdade entre a criança e o adulto de referência (que pode ser a mãe, o pai, algum familiar ou outra figura protetiva). Trata-se de um relacionamento em que a criança se sente segura para dizer abertamente o que está lhe incomodando, inclusive sobre temas da sexualidade, sabendo que aquele conteúdo será escutado e não castigado ou reprimido. 

Nesse tipo de ligação, o adulto tem a possibilidade de acompanhar o desenvolvimento da criança, podendo identificar, por exemplo, quando ela está vivendo um momento de angústia e sofrimento. A partir daí, é possível estabelecer um diálogo que lhe permita falar, relatar o que está acontecendo. Cabe ao adulto aprender a escutar a criança sem repreendê-la ou humilhá-la, mas entendendo que aquilo que ela expressa é algo relevante para ela. 

É importante lembrar que, com relativa frequência, abusos sexuais acontecem de forma gradativa, em um crescente de avanços sexuais. Quando a criança tem uma figura de referência a quem ela consegue dividir os acontecimentos do dia a dia e suas dificuldades, em uma situação de uma aproximação inadequada, ela poderá compartilhar seu incômodo mais precocemente, possibilitando que sejam tomadas as providências que irão afastar um provável abusador. Quando a criança não tem um adulto de sua confiança a quem recorrer, ela se torna mais vulnerável a aproximações abusivas.

Por fim, temos que entender que a chave para a proteção das crianças e adolescentes contra as violações sexuais está nas mãos dos adultos. As melhores estratégias preventivas encontram-se na educação sexual que será oferecida à criança e na construção de uma relação de confiança. A via da proteção não é fácil, nem rápida, mas é fundamental. Ela requer conhecimento e sensibilidade. Ela exige tempo e paciência. Ela demanda constância e amor. 

Silvia Pereira Guimarães

23 de junho de 2021Comments are off for this post.

Comportamentos sexuais “normais” e “anormais” em crianças

Ao longo do desenvolvimento, crianças e adolescentes apresentarão comportamentos que expressam sua sexualidade ainda em desenvolvimento. Tratam-se de expressões de uma sexualidade infantil, bastante diferente daquelas observadas em adultos, e que estão relacionadas às descobertas referentes ao corpo (próprio e dos demais) e às sensações corporais de uma forma geral. 

Nesse sentido, a compreensão sobre o que é esperado em cada etapa do desenvolvimento infantil e quais são os comportamentos sexuais típicos, ou seja, considerados “normais” ou comuns à maioria das crianças, auxilia a pais e filhos lidarem com esse aspecto da vida de uma forma mais natural e tranquila. Além disso, tal conhecimento é fundamental para a identificação de condutas sexuais que fogem do esperado para aquela faixa etária e podem ser indicativos de algum tipo de abuso sexual. 

São exemplos de comportamentos sexuais típicos entre 0 e 4 anos de idade: auto-exploração; auto-estimulação; tocar os genitais; linguagem infantil para falar das partes do corpo; ter curiosidade em relação ao corpo de outras pessoas; exibir os genitais; interesse em atividades no banheiro; brincadeiras de faz-de-conta (“papai e mamãe”, “médico”) etc. Por outro lado, são comportamentos considerados atípicos e que devem chamar a atenção dos pais: usar linguagem sexualmente explícita; forçar o contato sexual com outras crianças; mostrar conhecimento sexual semelhante ao de um adulto; esfregar-se sexualmente em outras pessoas; tocar os genitais de maneira compulsiva, dentre outros. 

Já na faixa etária que vai de 5 a 12 anos de idade, são considerados comportamentos sexuais típicos: aumento das interações experimentais consensuais com outras crianças (no sentido de perceber diferenças e exercitar curiosidade); masturbar-se em particular (esporádico); beijo; toque; exibição; sentir-se enojada ou atraída pelo sexo oposto; fazer perguntas sobre menstruação, gravidez, comportamento sexual; falar mais sobre sexo; aumentar a linguagem sexual ou obscena; simular relações sexuais; relações sexuais digitais ou vaginais em pré-adolescentes, dentre outros. Entretanto, são considerados comportamentos sexuais atípicos nessas idades: masturbar-se em público ou de forma compulsiva; insistir em interações sexuais não consensuais com outras crianças; comportamento ou conhecimento sexual semelhante ao de um adulto; conhecer textura, sabor e cheiro de sêmen; relacionar-se com adultos e crianças de forma sexual, etc.   

Na faixa etária entre os 13 e 16 anos de idade, são exemplos de comportamentos sexuais típicos: fazer perguntas sobre relacionamento e comportamento sexual; usar linguagem sexual; masturbar-se em local privado; experimentação sexual e consensual com outros adolescentes de mesma idade; carícias; algumas vezes, relações sexuais consensuais etc. Todavia, são exemplos de comportamentos sexuais atípicos: masturbar-se em público; ter contato sexual com crianças bem mais novas; levar crianças bem mais novas para “lugares secretos” ou passar tempo incomum em sua companhia; mostrar material sexual para crianças mais novas; ver pornografia infantil na internet; expor os genitais para crianças mais novas; intimidar crianças a manter segredo, dentre outros. 

Condutas sexuais atípicas ou “anormais” em crianças e adolescentes devem sempre ser investigadas, uma vez que podem indicar que foram vítimas de um abuso sexual ou que estão abusando sexualmente de outras crianças. Sabemos que cada caso é um caso, mas, comportamentos sexuais que se mostram muito distantes daquilo que é esperado em determinada faixa etária e que tendem a ser persistentes são um importante sinal de alerta e devem ser foco de investigação.  

Silvia Pereira Guimarães

16 de junho de 2021Comments are off for this post.

Castração química: solução que não resolve

Na tentativa de solucionar o problema do abuso sexual, muito se fala da possibilidade de induzir a castração química do ofensor sexual. O procedimento de castração química é um método reversível, que consiste no uso de remédios que agem sobre a testosterona, diminuindo a libido. Quem faz essa proposta, parte da ideia de que, com menos desejo sexual ou sem a possibilidade de manter uma ereção, o agressor perderia o interesse ou os meios para cometer a violência sexual.

Infelizmente, tenho notícias nada animadoras para quem acredita nessa solução.

Quando se trata desse tipo de violência, devemos lembrar que a relação sexual é apenas um dos atos, dentre inúmeras condutas abusivas possíveis. Nesse sentido, mesmo sem condições de alcançar uma ereção, um agressor pode empreender uma infinidade de práticas, inclusive de penetração digital ou com o uso de objetos.

Há ainda que se considerar que o comportamento abusivo não deriva necessariamente de um interesse erótico por crianças. Para a maioria dos agressores, o abuso se dá por razões como: raiva, vingança, alívio de estresse, percepção de alguma oportunidade ou por uma espécie de exercício de poder sobre a vítima. Nesses casos, a castração química não teria qualquer ação contra a reincidência, já que agir sobre a libido desses indivíduos não teria impacto em outros tipos de motivação. 

Algumas das críticas feitas às propostas de castração química para ofensores sexuais levantam o problema da falta de um perfil comum a esses agressores. Médicos especialistas no assunto, como o Dr. Danilo Barbieri, Coordenador do Ambulatório de Transtornos de Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC, atestam a impossibilidade de encontrar um tratamento padrão que tenha ação efetiva para todos os agressores sexuais. Segundo ele, é preciso entender as particularidades de cada caso para traçar uma terapêutica individualizada. Conforme o profissional coloca, a maioria dos agressores pode se beneficiar de atendimento psicoterapêutico, muitos deles vão necessitar também de tratamento psiquiátrico, mas apenas uma minoria teria indicação médica para o procedimento de castração química, conhecido tecnicamente pelo nome de terapia antagonista da testosterona. 

Embora tanto psicólogos quanto psiquiatras tragam contrapontos a esse tipo de solução, alertando para a pouca efetividade dessa prática, diversos países permitem ou propõem a castração química de agressores sexuais. Em alguns lugares, esse é um tratamento que o agressor pode solicitar voluntariamente, enquanto em outros é pré-condição para a liberdade ou para a progressão da pena. A terapia antagonista da testosterona para ofensores sexuais é usada no Canadá, na Argentina, na Suécia, na Polônia, na Rússia, na Itália, na França, na Indonésia, na Dinamarca e no Oriente Médio, além de em alguns estados dos EUA. Na Califórnia, a castração cirúrgica também é indicada em alguns casos.

No Brasil, vários projetos de lei já tentaram instituir a aplicação da castração química a autores de violência sexual. Sobre isso, é bom que se saiba que os medicamentos com poucos efeitos colaterais administrados mensalmente nesses casos são bastante caros. Aplicar tal terapêutica a todos os ofensores, traria um custo alto, com pouca eficácia prática. Nesse sentido, outros programas de prevenção podem trazer melhores resultados com um menor investimento.

Juliana Borges Naves